Lésbica? Bi? Hétero flex? Indecisa? Qual é a de Maura?
Personagens homofóbicos falam em cura gay ao ver a esposa de Selma aos beijos com Ionan em ‘Segundo Sol’
O autor João Emanuel Carneiro gosta de criar tipos que parecem sexualmente ambíguos aos olhos dos noveleiros.
Foi assim com o aparentemente gay (só que não) Abelardo (Caio Blat) de Da Cor do Pecado, o supostamente bissexual Roni (Daniel Rocha) de Avenida Brasil, o hipotético ‘ex-gay’ Orlandinho (Iran Malfitano) de A Favorita e é o que se vê em Maura, a policial interpretada por Nanda Costa, atriz que se assumiu lésbica recentemente, em Segundo Sol.
No folhetim, a moça nunca teve um namorado até conhecer Selma (Carol Fazu), a vizinha casada por quem se apaixona. Após sua namorada secreta ficar viúva, Maura vê a chance de viver o romance em paz, porém enfrenta a truculência do pai preconceituoso, Agenor (Roberto Bomfim), que a expulsa de casa.
A policial e Selma vão morar juntas e a história de amor do casal parece finalmente seguir seu rumo até que Maura se encanta pelo colega de delegacia Ionan (Armando Babaioff), casado e pai de dois filhos. A amizade vira paixão mútua. O policial até se torna doador de sêmen para a inseminação artificial da amiga.
O autor deixa a dúvida no ar: Maura é bissexual? Lésbica flexível? Hétero distraída? Uma mulher sem rótulo sexual?
No capítulo exibido na segunda-feira (17), o delegado Viana (Carlos Betão) fala em “cura gay” ao fofocar para Agenor que Selma e Ionan foram vistos aos beijos no distrito policial.
A seguir, em almoço familiar, o perverso e cínico pai de Maura – que faz piadas do tipo “mulher com mulher dá jacaré” – agradece ao rapaz da família Falcão por “salvar uma mulher perdida, estragada, torta”, referindo-se à própria filha.
As ‘traídas’ Selma e Doralice (Roberta Rodrigues), esposa de Ionan, ficam chocadas ao descobrir a relação íntima. “Deve ser por causa dos hormônios, do bebê”, diz Maura, tentando explicar o inexplicável. “Foi só um beijo, não passou de um beijo”, minimiza o policial, emocionalmente dividido entre a esposa ciumenta e a doce colega de profissão.
O roteiro dos próximos capítulos de Segundo Sol prevê uma conversa na qual Maura confessa sua indecisão amorosa à irmã Rosa (Letícia Colin). Na sexta-feira (21), os dois policiais vão se beijar mais uma vez e, adiante, Ionan pedirá a futura mãe de seu terceiro filho em namoro.
Surpreendida, Maura vai se declarar confusa. Muitos telespectadores também o devem estar. Na vida real, a sexualidade de uma pessoa diz respeito unicamente a ela, e ponto final.
Contudo, numa obra televisiva com influência colossal como é uma novela das 21h da Globo, toda discussão a respeito de condição sexual passa a envolver milhões de pessoas que repercutem aquilo que é proposto na trama.
A ambiguidade, ou ambivalência, de Maura deve causar estranhamento em boa parte do público: “Afinal, do que ela gosta?”
João Emanuel Carneiro recorre em apresentar personagens com fluidez sexual, ou seja, que podem gostar de um gênero hoje e, depois, passar a sentir atração por outro, ou que sejam bissexuais, ainda que não abertamente. Ou ainda que parecem uma coisa, mas são outra...
Essa imprecisão é interessante enquanto recurso dramatúrgico, porém costuma mais confundir do que esclarecer.
Ainda que os discursos e as atitudes de Agenor e do delegado Viana evidenciem a tóxica heteronormatidade, e sejam uma denúncia da intolerância, o comportamento de Maura abre brecha para que se pense em ‘sexualidade confusa’ e naquela explicação clichê de que homossexualidade “é apenas uma fase”. O desfecho amoroso da policial, seja qual for, vai suscitar diferentes conclusões.
Pelo histórico do autor, não será surpresa se Maura, Ionan, Selma e Doralice se unirem para formar uma nova configuração de família. E cada telespectador teria que assimilar tal inovação como quisesse – ou conseguisse.
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