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Filme 'Soul' mostra que o jazz ainda tem forças para chegar ao mundo inteiro

Em entrevista ao 'Estadão', Jon Batiste, autor da trilha da animação indicada ao Oscar, fala do que aprendeu com o personagem Joe Gardner e da importância do passado do gênero para as novas gerações

23 mar 2021 - 05h10
(atualizado às 07h58)
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A missão deJon Batiste segue vitoriosa. Cantor, pianista, compositor, arranjador e, em muitos sentidos, inspirador do personagem principal da animação Soul, Joe Gardner, Batiste falou com o Estadão horas depois de ver seu filme indicado para três categorias do Oscar 2021: Melhor Trilha Sonora Original, Melhor Filme de Animação e Melhor Som. E isso depois de Soul ser reconhecido como a Melhor Animação da temporada pelo Globo de Ouro.

Soul usa o jazz como fundo de uma história que discute o quão de fato importa aos seres humanos ter uma missão, divina ou terrena, durante suas efêmeras existências. Batiste, 34 anos, que está lançando seu álbum de soul pop We Are, fala sobre o peso das missões nas carreiras dos jazzistas, das resistências no meio do jazz às suas escolhas estéticas mais pop e do valor do passado aos que querem se aproximar do gênero nascido em sua mesma terra natal, o Estado da Louisiana, ao sul dos Estados Unidos.

Em sua opinião, qual o tamanho da música na história de Soul? Seria o mesmo filme se a trilha fosse o rock, o country ou o pop em vez do jazz?

Se usássemos qualquer outra forma de música que não o jazz, esse seria um outro filme. O jazz é um personagem central. Seria como se outro filme trocasse o personagem principal, tirasse um Denzel Washington, por exemplo, para escalar outro ator. Isso mudaria tudo.

Sobre missão e jazz: desde a origem do gênero, no início do século 20, os músicos assumiram a ideia de que têm uma espécie de missão divina no planeta. Isso não torna o caminho do artista mais pesado?

Acho que você precisa ter uma conexão com Deus para fazer jazz, uma ligação com o criador do universo para chegar às inspirações. Acredito que, quando você faz isso, ou pratica algo para se conectar com o poder superior, alcança a maior das inspirações, algo que é sempre maior do que nós. E vejo que é isso que todos os maiores músicos que admiro encontraram. Algo maior do que eles, que faz com que se sintam motivados a criar. É difícil para mim imaginar o ato de compor música sem estar nesse lugar.

E esse lugar, muitas vezes, é o passado. Por serem gratos aos jazzistas do passado, os atuais mantêm a herança como algo sacralizado. Essa referência, quando excessiva, não pode bloquear o processo de criação e a afirmação de uma identidade artística própria?

Bem, eu acho que precisamos saber onde estivemos para saber para onde estamos indo, e muitas vezes as questões que vivemos e as dúvidas que temos quando precisamos decidir o que fazer se dá pela falta de entendimento de onde viemos. É disso do que trata a cultura, e a beleza do jazz é que ele se baseia na linhagem. Para tocar jazz, você precisa conhecer a história, e o passado não vai machucá-lo, não vai mudar sua identidade nem diluir suas características. Ele apenas será adicionado. Se olharmos para o filme Soul, veremos que a trilha sonora teve um banda multigeracional com a qual eu costumo gravar. Roy Haynes está na bateria e ele fez 96 anos! Isso é muito especial para mim.

Jon, você parece ter mais do que uma personalidade artística. Alguns de seus novos temas novos, como Crying e I Need You, por exemplo, são bem pop, mas muito do seu trabalho é puro jazz. Você sente algum preconceito por parte de outros músicos por fazer esse movimento?

Se existe um futuro, se ele realmente existe, precisamos pensar em música fora dos gêneros. Não acredito em gênero. E acho que música é proveniente da cultura dos povos e do espírito das pessoas. Então, sinto que as respostas negativas que recebo de outros músicos podem existir porque muitos deles não entendem para onde o futuro está se dirigindo.

Sobre o filme Soul: você mudaria algo no roteiro? Você escreveria alguma parte do filme de forma diferente?

Eu escrevi partes sem saber (risos). A primeira parte do filme, quando Joe está na sala de aula contando aos alunos sobre seus primeiros dias como um garoto sendo apresentado ao jazz por seu pai é uma delas. Jamie Foxx, que fez a voz de Joe, é meu amigo e a equipe queria que eu desse a ele uma fita apenas como referência de como um músico falaria com uma criança sobre música. Bem, a fita acabou se tornando o verdadeiro script porque acharam bom, disseram que era o que estavam procurando.

Você nasceu na terra onde nasceu o jazz. E o jazz nasceu da reunião de tantas pessoas daquela região. Como ele pode ser tocado quando há isolamento social? A pandemia não mata o jazz?

Acho que essa filosofia cultural, esse movimento social e esse espírito que se chama jazz podem ser representados virtualmente, embora não seja a mesma coisa e embora não seja necessariamente nem pior nem melhor. Acredito que seja possível porque tudo é possível no jazz. É parte da filosofia. Se você consegue imaginar, você consegue fazer, contanto que esteja fazendo isso com alguém.

Qual a coisa mais importante que você aprendeu com o personagem Joe Gardner?

Aprendi primeiro com esse filme que, se você realmente quer pensar sobre o que é o jazz, saberá que ele é também o blues, o swing e toda a música negra da cultura norte-americana. Ver que esse tipo de música, o verdadeiro jazz, o jazz autêntico, pode alcançar um público por meio do personagem Joe Gardner e tocar pessoas de todas as idades e no mundo todo é incrível. Isso é algo em que acreditei e assistir a isso realmente acontecendo é fantástico. Então, posso dizer que aprendi com Joe Gardner que essa música, o verdadeiro jazz, pode alcançar o mundo inteiro.

Estadão
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