'Barbie garimpada': colecionadora compra e restaura bonecas encontradas em brechós
Lucielle, de 26 anos, encontra bonecas ‘sem valor’ e as dá uma nova vida; vídeo
Ter uma Barbie, boneca que nunca esteve entre as opções mais baratas nas prateleiras, é um luxo para muitas famílias. Luxo esse que a designer de moda Lucielle Alencar, de 26 anos, nunca pôde desfrutar. Ela encontrou nos brechós e vendas de segunda mão uma forma de ter acesso ao universo rosa pelo qual é apaixonada desde a infância.
Lucielle contraria a visão de que o colecionismo é exclusivo a quem tem grana para comprar a boneca perfeita, ao restaurar e dar nova vida às Barbies que garimpa. Sua coleção, inclusive, já conta com mais de 100 bonecas.
A primeira delas foi um presente de seu avô, quando tinha 5 anos de idade. Em entrevista ao Terra, ela contou que a paixão foi instantânea e que começou a pedir mais Barbies para sua mãe. "Só que era muito caro e ela não tinha condições", lembrou.
Sua mãe, Luciene, de 53 anos, nasceu no Maranhão e foi com a família para Santos, litoral de São Paulo, onde enfrentou dificuldades. Ela sempre ouviu a mãe contar, por exemplo, que as bonecas que tinha quando era criança foram encontradas no lixo.
"Era uma família muito pobre que tinha o que comer, mas que não tinha como ter outras coisas", diz Lucielle.
Barbie nos classificados
Para dar outro rumo à história familiar e realizar os sonhos da filha, Luciene decidiu buscar pessoas que estavam anunciando Barbies nos classificados de jornais. Assim, aos poucos, a coleção de Lucielle passou a crescer e garimpar as bonecas em brechós se tornou um momento especial na relação das duas.
A vontade de revitalizar as bonecas veio na infância. Lucielle customizava as Barbies do jeito que conseguia, tentando costurá-las e deixá-las bonitas como idealizava. Até que, aos 15 anos, ela vendeu - "com dor no coração" - alguns acessórios de Barbies que tinha para, com ajuda da mãe, comprar sua primeira máquina de costura. Lucielle diz que "aprendeu na raça" e que foi essa paixão pela Barbie que a aproximou ainda mais do mundo da moda.
Apreciadora do estilo vintage, as idas aos mais diversos bazares também impulsionaram Lucielle a criar o brechó on-line Velvet Swan, do qual é dona desde os 20 anos. Os garimpos que faz são quase sempre acompanhados de sua mãe, e o combinado é que enquanto ela olha as roupas, Luciene procura os brinquedos. Juntas, elas encontram relíquias que, para os olhos de outros, não reluziam mais.
"Eu encontro as bonecas, troco seus corpos, coloco cabelos novos, costuro roupas… Meu intuito é deixar elas brilharem como um dia brilharam. Quero deixar elas bonitas de novo", destaca Lucielle.
Segundo ela, o processo de limpeza e revitalização de uma Barbie que requer mais atenção dura até duas horas.
Quanto custa o garimpo
Com relação ao valor, Lucielle diz que varia bastante de brechó para brechó, numa faixa de R$ 5 a R$ 50. O "pote de ouro" do colecionador, como ela explica, é quando essas Barbies têm a marca Estrela, pois significa que elas foram produzidas no Brasil entre os anos 1980 e 1990. Essas edições são raras, mais frágeis e muito valiosas - e podem custar até R$ 5 mil, se encontradas dentro de uma caixa e em boa condição, conta.
- A Barbie é um produto da Mattel, criado em 1959. Por cerca de 30 anos, a partir do período entre os anos 1980 e 1990, a multinacional norte-americana firmou uma parceria com a Estrela, marca nacional, permitindo a venda, comercialização e licenciamento da boneca no Brasil. Antes da virada do século, porém, a Mattel rompeu o acordo.
- A Estrela chegou a pedir uma indenização milionária, alegando ter sido prejudicada e obrigada a retirar a boneca Susi do mercado para não interferir nas vendas da Barbie. Mas, em 2021, a fabricante brasileira de brinquedos perdeu o caso na Justiça.
Além dos brechós físicos, a busca por Barbies especiais por um precinho camarada também acontece pela internet. Lucielle participa de diversos grupos de colecionadores no Facebook. Segundo ela, essas comunidades são espaços de compartilhamento de dicas de cuidado e onde pessoas se ajudam no processo de reconhecimento de algum modelo específico da boneca.
Com esse mundo de possibilidades, Lucielle diz seguir com limites claros com relação ao dinheiro que investe nessa paixão, por não poder gastar muito. A boneca mais cara que ela comprou custou R$ 150 e foi a Barbie inspirada na novela Rebelde. O motivo do investimento foi a oportunidade, já que uma edição do tipo é vendida por, em média, R$ 450.
Em suas mais de 100 Barbies, que vão desde modelos feitos para crianças até edições especiais para colecionadores, sua estimativa é ter gasto em torno de R$ 1 mil com tudo.
Diferenças de linhas de Barbie
- Playline - Barbies feitas pensadas para crianças brincarem. Costumam ter roupas mais rosas e básicas, assim como menos detalhes nas maquiagens e penteados.
- Collector - Edições especiais de Barbies direcionadas para o público adulto. Costumam ter roupas ricas em detalhes costuradas nas próprias bonecas e maquiagens mais precisas. Lucielle pontua que, no geral, essas bonecas são mais altas e magras.
O hype do filme da Barbie
Como é de se esperar, Lucielle diz estar muito animada para assistir ao filme da Barbie lançado nesta quinta-feira, 20, no Brasil. O hype do longa tem deixado o mundo mais rosa: a cor está nas roupas, nos comércios, nos alimentos e nos conteúdos compartilhados nas redes sociais. Essa imersão nostálgica também fez com que os preços e a procura pelas bonecas aumentassem.
Apesar de Barbie estar passando por um período de hiperfoco nas mídias, Lucielle avalia que a comunidade de fãs e colecionadores sempre foi grande. O que ela reconhece como novo nesse movimento é a maior diversidade e inclusão nas edições das bonecas Barbie. Mas, ao passo que há maior representatividade, ela também sente que a qualidade das bonecas "modernas" caiu.
Há quem aponte que Lucielle tem tantas bonecas por "não ter tido infância", ou quem a "infantilize" pelo colecionismo. Mas a designer de moda diz não se afetar e garante que é bem resolvida consigo mesma. A questão do padrão de beleza da mulher loira, branca, alta e magra também não foi um problema.
"Sempre me a aceitei me achei bonita. Eu não gostava de só ter a boneca loira, sempre busquei ter Barbies diferentes", acrescenta.
O slogan da Barbie, 'Você pode ser tudo o que quiser', é uma fonte de inspiração desde sua infância.
"Não é só sobre Barbies, é também sobre nostalgia. É lembrar da minha mãe que não teve bonecas, lembrar da minha infância. Pra mim, colecionar é recuperar, ver aquela boneca toda estragada e conseguir trazer de volta um brinquedo que já teve uma história com outra pessoa", assegura.