Paulo Pasta abre a nova Galeria Millan com telas abstratas de pequeno formato
Sua exposição Pintura de Bolso traz novas formas derivadas das peças de dimensões arquitetônicas que marcaram sua obra
São 50 anos de pintura desde que Paulo Pasta, aos 13 anos, decidiu que não seguiria outro caminho além da arte. Comemorando meio século de atividade como pintor, ele abre nesta quinta-feira, 16, às 18h, o novo espaço da Galeria Millan com a exposição Pintura de Bolso. São 90 telas medindo 10 x 15 centímetros, as mesmas dimensões que tinham os pequenos livros de salmos da Idade Média. No entanto, antes de buscar correspondência com as miniaturas medievais, Pasta, conhecido por telas de dimensões arquitetônicas, não fez da experiência de pintar telas pequenas um exercício miniaturista.
Para começar, as cores de cada uma dessas telas são contraexemplos do neoplatonismo de Marsilo Ficino, filósofo florentino da época dos Medici, célebre por reconciliar a teologia cristã com o pensamento platônico. Nas pinturas de Paulo Pasta, a luz não tem a dimensão sobrenatural do 'fiat lux' bíblico - até mesmo porque o pintor é assumidamente agnóstico.
Pasta está mais próximo da teoria difundida por Paul Klee, que, professor da Bauhaus, assegurava: a luz vem da total escuridão. Os tempos do neoplatonismo ficaram para trás, segundo Klee e Pasta: suas cores são "sofridas" - no caso de Klee, lunares; no caso de Pasta, enganosamente solares.
"A cor é um estado para mim", diz o pintor, evocando o dramaturgo Samuel Beckett para explicar que esse cromatismo (ainda que luminoso) vem da aceitação do erro como elemento constitutivo da pintura. Beckett dizia: "Tente de novo, falhe novamente, falhe melhor". Pasta, professor de pintores como Lucas Arruda, seu ex-assistente, usou o conselho de Beckett e seguiu seu espírito pedagógico para organizar a nova exposição de suas "pinturas de bolso".
Em tempos de espetacularização da arte, de projeções gigantescas em mostras imersivas, Pasta caminha na contramão. O pequeno formato dessas telas traduz a progressiva interiorização de sua pintura, das paisagens metafísicas dos anos 1980 à nova organização espacial das telas mais recentes.
Algumas novas formas nasceram de descobertas em pinturas mais antigas suas. Entre as 14 séries presentes na exposição, uma delas, em especial, deve significar para Pasta o que uma tela como Diante das Portas de Kairouan (1914) representou para Paul Klee, uma ruptura ditada pela ordem geométrica (que levou o pintor suíço à abstração). No caso de Pasta, os quadrados presentes nessa série foram sugeridos por uma das formas mais conhecidas do pintor: a cruz (sem ligação direta com o símbolo cristão).
Ao destacar a parte superior dessa cruz, surgiu automaticamente a figura do quadrado - símbolo gráfico associado à multiplicação, em que luz e escuridão, matéria e espírito, se encontram.
Essa série, que usa o quadrado em diferentes construções, pode ser associada a um movimento histórico da arte moderna brasileira, o construtivismo, do qual Paulo Pasta descende (como os concretos e neoconcretos). Mas, entre projeto e realização, lembra o pintor, citando Duchamp, "existe a arte, o imponderável".
Sua "pintura de bolso' evitou a influência semântica da noção de "pequena dimensão" das miniaturas medievais - e, nunca é demais lembrar, a arte dos povos bárbaros, convertidos ao cristianismo, já era portátil, feita de objetos pequenos, porque dimensão também era 'pathos', sofrimento - exato como as cores.
Sobre a nova série de quadrados de Pasta vale ainda observar que a presença dessa figura geométrica remete a uma concepção intransitiva, imanente, que marcou tanto os antigos como os modernos - basta dizer que as composições com quadrados do holandês Mondrian reverberaram nos metaesquemas do Oiticica do período neoconcreto.
As pinturas de Pasta guardam a memória topográfica de uma metrópole que perdeu seu centro, tornando-se policêntrica. Aí reside a contemporaneidade dessas pequenas telas. É também "a busca tentadora de que o ilimitado caiba no mínimo", como escreve o professor Davi Arrigucci Jr., no texto do belo catálogo da mostra, que reproduz nas mesmas medidas as pinturas da mostra.
Essas telas estão ainda estreitamente ligadas à natureza sintética da poesia (Pasta é um grande leitor, orador e escritor). "Gosto da síntese, mais que do poema em prosa", resume, esclarecendo que não se identifica com a pintura retórica atual, preferindo a concisão, o silêncio, de Stanley Whitney, pintor abstrato afrodescendente americano que usa cores vibrantes para desbloquear a estrutura linear da grade. Whitney tem íntima conexão com a pintura de Mondrian.
"Não quero fazer citação nem transcriação de nenhum pintor, mas, claro, a Itália imemorial está presente na minha pintura, assim como na de Volpi. "Sou filho do moderno, fui formado nessa escola, mas quero olhar para a frente. O recuo é segurança, mas não é só isso. Meu trabalho quer a desmesura, a cor opaca, turva, que demora para se evidenciar", conclui, citando como referência o cromatismo atmosférico de Bonnard e o uso da cor como linguagem - como na obra da americana de origem libanesa Etel Adnan, tardiamente reconhecida.
Um detalhe a ser notado entre muitos outros: as molduras, desenhadas pelo assistente de Paulo, o também pintor Renato Rios, funcionam como a cornija de que falava Poussin: são como uma cerca, fazendo com que o olho se concentre na pintura e não no conjunto, pois cada peça da exposição tem existência autônoma.