Clara representa nosso desejo de expurgar humilhação e medo
Virada da personagem a torna mais humana e com motivações tão compreensíveis quanto venenosas
“Você pode se vingar do mal sem se tornar parte dele?”, questionou Coringa, um dos piores inimigos do Batman. A filosofice do vilão pode ser aplicada à protagonista de ‘O Outro Lado do Paraíso’.
De volta a Palmas, após dez anos trancafiada num hospício, a nova milionária Clara (Bianca Bin) revelou sua intenção: “vingança sem armas”.
Esse suposto ‘jogo limpo’ a torna menos vil do que seus algozes? Onde está a demarcação que separa a busca por justiça da pura e simples represália?
Enquanto era uma mocinha boboca, excessivamente ingênua a ponto de não parecer humana, Clara não teve a torcida do público e o folhetim da Globo registrou solavancos no Ibope.
Uma personagem completamente sem malícia e desprovida de qualquer ambição não tem chance de despertar empatia em um Brasil que valoriza o dinheiro fácil, os pequenos poderes e o status inerente à fama.
A mudança de fase na novela, adiantada após o resultado de pesquisa com o público, deixou Clara com personalidade e comportamento mais verossímeis – e primitivos.
Agora rica e esperta, ela representa um desejo caro ao brasileiro: o expurgo de frustrações. Vingar-se da pobreza, de quem nos humilhou, daqueles que não acreditaram em nossa capacidade. E vai além: a expurgação do medo.
Clara é o brasileiro que encorajou-se, deu a volta por cima e agora quer acertar as contas com o passado.
Afinal, não é possível seguir em frente e aproveitar a nova vida com tantas correntes emocionais amarradas aos pés. As máculas na alma não se apagam sozinhas.
Faz-se necessário destruir quem nos magoou, vexar as pessoas que nos rejeitaram, usar nosso sucesso para calar os antigos zombadores de nosso talento. O sabor da vingança é uma mistura de champagne e veneno.
O telespectador consegue se identificar com essa Clara transformada. A heroína tola se tornou uma Nêmesis, sentindo-se no direito de aplicar a punição divina aos mortais que a afligiram.
A audiência subiu, com picos acima de 40 anos. É disso o que o povo gosta: justiçamento. A ficção oferecida pela TV serve para amainar nossa revolta interior pela impossibilidade de revanche contra os desafetos do passado e do presente.
Num pensamento tão nobre quanto pouco pragmático, o filósofo inglês Francis Bacon escreveu: “a vingança nos torna igual ao inimigo; o perdão nos torna superiores a ele”.
Como a vingadora Clara, a maioria de nós deixa o perdão para as almas puras e prefere se deliciar com a derrota dolorosa de nossos inimigos. Touché!