Neto de Gilberto Freyre relembra a infância no quintal do autor de 'Casa Grande & Senzala'
Gilberto Freyre Neto, que dedicou anos à fundação do avô e foi Secretário de Cultura do Estado de Pernambuco, fala sobre suas memórias do sociólogo
Para o garoto de 8 anos, conviver com o avô de 80 anos, magrinho e com dificuldade de mobilidade, era um presente. Gilberto Freyre (1900-1987), um dos mais importantes sociólogos e escritores do Brasil, nos momentos passados na casa grande do século 19, com suas muitas escadarias, deixava tudo de lado, pegava os netos pela mão e saía com eles pela enorme área verde que cercava a propriedade.
Gilberto Freyre Neto, que só mais tarde compreenderia a importância da obra do avô para o País, lembra que seu pai os seguia de perto, receando que o avô fizesse alguma traquinagem, como subir e descer escadas correndo com os netos, ignorando suas limitações físicas.
O legado familiar permanece vivo na Casa-Museu Magdalena e Gilberto Freyre, instalada no local que o autor escolheu para viver por mais de 40 anos: o bucólico e tradicional bairro de Apipucos, no Recife. Para Gilberto Neto, os pilares da cultura, da preservação do patrimônio, da consciência social, ambiental e histórica orientam sua atuação como consultor em Gestão Cultural e Tecnologia da Informação.
Como ele era como avô?
Foi muito presente na minha infância. Era maravilhoso visitá-lo naquela casa enorme, caminhar com ele pelo sítio, apreciar a natureza. Ele era muito paciente. Dedicava uma ou duas horas aos netos nos fins de semana, nos ensinando sobre as frutas do local — manga, cajá, pitanga, pitomba. Esse ambiente moldou minha formação. O que aprendi sobre a cultura pernambucana por meio do olhar dele ficou para sempre.
Depois que ele faleceu, com mais maturidade, mergulhei nas leituras obrigatórias de sua obra. Há um eixo central com títulos como Casa-Grande & Senzala, Sobrados e Mucambos, Ordem e Progresso, Açúcar; e outros como Assombrações do Recife Velho, que apresenta o Recife como uma das cidades mais assombradas do Brasil — repleto de curiosidades.
Até quando conviveu com seu avô?
Ele faleceu em julho de 1987; eu completaria 14 anos em agosto daquele ano. Durante minha infância, convivi com ele sem entender exatamente por que tantas figuras importantes — ministros, presidentes, embaixadores — o visitavam. Só depois compreendi o impacto da obra dele.
Meu pai também teve papel importante: era advogado e esteve por muito tempo à frente da Fundação Joaquim Nabuco, também fundada por Gilberto Freyre, em 1949. Minha aproximação com o legado foi natural, por imitação e inspiração.
Como foi a experiência na Fundação Gilberto Freyre?
Foram 25 anos de dedicação, onde pude atuar diretamente na gestão de cultura e patrimônio. Desenvolvi minha carreira no campo museal, com atividades centradas em pesquisa, educação e preservação de acervos. Um dos grandes marcos foi a implementação do Museu Cais do Sertão, um espaço de sete mil metros quadrados, com curadoria de Isa Ferraz e projeto arquitetônico de Marcelo Ferraz. Isa, que foi colaboradora de Darcy Ribeiro e curadora do Museu da Língua Portuguesa, trouxe um olhar refinado para o conteúdo; Marcelo, arquiteto da escola de Lina Bo Bardi, deu forma a esse imaginário.