Na lista da Forbes e nova estrela do violão clássico: Conheça a jovem Gabriele Leite
Filha de costureira e mecânico, ela começou no Projeto Guri, faz doutorado nos EUA, prepara segundo disco e conta com uma rede social de apoio para continuar dando seus passos no violão clássico
Quando pisar no palco do Teatro Municipal de São Paulo pela primeira vez na manhã deste domingo, 24, para tocar o Concerto Para Violão e Pequena Orquestra, de Villa-Lobos, ao lado da Orquestra Experimental de Repertório e do maestro Leonardo Labrada, Gabriele Leite vai saborear o que considera um dos prazeres mais raros e importantes de sua vida: sua irmã e os pais estarão na plateia. Eles também assistirão a um concerto neste teatro pela primeira vez.
Será o clímax de sua carreira, assegura. A menina nascida 28 anos atrás na "pequenina Cerquilho", cidade de 40 mil habitantes no interior de São Paulo, filha de um mecânico industrial e uma costureira, é hoje uma das estrelas jovens ascendentes da cena internacional de violão. "É o maior presente que posso dar aos meus pais", diz a artista nesta entrevista concedida ao Estadão na manhã desta quinta, 21, às vésperas de seu concerto, na plateia do Teatro Municipal.
Como o violão, instrumento inclusivo por excelência, em que a música despreza adjetivos como clássica, popular, etc., Gabriele brilha muito além do circuito mais restrito da música clássica. No último dia 6, por exemplo, fez uma apresentação solo no Blue Note do Rio de Janeiro, disponível no YouTube. Bem pertinho, sentou-se o cineasta Walter Salles. Ficamos sabendo disso por meio de posts nas redes sociais.
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Prestes a concluir seu doutorado na Universidade Stony Brook, em Nova York, e ela será a primeira pessoa de sua família a ter um doutorado (e ela diz isso agradecendo sua família por valorizar a educação), Gabriele construiu um itinerário improvável porém maravilhoso. Começou aos 6 anos estudando em projetos sociais gratuitos como o Guri - indispensável, fundamental para a iniciação artística e musical da população que não tem acesso a escolas particulares.
No Guri, cita uma professora-chave, Josiane Gonçalves, que lhe abriu um novo mundo, o da música e lhe sugeriu estudar no Conservatório de Tatuí, onde se aprofundou no instrumento por cinco anos. Em seguida, a graduação na Unesp e, pelas mãos de um dos maiores violonistas e pedagogos brasileiros atuais, João Luiz (que acaba de assumir como professor de violão em Yale) foi para Nova York, "sempre com bolsa" na Universidade Stony Brook, onde agora conclui o doutorado.
Na Forbes Under 30
Paralelamente, em 2020, aos 23 anos, furou outra "bolha", tornando- se a primeira violonista clássica a integrar a prestigiada lista Forbes Under 30, das personalidades escolhidas pela revista norte-americana. O mote da revista para a categoria "música clássica" é escolher os jovens talentos que nos mostram "como soa o futuro, e quais fazem isso acontecer".
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No primeiro semestre de 2025, aos 28 anos, Gabriele Leite fez novo golaço: está entre os "25 nomes que representam o futuro da música", selecionados em abril passado pela edição brasileira da revista Rolling Stone. Aqui, está ao lado de rappers, cantores pop, instrumentistas heavy metal e de outro músico extraordinário, que vem construindo uma carreira internacional também muito sólida, o pianista pernambucano Amaro Freitas.
Curiosamente, seus gurus musicais são quatro duos de violões brasileiros famosos: Duo Abreu, Duo Assad, Duo Siqueira Lima e o Brazil Guitar Duo (este último formado por João Luiz, seu professor, e Douglas Lora). Ao mesmo tempo, Gabriele mantém-se focada no repertório mais ortodoxo, como atesta seu primeiro álbum, Territórios, lançado em 2023, pela gravadora Rocinante.
Nele toca a excelente e encorpada Sonata em três movimentos de Sérgio Assad, Ritmata de Edino Krieger, Melodia Sentimental de Villa-Lobos e um gesto ousado e muito bem-sucedido: as Cinco Bagatelas, do compositor britânico William Walton, célebre na interpretação de um dos grandes do violão, o inglês Julian Bream, que nos deixou aos 87 anos, em 2020, durante a pandemia.
Novo disco, com obras compostas por mulheres
Gabriele entra em estúdio nesta segunda-feira, dia 25, no Rio de Janeiro, para gravar seu próximo álbum. Repertório? "Não posso dar spoiler, mas vai ser um disco de mulheres compositoras. Quero celebrar o repertório pouco escutado e pouco estudado, como Chiquinha Gonzaga, os prelúdios de Lina Pires de Campos e peças de outras compositoras, por seu pioneirismo e pela qualidade artística.
3 perguntas para Gabriele Leite
Você ficou surpresa por entrar na disputada lista da 'Forbes'?
Esta história é muito boa. Em 2019, concluí minha graduação na Unesp. Eu era bolsista da Sociedade de Cultura Artística e tinha acabado de voltar de um festival na Alemanha onde fui premiada. Eu sempre compartilho com os meus amigos tipo "Olha, gente, tô viajando, tô comendo chucrutes". Contei que mesmo tendo quebrado minha unha na primeira fase consegui ganhar um prêmio. Uma jornalista me entrevistou dizendo que eu tinha uma carreira interessante, vinda do interior do Brasil e de repente estava ganhando prêmios na Alemanha. Explicou que a lista da Forbes é de músicos que são influencers em suas áreas. Rolou um pioneirismo, porque fui a primeira violonista clássica a estar nesta lista. Na verdade, eu nem sabia que a Forbes é uma baita de uma revista, mas minha irmã mais velha, que é engenheira e a conhece, vibrou muito.
Qual seu último post em sua página no Instagram?
Hoje, 21, coloquei a agenda do concerto de domingo aqui no Municipal. Aliás, as redes sociais me ajudaram muito: consegui ir para Nova York em 2020 pela primeira vez com bolsa de estudos porque fiz campanha de doações. Em 2022, fiz outra campanha para complementar a bolsa, que era parcial. Consegui. Mas ainda faltava dinheiro, então pus meu violão à venda. Um de meus ex-alunos viu no insta e me mandou o suficiente para manter o violão e pagar o semestre. Eu vivia um impasse, porque se você não paga o semestre não consegue se inscrever, e aí você não pode permanecer nos EUA...
Quando você sentiu que sua vida seria a música e o violão?
Tive uma professora que me deu o estalo, Josiane Gonçalves. Hoje ela é professora no Conservatório de Tatuí, mas foi no Projeto Guri que ela me viu tocando violão aos 12 anos e me disse: "Existe uma carreira à sua frente. Vale a pena você ir para o Conservatório". No ano seguinte, 2010, já estava no Conservatório. Foi amor à primeira vista pelo violão clássico, estudei teoria, coral, esse tipo de coisa, e pensei é isso que quero fazer na vida".
Concerto no Municipal de São Paulo
O concerto da Orquestra Experimental de Repertório, regido por Leonardo Labrada, tem a violonista brasileira Gabriele Leite, de 24 anos, artista que figurou na lista Under 30 da Forbes, como solista convidada. No programa, obras de Heitor Villa-Lobos, Dmitri Shostakovitch e William Walton. Quando: 24/8, 11h. Onde: Pça. Ramos de Azevedo, s/nº Sé. Quanto: R$ 11/R$ 35.