Ana Flor de Carvalho: álbum de estreia cultua raízes e convida à reinvenção
Em 'Pranto Terra', artista valoriza a ancestralidade sem fixá-la no passado
Ana Flor de Carvalho é uma herança viva de um legado cultural familiar que honra nossa existência passageira na Terra.
Após 20 anos refinando poesia e presença de palco em shows pelo Brasil, a cantora, nascida em São Paulo (sua criação se dividiu também entre Maranhão e Goiás), filha da pesquisadora Daraína Pregnolatto e do mestre quilombola maranhense Tião Carvalho, colocou no mundo, no último 20 de fevereiro, em todas as plataformas digitais, o disco Pranto Terra, seu primeiro álbum solo, resumindo as influências sonoras e riqueza poética da artista em nove faixas que misturam com coesão, brega, rock, pagode baiano, bolero, bumba meu boi e o pop.
Pranto Terra contou com a produção de Guilherme Kafé e Ivan Gomes, além de participações especiais de Kiko Dinucci e Toninho Carrasqueira.
Pranto Terra consegue ser um disco divertido e denso ao mesmo tempo. O manifesto sonoro criado pela artista estabelece laços entre tradição musical brasileira e contemporaneidade, numa conversa direta com o que de mais interessante se tem produzido na atual MPB, rótulo pequeno para o que Ana Flor fez neste projeto.
Ana Flor de Carvalho: "A ideia era criar algo que refletisse minha história e as vozes do lugar de onde vim"
"A ideia era criar algo que refletisse minha história e as vozes do lugar de onde vim. 'Pranto Terra' é uma homenagem às raízes, mas também um convite à reinvenção. O álbum resume também minha resiliência, minha luta, um tanto de coisas que eu atravessei para estar forte", afirma Ana Flor de Carvalho.
Como boas-vindas ao ouvinte, Gaia abre o disco reverenciando a Terra ao mesmo tempo que exalta mulheres trans e outras múltiplas identidades: "Sou rio, sou ar, sou gozo fluído, sou Gaia", aponta a letra.
Com arranjos dançantes e malemolentes, Ana Flor de Carvalho fala sério brincando e brinca de falar sério: "Os apontamentos pertinentes não se perdem enquanto a reprodução do álbum chama para a dança, tanto na minha vestimenta, quanto nas minhas falas, quanto nas músicas que eu vou apresentar nesse primeiro momento. Eu quis trazer essa malemolência e também os assuntos sérios, mas com leveza, com metáfora, poesia, com gracejo. Não vejo problema em não relacionar as duas coisas", reflete.
Na irreverente Pipoca Doce, a cantora brinca com a antropofagia cultural e sentimental para falar de desejo: "Se você fosse chocolate, eu não te comeria/ se você fosse pipoca doce, eu não te comeria/ Mas você é um ser humano/ e ser humano eu como, sim/ Ser canibal é a única maneira de ter seu coração pra mim", poetisa a segunda faixa do álbum.
Ana Flor de Carvalho, como uma cronista, costura suas faixas como uma tentativa de diálogo com o ouvinte, explorando as situações cotidianas enquanto dança com palavras e harmonias. Claro, esse diálogo jamais soa excludente, seja pela efervescência dos ritmos, seja pela presença disruptiva da própria intérprete.
As experiências universais se seguem na bonita Meu Xuxu, versando sobre resignação e cura após um desencontro amoroso e em Carroça, pregação de força sob base de rock indie com toques percussivos que aludem ao movimento Mangue Beat.
Com o lançamento de Pranto Terra, a cena musical se enriquece e terá muito o que pensar sobre o abraço a mais uma riqueza sonora dentro do cancioneiro nacional: "A ideia era criar algo que refletisse a minha história e as vozes do lugar de onde vim. Esse álbum é uma homenagem às raízes, mas também um convite à reinvenção", conclui Ana Flor de Carvalho.
Confira: