Tony Iommi, o fio condutor na realização do sonho de ver o Black Sabbath
Com seus rifes originais e sujos, guitarrista é o responsável pelo mergulho no túnel do tempo proporcionado pela turnê da banda inglesa pelo Brasil
Até por ter sido a primeira vez que eu vi um roqueiro de verdade no palco, sempre ostentei em meu currículo de shows um de Ozzy Osbourne, ao vivo no Pacaembu, em 1995, com Geezer Butler. Já era meio Black Sabbath. Nada mal para quem tinha recém-completados 14 anos. Mas faltava ele. Na época, Zacky Wilde dava conta e muito do recado antes de montar o seu Black Label Society. Mas faltava ele.
Que me desculpe Bill Ward, o baterista original que não quis integrar a gravação do inédito álbum 13, e que foi substituído por Tommy Clufetos na The Reunion Tour, que passou na noite de domingo pelo Rio de Janeiro, mas hoje eu me sinto realizado, enfim, por ter cumprido a meta iniciada há quase duas décadas: Black Sabbath checked! Tudo porque no palco da Apoteose, assim como ocorreu em Porto Alegre e São Paulo, e vai se passar em Belo Horizonte na próxima terça-feira, com seus rifes sujos e inigualáveis, estava um senhor de 65 anos chamado Tony Iommi.
Se o Black Sabbath tem devotos que se emocionam, já quarentões, cinquentões ou até mesmo sessentões (impossível não notar o sentimento de que se o homem lá de cima assim quisesse, poderia levá-los deste mundo naquele momento, felizes da vida), é muito em função da criação de um gênero, que foi posteriormente fonte de inspiração para o que viria na década de 70 e demais. E neste processo, Iommi foi o pistão com seus rifes que, até hoje, não precisam de aparelhagem tecnológica para terem o impacto que faz o fã de heavy metal clássico encarar tudo isso como religião.
Um exemplo: observei dois caras, com seus lá aparentes trinta anos, cantando as três, eu disse, as três únicas músicas que o Sabbath executou de 13: Age of Reason, End of The Beginning e God is Dead. O álbum foi lançado esse ano, é líder nas paradas de cerca de cinquenta países, reuniu os caras de novo, hoje todo mundo baixa música na internet, tudo bem.
Mas o fato prova que a mensagem nebulosa, contra a Igreja Católica (sobrou até para Bento XVI no telão), guerras e com tons (artificiais talvez, mas) macabros etc continua na ativa. As tais músicas novas, aliás, serviram de tempero para os clássicos tão aguardados, a hora em que a maioria se emociona e fica gravando tudo com o celular - já repararam que a plateia hoje é um pouco mais fria justamente por todo mundo ficar filmando? Trocaram, definitivamente, os isqueiros pelos celulares. Mas enfim.
São com os hinos do Black Sabbath que se percebe que, por mais que Ozzy Osbourne seja a voz comandante, ainda em forma, diga-se, por mais que os pulos e baldes de água na galera tenham sido trocados por curtos sprints no palco para retornar ao microfone, é da guitarra do coroa com óculos escuros e barba rala que saem os acordes que automaticamente te jogam no túnel do tempo.
Entre 1970 e 1972, o grupo britânico gravou quatro álbuns: Black Sabbath, Paranoid, Master of Reality e Black Sabbath Vol 4. São eles a base da apresentação que teve duas horas de duração e 16 músicas, no mesmo roteiro do que já vem sendo apresentado não só no Brasil, mas também na América do Sul. Se é que se pode cometer tamanha heresia, o pecado foi a ausência de Sabbath Bloddy Sabbath), de 1973, tido por críticos como o auge da banda inglesa - Tony ainda judia ao tocar os primeiros acordes da faixa-título antes de encerrar com Paranoid. Tudo isso depois de ter iniciado com a meteórica War Pigs.
Ozzy Osbourne, na sexta música do repertório, avisa ao público que "agora nós vamos voltar às raízes e tocar uma música do nosso primeiro disco que se chama...'Black Sabbath'". É a síntese de uma apresentação soberba que faz escorrer lágrimas dos tiozões ainda com Iron Man, a mais aclamada, obviamente, N.I.B, Children of the Grave dentre outras.
Nesta viagem no tempo, retomando, portanto, o fio condutor é um dos mais talentosos guitarristas ainda em atividade. Uma espécie de Eric Clapton do metal. Ele se movimenta pouco, e não se dirige momento algum ao público - Ozzy o abraçou como símbolo da reconciliação dos antigos colegas de trabalho que não atuavam juntos desde 1978, e pediu para a plateia gritar seu nome, só que o máximo que se vê em retorno é um breve aceno. Nada importa. Se já é notável um cara que está tratando um câncer estar ali, firme e forte no palco, apreciar seu virtuosismo é a certeza de que o ingresso valeu a pena. Valeu a pena por Tony Iommi.
Veja abaixo o setlist do show, o mesmo das apresentações em Porto Alegre e São Paulo:
War Pigs
Into the Void
Under the Sun/Every Day Comes and Goes
Snowblind
Age of Reason
Black Sabbath
Behind the Wall of Sleep
N. I. B.
End of the Beginning
Fairies Wear Boots
Rat Salad
Iron Man
God Is Dead?
Dirty Women
Children of the Grave
Paranoid