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Clara representa nosso desejo de expurgar humilhação e medo

Virada da personagem a torna mais humana e com motivações tão compreensíveis quanto venenosas

13 dez 2017 - 14h15
(atualizado às 14h15)
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“Você pode se vingar do mal sem se tornar parte dele?”, questionou Coringa, um dos piores inimigos do Batman. A filosofice do vilão pode ser aplicada à protagonista de ‘O Outro Lado do Paraíso’.

De volta a Palmas, após dez anos trancafiada num hospício, a nova milionária Clara (Bianca Bin) revelou sua intenção: “vingança sem armas”.

Esse suposto ‘jogo limpo’ a torna menos vil do que seus algozes? Onde está a demarcação que separa a busca por justiça da pura e simples represália?

Clara em seu retorno triunfal: a justiça fica para os nobres, a gente quer mesmo é vingança.
Clara em seu retorno triunfal: a justiça fica para os nobres, a gente quer mesmo é vingança.
Foto: Raquel Cunha/TV Globo / Sala de TV

Enquanto era uma mocinha boboca, excessivamente ingênua a ponto de não parecer humana, Clara não teve a torcida do público e o folhetim da Globo registrou solavancos no Ibope.

Uma personagem completamente sem malícia e desprovida de qualquer ambição não tem chance de despertar empatia em um Brasil que valoriza o dinheiro fácil, os pequenos poderes e o status inerente à fama.

A mudança de fase na novela, adiantada após o resultado de pesquisa com o público, deixou Clara com personalidade e comportamento mais verossímeis – e primitivos.

Agora rica e esperta, ela representa um desejo caro ao brasileiro: o expurgo de frustrações. Vingar-se da pobreza, de quem nos humilhou, daqueles que não acreditaram em nossa capacidade. E vai além: a expurgação do medo.

Clara é o brasileiro que encorajou-se, deu a volta por cima e agora quer acertar as contas com o passado.

Afinal, não é possível seguir em frente e aproveitar a nova vida com tantas correntes emocionais amarradas aos pés. As máculas na alma não se apagam sozinhas.

Faz-se necessário destruir quem nos magoou, vexar as pessoas que nos rejeitaram, usar nosso sucesso para calar os antigos zombadores de nosso talento. O sabor da vingança é uma mistura de champagne e veneno.

O telespectador consegue se identificar com essa Clara transformada. A heroína tola se tornou uma Nêmesis, sentindo-se no direito de aplicar a punição divina aos mortais que a afligiram.

A audiência subiu, com picos acima de 40 anos. É disso o que o povo gosta: justiçamento. A ficção oferecida pela TV serve para amainar nossa revolta interior pela impossibilidade de revanche contra os desafetos do passado e do presente.

Num pensamento tão nobre quanto pouco pragmático, o filósofo inglês Francis Bacon escreveu: “a vingança nos torna igual ao inimigo; o perdão nos torna superiores a ele”.

Como a vingadora Clara, a maioria de nós deixa o perdão para as almas puras e prefere se deliciar com a derrota dolorosa de nossos inimigos. Touché!

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