Neurocirurgião deu final a conto de Dostoievski: 'Há o mito de que ele era sombrio. É mentira'
O médico e escritor brasileiro Edson Amâncio escreveu um final para o conto inacabado 'O Crocodilo', disponível em uma nova edição do livro do autor russo
Hospedado com a esposa no Hotel Maskva, escolhido ao acaso em São Petersburgo, em uma de suas primeiras viagens à Rússia, Edson Amâncio abriu a janela do quarto e viu que estava em frente ao cemitério Tikhvinskoe, no Mosteiro Alexander Nevsky. Emocionado, enxergou o túmulo de Dostoievski de longe, que já conhecia por fotografia.
Não conseguiu dormir naquela noite, e às 5 da manhã acordou Mara para acompanhá-lo até lá. Conseguiram entrar no cemitério e pular o muro com a ajuda de um caixote. "Junto ao túmulo, pedi para ficar sozinho, senti que precisava desse tempo. O mais difícil foi sair às 7h30; quando apontamos, a senhora da portaria levou o maior susto", ele relembra.
Talvez esse episódio, ao lado de tantas outras coincidências, sirva como tentativa para explicar o que levou o neurocirurgião brasileiro e escritor Edson Amâncio à ousadia de terminar o conto inacabado O Crocodilo, do grande Fiódor Mikháilovitch Dostoievski, e publicar a versão. Brincadeira ou surto paranoico, como o próprio autor relata no posfácio, sua narrativa inventada em 1996 foi traduzida para o francês e apresentada pela primeira vez no mesmo ano no Museu Dostoievski, em São Petersburgo.
Ainda pretende escrever sobre Dostoievski?
Acho que sim, ainda tenho coisa para falar, não acabou não.
Tenho muita coisa na cabeça, não vou me libertar. Vou fazendo anotações em cantinhos, sou desorganizado. A medicina ocupa muito tempo, gostaria de escrever mais.
Você ficou satisfeito com o desfecho do conto?
Não posso dar spoiler, acho melhor citar o trecho do Roberto Zular, na orelha: "Os desdobramentos disso, em um final surpreendente, exigiu alguém que, além de tudo, não fosse apenas médico, mas tivesse a capacidade de levar o leitor para esses mundos possíveis como só a ficção é capaz. Mas a descoberta desses mundos - como quem entra na barriga de um crocodilo - só pode ser feita pelo leitor que, certamente, se deliciará com essa aventura."
'O Crocodilo'
- Tradução: Aurora Bernardini
- Desfecho possível: Edson Amâncio
- Abarca Editorial/2025
- 80 páginas
- ISBN:978-65-83294-07-7
Serviço
Lançamento em São Paulo
- Dia 20/9/2025
- 17h às 21h
- Bate-papo com Aurora Bernardini e Edson Amâncio às 18h30
- Local: Espaço Parlapatões
- Praça Roosevelt, 158 - Consolação - São
- Paulo SP
Lançamento em Santos
- Dia 5/10/2025
- 10h30 às 14h.
- Local: Café Carioca
- Praça Visconde de Mauá, 1 - Centro - Santos (SP)
Leia trechos dos dois contos
- De Dostoiévski: "Eu pressentia que iria encontrar a loja cheia e, por via das dúvidas, escondi bem o rosto na gola do casaco porque me senti um pouco envergonhado: até esse ponto, nós não temos o hábito da publicidade! Sinto, Entretando, que não tenho o direito de manifestar minhas impressões privadas, prosaicas em vista de fato tão extraordinário e original."
- Trecho do desfecho possível de Edson Amâncio: "Não me foi possível chegar próximo à tina onde estava confinado o crocodilo contendo no seu interior o meu culto amigo. A fila de curiosos fazia volta em torno de si mesma, parecendo um grande caracol. Crianças arrulhavam como pombos correndo de um canto a outro sob os protestos dos outros pagantes."