Bruno Garcia se diverte na pele de inventor em Boogie Oogie
Ator admite que, antes do sucesso, quase desistiu da atuação:"Cheguei a pensar em tentar fazer uma outra coisa para poder me sustentar e não ficar dependendo só dessa profissão tão instável"
É fácil se perder no tempo em uma conversa com Bruno Garcia. Inteligente e bem articulado, o ator profere um discurso seguro e parece saber exatamente o que quer. E fala sobre sua trajetória de 33 anos com o brilho nos olhos de quem ainda tem muito a fazer. É com esse misto de expectativa e maturidade que ele enxerga Ricardo, personagem que interpreta em Boogie Oogie. "Nós, atores, somos tão espectadores quanto o público. É muito interessante fazer um personagem que você não sabe como vai acabar. Você não sabe se ele vai morrer, se vai se casar, se vai ser feliz, se vai se transformar em um bandido lá na frente. Novela tem essa peculiaridade", analisa.
Siga Terra Diversão no Twitter
Natural de Olinda, em Pernambuco, Bruno sempre teve a certeza de que seguiria a carreira artística. Filho de um bailarino clássico, diretor e ator, ele se interessa por diversas linguagens. Além de ser diretor de teatro, gosta de pintar e fazer experiências com "stop motion". "Não tinha muito jeito de não ser ator. Mas eu já tive dúvida em relação a ser uma profissão", confessa. Assim que se mudou para o Rio de Janeiro, em 1991, ele conseguiu engatar alguns trabalhos na Globo, como Felicidade e Caso Especial. Mas, durante os 15 anos seguintes, assinou apenas por obra, o que gerava uma certa insegurança.
"Foi mais de uma década de muita ralação e teve momentos em que o dinheiro ficava curto, ficava difícil. Cheguei a pensar em tentar fazer uma outra coisa para poder me sustentar e não ficar dependendo só dessa profissão tão instável", recorda. Porém, sempre que resolvia deixar o currículo em algum lugar, na busca por uma outra ocupação, aparecia um trabalho que, artisticamente, o interessava. "Dúvida eu tive só nesses momentos de perrengue. Mas, em relação à realização pessoal, foi sempre o que quis fazer", completa ele, que assinou contrato longo com a Globo a partir de 2005.
Boogie Oogie se passa nos anos 1970, mas seu personagem, Ricardo, é um homem à frente do tempo por criar negócios que, na época, pareciam absurdos, mas deram certo no futuro. Como, por exemplo, abrir um restaurante de comida japonesa e inventar o identificador de chamadas telefônicas. O que mais atraiu você neste papel?
Exatamente isso, a possibilidade de dar essa piscada para o espectador. Na trama, as pessoas envolta do Ricardo criticam suas ideias e invenções e o espectador que está vendo sabe que aquilo vai dar certo, que aquilo não só é possível como vai estar plenamente em uso dali a alguns anos. Achei bem divertido poder fazer esse personagem. Eu adoro ficção científica, pensei que podia ter alguma coisa aí. Ainda estou esperando mais invenções, acho que devem rolar mais algumas coisas.
Você é um ator de composição. No caso do Ricardo, que é um personagem mais naturalista, como foi seu processo de criação?
Cada personagem é um processo diferente. Em geral, eu opto muito pela imaginação. Acho que é o mais divertido, o mais gostoso. Mas o estudo é eterno. A profissão do ator é muito interessante porque você tem a possibilidade de estudar várias coisas de áreas diferentes a vida inteira. E isso vai variar muito de personagem para personagem. No caso do Ricardo, eu não me inspirei em ninguém especificamente, mas vejo uma correspondência com o personagem do Mário Lago em Dancin' Days, o Alberico.
Em que sentido?
O Alberico tinha ideias fabulosas. O interessante é que a novela era feita na época, em 1978. Eu vi um capítulo em que o personagem tem a ideia de fazer uma central de táxi. Ele pensou em criar um número para as pessoas ligarem e, através do rádio, se comunicar com os motoristas. Provavelmente, o Gilberto Braga (autor) deve ter se inspirado em algo que viu em outro país e colocou na boca do personagem. Na verdade, eu não me inspirei em ninguém, mas acho carinhoso pensar que tinha um papel com algumas semelhanças em uma novela que foi feita em 1978 e que tratava de uma discoteca. Tem essa paquerada com Dancin' Days. Em alguns momentos, a gente homenageia.
O figurino do Ricardo é simples e está longe das extravagâncias da moda da época. É para estar de acordo com o fato de o personagem ser um visionário?
A gente chegou a pensar nisso. Conversamos muito sobre como esse cara, que tem uma cabeça adiante no tempo, se vestiria. E não foi fácil, apesar do resultado parecer simples e elegante. Justamente por causa disso, deu um certo trabalho para chegar nesse conceito. Mas a gente imaginou que seria interessante que ele fosse quase um largado e, ao mesmo tempo, atemporal. Ele se veste de uma maneira meio clássica. Não tem nada gritante do ponto de vista da extravagância, mas ele não é adequado à moda vigente de 1978. Tanto que, às vezes, estou ensaiando e alguém que não grava muito comigo ou está entrando na equipe da novela agora fala: "Você não botou o figurino ainda?" (risos).
A caracterização ajuda você de fato ou é apenas um detalhe ao longo de todo esse processo?
É fundamental. Um dos momentos mais importantes para a composição de um papel é quando você vai discutir com a direção de arte, com o figurino e, muitas vezes, com o visagismo como é o visual dessa pessoa. Porque nós somos o que aparentamos. Ou externamos nossa personalidade através de como nos vestimos, como cortamos o cabelo, como nos movimentamos. E as atitudes são muito atreladas à maneira como você se veste. Está tudo ligado. É um momento que eu acho fundamental e muito divertido. Adoro fazer a prova de figurino, ver a prancheta, ver as ideias que a figurinista teve de visual e, muitas vezes, discuti-las, acrescentar algo. Gosto muito do processo colaborativo.
Você chegou a sugerir algo para este personagem?
No caso do Ricardo, é muito mérito da Marie (Salles, figurinista). Cheguei a pensar em um visual quase de um cientista maluco e o Ricardo (Waddington, diretor) não queria de jeito nenhum porque a novela é bastante realista. Ele falou: "Esse tom acima está só nas ideias, ele é um cara normal, tem família". E eu concordei, senão poderia correr o risco de ficar caricatural. E fazendo uma prova aqui, outra ali, desmontando uma coisa aqui e outra ali, a Marie acabou chegando nesse conceito que eu adorei. Dessa vez, opinei muito pouco.
Seu personagem começou a aparecer a partir do 12º capítulo. Sentiu algum tipo de dificuldade em não entrar na novela desde o início?
Não porque eu tenho experiência em entrar em meio de novela, mas sei como é difícil. Eu nem sabia que ia fazer "Coração de Estudante" e "Começar de Novo" e acabei entrando. É um "tapa", você precisa de um certo tempo para se adequar ao ritmo da novela. Mas, nesse caso, eu sabia que o personagem ia entrar. E o capítulo 12 não é tão avançado assim. A novela ainda estava achando o seu tom e, sobretudo, o cenário no qual eu tenho mais cenas, que é a mansão.
Tem alguma vantagem em poder assistir a alguns capítulos antes de começar a gravar?
Sim. Gosto muito de ver os capítulos no ar. E assistindo à novela, você tem um pouco da medida de onde precisa entrar. Às vezes, o começo geral da coisa é mais complicado. Você não sabe direito como é a imagem, como são as primeiras cenas gravadas. Eu, por entrar depois, tenho a desvantagem de não entrar tão aquecido, mas tenho a vantagem de olhar para novela e entender como ela é no ar.
Durante um tempo, você ficou conhecido por interpretar tipos cômicos na televisão, como em Sexo Frágil e Bang Bang. Mas também investiu em perfis distantes do humor, como o vilão Natan de Sangue Bom e o próprio Ricardo de Boogie Oogie. Foi uma necessidade sua buscar outros gêneros ou simplesmente os convites apareceram?
Vou dizer uma coisa, no Brasil não existe isso, você faz o que aparece. Até 2005, eu não era contratado da Globo, fazia papéis por obra. Então, você faz o que aparece, você precisa pagar suas contas. Não existe essa coisa de trajetória de carreira. São raríssimos os atores que se dão ao luxo de poder escolher papéis. Hoje em dia, há mais oportunidades, o mercado se expandiu. A Lei da TV Paga abriu muitos caminhos, o que foi maravilhoso porque agora tem muito mais produções de audiovisual acontecendo e muito mais oportunidades de trabalho. Lá atrás o campo era muito restrito. Você tinha que dar graças a Deus quando era chamado para fazer alguma. Se o personagem fosse bom, melhor ainda.
Nunca ficou incomodado por ser muito chamado para papéis engraçados?
Não. Porque a comédia é muito rica. Não só por ser difícil de ser feita, depende de muita precisão, mas por ser muito eficaz. Ideias poderosas são muito mais facilmente comunicadas através do humor. E é muito gostoso trazer o riso para as pessoas. Quando você está no teatro, a sensação de controlar a respiração da plateia é magnífica, mas a risada é muito presente. Então, você tem certeza do que está acontecendo. O drama é mais silencioso. Escutar um fungado é um pouco mais raro. Você tem um pouco menos de retorno. E a comédia dá um retorno imediato. Mesmo onde não tem plateia, como em uma novela, tem a equipe. Quando você vê que a equipe está se divertindo com o que você está fazendo, é um prazer imenso. Então, não é incômodo nenhum. Pelo contrário. Tenho o maior orgulho de poder ser considerado um ator que faz bem comédia, que leva tanta felicidade para as pessoas.
Você se mudou de Recife para o Rio de Janeiro em 1991 e, no mesmo ano, estreou na Globo. Seu objetivo naquela época era fazer televisão?
Meu objetivo era me reciclar, fazer cinema, conhecer como funciona a produção na Globo, ampliar meus horizontes como artista, que tinham estagnado em Recife. Não na área do teatro, que sempre haverá coisas para fazer. Mas eu fiz muita publicidade lá. Minha imagem estava muito desgastada na cidade e pensei: "Ou abro uma produtora e invisto nesse campo ou eu me reciclo e começo tudo de novo, mas em um lugar com mais oportunidades de trabalhar em outros veículos, como tevê e cinema".
Várias faces
Uma das coisas que Bruno Garcia mais aprecia na profissão de ator é a possibilidade de incorporar personagens que exijam uma composição mais detalhada. Como, por exemplo, quando precisa mudar a voz ou aparecer com uma caracterização forte em cena. Algo que se acostumou a fazer em produções como Sexo Frágil, Brava Gente e Retrato Falado, entre outras. Justamente por ir ao ar "disfarçado" constantemente, Bruno percebia que as pessoas tinham dificuldade em associar seu rosto aos personagens que interpretava. "Lembro de umas situações curiosas. Fiz uns cinco episódios de Retrato Falado e eu mudava muito com a caracterização. Aí, um editor, montando os episódios, falou para o Luiz Villaça: 'Tem um pessoal novo aparecendo que é muito bom' e era eu em todos", conta, aos risos.
A situação mudou quando Bruno atuou em Coração de Estudante, em 2002. De lá para cá, a presença dele em novelas passou a ser mais constante, assim como ser reconhecido nas ruas. Mas o assédio, ele garante, não é tão grande como seria caso estivesse no ar em uma novela das oito. "Até hoje tem essa coisa de falarem: 'Você é um ator, né?'. A pessoa não lembra do meu nome e, no fundo, gosto disso. Significa que ainda estou em um lugar parecido com os meus personagens", avalia.
Terreno desconhecido
Novelas das sete e das seis são recorrentes no currículo de Bruno Garcia. Por isso, ele tem vontade de estrear na faixa das 21 horas. Apesar de gostar de fazer comédia, o ator nutre o desejo de explorar tipos mais dramáticos, que são comuns em folhetins do horário nobre. "Quero fazer um personagem denso, forte. Até para abrir um pouco mais esse campo na cabeça dos próprios espectadores, que me associam muito à comédia. O que não é o menor problema porque a comédia é muito rica", explica.
Qual e a novela? Teste seus conhecimentos através dos emojis