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Análise: Cole Porter era um dos raros no musical a ter sólida formação

Compositor americano que estudou em Harvard e Paris tem uma produção que beira as 800 canções, pelo menos uma centena delas obras-primas

20 jun 2019 - 03h11
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Desde sua primeira canção de sucesso, Let's Do It, de 1928, Cole Porter exibiu o que seria sua marca registrada por décadas, numa produção que beira as 800 canções, pelo menos uma centena delas obras-primas: quebrou as regras pétreas de um gênero eminentemente comercial, ao compor música complexa e letras refinadas. Vamos Amar, na linda versão de Carlos Rennó imortalizada por Elza Soares, é, na expressão do compositor e também escritor norte-americano David Schiff, "um catálogo sem fim de promiscuidade zoológica".

A letra é tão interessante que a gente esquece que, como indica Schiff, "a melodia é altamente cromática e a harmonia mistura o tempo todo os modos maior e menor, remetendo a Schumann e Brahms. Soa como uma simples canção - mas tente encontrar as notas e os acordes no piano", desafia. Aliás, quem misturava maior e menor em suas mais de 600 canções era outro gênio, Franz Schubert.

Outro exemplo matador é Night and Day, de 1934. Porter tinha de compor uma canção para a voz pequenininha de Fred Astaire, uma oitava e meia de extensão, e com notas repetidas para facilitar. Pois capturou o mote num almoço em dia chuvoso. Alguém reclamou: "That drip, drip, drip is driving me crazy", algo como "essas gotas estão me deixando louco". Acho que funciona, disse Porter. Acrescentou o "tick, tick, tick" do relógio e o "beat-beat-beat" do tom-tom. Os duplos sentidos, as metáforas, a sofisticação dos versos - eram tantas as qualidades dos seus versos, que acabaram soterrando a rara invenção musical.

Alec Wilder, autor de um livro clássico de 1975 (American Popular Song, the Great Innovators, 1900-1950), diz que é uma ironia ele ser mais exaltado como letrista, já que é um dos poucos neste universo a ter sólida formação musical. Afinal, Porter estudou em Harvard e na veneranda Schola Cantorum de Paris. Compôs música para os Balés Suecos, uma contrafação dos mais famosos Balés Russos de Serge Diaghilev: Within the Quota estreou em 1923 em Paris, dividindo o programa com A Criação do Mundo, de Darius Milhaud.

Sua derradeira obra-prima foi High Society, de 1956. Nele, se juntaram Bing Crosby e Frank Sinatra, os All-Stars de Louis Armstrong, e Grace Kelly. Entre sacadas geniais, uma sobressai: Now You Has Jazz, equivalente a um curso de três anos sobre o tema. Em quatro minutos e meio, Crosby ensina a tocar jazz... Usando, claro, os all-stars de Armstrong.

Estadão
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