Zeze Polessa: 'Mulheres como Nara, Gal e Baby me libertaram da mocinha comportada que deveria ser'
A atriz está em cartaz com 'Os Olhos de Nara Leão', criado por Miguel Falabella, e afirma que, assim como a cantora, sempre se sentiu deslocada dos ambientes
Foi na formatura do Colégio Paulo de Frontin, na Tijuca, em 1970, que a atriz carioca Zeze Polessa cantou Nara Leão (1942-1989) pela primeira vez. A garota, que, no ano seguinte, ingressaria na faculdade de medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), interpretou Olê, Olá e Madalena Foi pro Mar, canções de Chico Buarque lançadas por Nara em 1966, na colação de grau exclusiva de moças. "Minha primeira lembrança de Nara é dela defendendo A Banda no Festival da TV Record", conta a atriz, aos 72 anos. "Depois, vi suas fotos nas passeatas contra a ditadura, li uma entrevista no Pasquim e entendi que era uma mulher interessante e livre como poucas."
Mais de cinco décadas depois, no fim da pandemia, Zeze recorreu à inspiração dessa mulher "interessante" e "livre" para sacudir a poeira do confinamento. Deitada na sua cama, ela atendeu a uma ligação do ator, dramaturgo e diretor Miguel Falabella, que, revoltado ao saber que a colega não tinha projetos engatilhados, resolveu chacoalhá-la. "O que você gostaria de fazer?", perguntou ele. "O que não dá é para ficar sem fazer nada."
Zeze disse que tinha lido há pouco a biografia Ninguém Pode com Nara Leão, escrita por Tom Cardoso, e, se fosse mais jovem, pensaria em interpretar Nara, que morreu aos 47 anos, vítima de um tumor cerebral. "O que tem a ver essa história de idade?", respondeu o amigo, impaciente. "No teatro, isso não existe."
Escrito e dirigido por Falabella, o musical solo Os Olhos de Nara Leão, em cartaz no Teatro Renaissance, em São Paulo, estreou no Rio de Janeiro em fevereiro de 2024. Com delicadeza e afinação, Zeze surpreende ao dar voz aos clássicos Corcovado, Marcha da Quarta-feira de Cinzas, Opinião e Quero que Vá Tudo para o Inferno, entre outros, a partir de uma base instrumental gravada, sob a direção musical de Josimar Carneiro. "Esse papo da idade realmente me incomodou, quase me paralisou, mas vi que era um preconceito que precisava ser revisto", reconhece.
Formada em 1977, Zeze até tentou engrenar uma pós-graduação em saúde pública na Fundação Oswaldo Cruz ((Fiocruz), mas o diploma ficou emoldurado na parede da casa dos pais. Junto ao Pessoal do Despertar, grupo teatral formado por Falabella, Maria Padilha, Rosane Goffman e Daniel Dantas, entre outros, a ex-médica abraçou de vez o novo ofício em 1979 - apesar de não possuir a formação convencional. "Eles todos vinham das escolas de arte dramática e eu era a profissional da saúde", brinca. "Só que ali eu descobri que, por ser a deslocada, me jogava em qualquer personagem sem o peso da autocrítica e agarrei o que caiu nas minhas mãos."
Aos poucos, Falabella, Maria, Rosane e tantos outros colegas começaram a brilhar nas novelas e ganhar algum dinheiro. Até Dantas, com quem Zeze se casou, cedeu à televisão e virou o provedor do lar, enquanto ela insistia na exclusividade do teatro. Com o nascimento de João, o único filho do casal, hoje um tradutor e roteirista de 44 anos, a artista se viu perdida em uma rotina doméstica que não tinha planejado. "Entendi que era a hora de correr atrás da grana e me separei do Daniel porque seria mais fácil me organizar sozinha com o João", lembra ela, que estreou em 1989 na novela Top Model, da Rede Globo, onde acumularia sucessos nas três décadas seguintes.
Olhando para a sua história, Zeze recorre ao clichê de que é preciso valorizar aquelas personalidades responsáveis por abrirem as portas para as meninas que, como ela, buscavam um novo entendimento do mundo. "Mulheres como Nara Leão, Gal Costa e Baby Consuelo me libertaram da mocinha comportada que deveria ser", afirma. "Por isso é importante trazer de volta os pensamentos de Nara e nunca se esquecer de que a gente deve fazer o que bem quiser."
Os Olhos de Nara Leão
- Onde: Teatro Renaissance - Alameda Santos, 2.233
- Quando: Sexta, 21h; sábado, 19h; domingo, 17h. Até 21 de dezembro
- Quanto: R$ 150