Roteirista de 'Os Kennedys': eles não admitiam suas fraquezas
- Elaine Guerini
Logo no dia do casamento de John F. Kennedy com a bela Jacqueline Lee Bouvier, o pai do noivo, Joseph Kennedy, diz ao filho que trair a esposa não está errado - desde que ela não descubra, claro. "A mulher não espera fidelidade. O que ela não quer é que a infidelidade seja esfregada na sua cara", diz o patriarca da família, numa das cenas da minissérie Os Kennedys.
Foi por ressaltar os casos extraconjugais de JFK, o consolo que Jackie encontrava nas anfetaminas, o autoritarismo do patriarca e outras imperfeições do clã, até hoje lembrado como a realeza americana, que a série gerou tanta controvérsia nos EUA. "O americano ainda põe os Kennedys num pedestal, como se eles fossem deuses. É por isso que preferem não admitir que a família tinha as suas fraquezas", disse Stephen Kronish ao Terra. Ele é roteirista da minissérie de oito episódios que chega agora ao Brasil.
Três canais vão exibir Os Kennedys, estrelada por Greg Kinnear, como o presidente JFK, Katie Holmes, como Jackie, Tom Wilkinson, na pele de Joseph Kennedy, e Barry Pepper, como Bobby Kennedy. A estreia é neste domingo (3) no A&E, na segunda (4) no History Channel e, por último, no Biography Channel, na terça (5). "Por mais que todos os deslizes do clã já tenham sido expostos, até então ninguém havia se atrevido a dramatizar as intrigas familiares e conjugais numa produção audiovisual", afirmou o roteirista.
Por pouco, a minissérie dirigida por Jon Cassar (de 24 Horas) não foi engavetada nos EUA. Embora tenha encomendado a produção, que consumiu US$ 30 milhões, o History Channel americano decidiu não exibi-la, afirmando que o conteúdo não reproduzia "fielmente os fatos". A série acabou indo ao ar pelo ReelzChannel, um canal de menor alcance.
"Há boatos de que os herdeiros dos Kennedys pressionaram o History para não exibir a série. Mas nunca vamos saber ao certo os motivos diplomáticos ou políticos que levaram ao boicote", contou Kronish. Leia, a seguir, a entrevista exclusiva que o roteirista deu ao Terra, por telefone, de Los Angeles.
Terra - O que a minissérie traz de forte para justificar a polêmica?
Stephen Kronish - Nada que todo mundo já não saiba. Por mais que seja uma obra de ficção e não um documentário, procuramos ser honestos no retrato da família. Com isso, não podíamos ignorar que os Kennedys tinham seus demônios. Seria ridículo não incluir o envolvimento da família com a máfia italiana, para garantir a eleição de JFK. Ou mesmo a infidelidade de JFK, já que isso não é novidade para ninguém, incluindo o caso com Marilyn Monroe (vivida na minissérie por Charlotte Sullivan).
Terra - Por que o History Channel declarou então que a minissérie não era fiel aos fatos?
Stephen
- Não dá para entender, já que nós construímos a série baseados em fatos irrefutáveis, que foram verificados historicamente. O
History Channelaté contratou historiadores para checar se todas as nossas fontes eram confiáveis. Em sua maioria, foram fontes acadêmicas. Não pesquisamos no arquivo da revista
People. As nossas fontes incluem transcrições de conversas nos escritórios da Casa Branca. Sabemos exatamente quem disse e o que foi dito naqueles encontros. Só não sabemos, obviamente, o que JFK e Jackie conversavam na intimidade do quarto. Neste caso, o nosso trabalho é pegar as informações que temos e preencher algumas lacunas, supondo o que pode ter acontecido nos bastidores.
Terra - Jackie aparece usando anfetaminas. Isso é um dos fatos irrefutáveis?
Stephen
- Sim. Baseados em registros históricos, sabemos que ela sofria de depressão. Jackie bebia e tomava as mesmas anfetaminas que o marido, proporcionadas por um médico de Nova York, Max Jacobson, mais conhecido como Dr. Feelgood. Sabemos que as aventuras amorosas do marido afetavam Jackie profundamente. Às vezes, ela ficava cansada disso e decidia passar temporadas fora, com os filhos ou não. Mas ela sempre voltava para ele.
Terra - Há uma abordagem quase shakespeariana da família, não?
Stephen
- Esse foi o nosso objetivo. Contar a história dos Kennedys de um jeito shakespeariano, mostrando quanto da vida de alguém é determinado pela ambição de um pai, por exemplo. Não deve ter sido fácil para JFK e Bobby. Mesmo quando eles já eram o presidente dos EUA e o Ministro da Justiça, ou seja, dois dos homens mais poderosos do mundo, JFK e Bobby ainda escutavam Joseph. Obcecado pelo poder, Joseph os tratava como fantoches. E a própria trajetória da família, marcada por tragédias, também lembra Shakespeare.
Terra - Acredita que a família Kennedy tenha mesmo pressionado o History Channel para abandonar o projeto?
Stephen
- Não sei. Só posso dizer que Bob Kennedy Jr., que vive em Los Angeles, deu uma declaração contrária à minissérie mesmo antes de vê-la. Disse que pessoas por trás do programa sentiam hostilidade pela minha família.
Terra - A quem ele se referia?
Stephen
- Ao meu parceiro, o roteirista Joel Surnow, por ele ser um republicano conservador. Muita gente achou que Joel queria atacar os Kennedys, destruindo a imagem da família. Mas nunca houve uma razão política por trás do projeto. Até porque os Kennedys não têm força política hoje. E não levaram em conta que eu, que também sou roteirista da série, sou democrata.
Terra - No auge dos Kennedys, você também os idolatrava?
Stephen
- Sim, eu era garoto. JFK foi o primeiro presidente do qual eu tenho lembrança. E naquela época a mídia era outra. Eles protegiam o que era privado, deixando os Kennedys parecerem uma família perfeita.
Terra - Como você encarou as críticas, principalmente sobre a interpretação de Katie Holmes, que muitos consideravam fraca no papel de Jackie?
Stephen
- Não só Katie como os demais atores do elenco fizeram tudo exatamente como nós tínhamos imaginado. O que as pessoas talvez não tenham gostado de ver foi a fraqueza dos personagens, confundindo as coisas. As pessoas parecem esquecer como eles eram jovens, na época. Jackie tinha apenas 31 anos quando se tornou a primeira dama. Obviamente, ela não estava preparada para tudo o que teria de enfrentar.
Terra - Quanto todas as críticas e as controvérsias ajudaram no índice de audiência da minissérie nos EUA?
Stephen
- Certamente ajudou. A minissérie bateu recordes de audiência no
Reelz, que é um pequeno canal a cabo. Foram cerca de 2 milhões de telespectadores por episódio. Esperamos que no exterior a série também atraia o público. Obviamente a relação da plateia estrangeira com os Kennedys não é a mesma que a nossa. Para nós, eles foram o mais próximo que conseguimos chegar da noção de realeza. Mas a fascinação pelos ricos, bonitos e poderosos é comum no mundo inteiro. E ao dinastia Kennedy foi um dos melhores exemplos que o mundo já viu, apesar das tragédias que marcaram a família.