Irregular, novela cumpriu missão de gerar audiência e tititi
Atuações brilhantes de atores veteranos foram o melhor de ‘O Outro Lado do Paraíso’
Chega ao fim a saga de Clara (Bianca Bin), a moça pobre que deu a volta por cima após ser estuprada pelo marido, internada a força num hospício pela sogra e traída por quem parecia ser seu príncipe encantado.
‘O Outro Lado do Paraíso’ foi uma novela baseada no sentimento de vingança embalado pelo ideal de justiça.
A identificação dos telespectadores com o martírio e, depois, a ascensão da protagonista explica parte do sucesso do folhetim no Ibope.
Quem nunca teve vontade de realizar uma revanche para massacrar os inimigos do passado?
O objetivo de uma novela é esse mesmo: fazer a maior parte do público se sentir representada na trama e, assim, garantir a fidelização da audiência.
Neste aspecto, o autor Walcyr Carrasco mostrou eficiência. ‘O Outro Lado do Paraíso’ termina com mais audiência do que a antecessora, a igualmente bem-sucedida ‘A Força do Querer’.
O estilo mirabolante do novelista gerou vários momentos inverossímeis ou tão rocambolescos como os de um dramalhão mexicano.
Alguns personagens não funcionaram. A ‘aporrinhante’ Estela (Juliana Caldas) às vezes era mais desagradável do que a própria mãe opressora, a vilã Sophia (Marieta Severo).
A falta de carisma da personagem frustrou a expectativa pela discussão do preconceito contra portadores de nanismo.
Poucos telespectadores se comoveram com o drama existencial da jovem anã, que passou boa parte dos capítulos trancada em casa, sem função dramatúrgica.
Outro desperdício aconteceu com Lívia. Esperava-se uma vilã sexy e impiedosa.
Mas a ex-ninfomaníaca vivida por Grazi Massafera passou por uma redenção pouco crível e virou uma figura apagada e chorosa.
Bárbara Paz também teve uma personagem com trajetória acidentada. A ambiciosa Jô se perdeu no meio do caminho.
Em compensação, os noveleiros foram presenteados com momentos sublimes de veteranos dignos de elogios e aplausos.
A delicadeza das atuações de Fernanda Montenegro (Mercedes), Lima Duarte (Josafá) e Laura Cardoso (Caetana) inseriram poesia e extrema humanidade à produção.
Assim como Marieta Severo deu mais um show de competência diante das câmeras.
Nem as incongruências em algumas cenas de sua vilã foram capazes de prejudicar uma interpretação vigorosa e convincente.
Eliana Giardini também se destacou na pele da racista Nádia. A mistura de vilania com comicidade foi acertada.
Gloria Pires teve bons momentos como a alcoólatra Beth, assim como Ana Lúcia Torre (Adinéia) vivendo a mãe conservadora em busca da cura gay para o filho, e Nathália Timberg (Beatriz) em participação especial luxuosa.
‘O Outro Lado do Paraíso’ honrou o poder da teledramaturgia ao suscitar debates sobre questões emergenciais na sociedade brasileira.
Entre as quais, a violência contra a mulher, o assédio sexual contra crianças no ambiente familiar, a homofobia (internalizada e geral), a discriminação racial e a importância da doação de órgãos para salvar vidas.
A novela conseguiu gerar repercussão nas redes sociais e no boca a boca nas ruas – resultado que se tornou tão importante quanto a audiência aferida pelo Ibope.
Não foi uma novela perfeita, mas acima da média na comparação com tramas exibidas no principal horário de ficção da Globo nos últimos anos.
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