'Atração Perigosa' surpreende com roteiro redondo e ágil
- Carol Almeida
Atração Perigosa. Com um título desses você jura estar diante de mais uma sessão Supercine, sábado à noite, quando o jeito foi ficar em casa, num sofá de napa, assistindo a uma desbotada sequência de suspenses tipo B com estrelas tipo C. Ponto pacífico então que a escolha do título brasileiro para The Town, um dos melhores filmes dos últimos tempos no gênero "os brutos também choram", é sobretudo infeliz. O filme, que concorre este ano ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante para Jeremy Renner, é dirigido, co-escrito e estrelado por Ben Affleck (fato que, por si só, costuma ser um repelente de produções realmente acima da média), foi uma das mais gratas surpresas de 2010 para quem curte, simplesmente, uma boa história muito bem contada e redonda em sua conclusão.
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Naturalmente, por se tratar de uma produção americana bem alimentada de estrelas e cujos princípios narrativos seguem uma cartilha de amplo raio de entendimento, não entenda por "mais gratas surpresas do ano" algo que vá explodir sua cabeça ao final da sessão. Estamos falando de um filme com claras inclinações para a revisão moral do homem e, portanto, de mensagens éticas para bons, ou medianos entendedores. Fato é que o novo trabalho de Ben Affleck é muito bem sucedido porque tem bons personagens, sabe colocar pontos e vírgulas na hora certa do tempo dramático, usa elipses narrativas inteligentes e, claro, não menospreza o dom que Hollywood tem para filmar cenas de ação. Fica a sensação que a turminha do roteiro (Affleck, Peter Craig e Aaron Stockard) passou alguns fins de semana consumindo aqueles guias você-também-consegue de Syd Field, o mestre dos roteiros com seus "pontos de virada".
O protagonista dessa história se chama Doug MacRay e é um dos homens que ajuda a inflacionar a bandidagem na demografia de Charlestown, uma área quase ilhada da cidade de Boston, onde vários moradores são conhecidos por sobreviverem no mercado informal do roubo de carros e bancos. Affleck é um MacRay decente em seu corte de cabelo militar, músculos bem desenvolvidos por baixo daqueles casacos de times de baseball e racionamento de palavras. Seu personagem é o "mentor" de um grupo de quatro criminosos, todos de origem irlandesa, que começam essa história num quase impecável assalto a banco. Quando sob disfarce de máscaras com gosto sempre duvidoso, eles raspam o prato e a prata da casa.
Entra em cena então Claire, a mocinha da trama interpretada por Rebecca Hall, sempre exímia em dar várias dimensões a personagens teoricamente aguadas (foi assim em Vicky Cristina Barcelona e é assim neste filme). Claire é a gerente do banco que vemos sendo assaltado nos primeiros minutos de filme. Sequestrada pelo grupo, ela é rapidamente liberada e seu trauma após esses eventos violentos torna-se uma preocupação para o bando, mais especificamente para o elemento pavio curto do grupo, o invocado James Coughlin, vivido por Jeremy Renner, indicado ao Oscar de Melhor Ator este ano pelo premiado Guerra ao Terror.
MacRay toma então a responsabilidade de checar até que ponto a moça está contribuindo para a investigação do FBI e, sim, termina se envolvendo com ela mais do que ele gostaria. A partir daí, os valores do filme são jogados como um dado sobre a mesa de apostas. E todos os lados dessa peça são bem explorados: a do criminoso que encontra numa mulher sua chance de mudança (mas não de redenção), a da mulher que, estrangeira na cidade, encontra nesse desconhecido um acolhimento pouco habitual, a do melhor amigo que sente sua lealdade canina ser subestimada, a da pós-adolescente de minissaia e maquiagem borrada (Blake Lively) que guarda rancores amorosos e a do policial sem muitos escrúpulos na sua filosofia de "os fins justificam os meios". Este último interpretado Jon Hamm, o Don Draper da série Mad Men, cotado hoje para ser um novo Superman nos cinemas.
No meio do caminho dessa fauna de pequenos perdedores, o filme conduz os diálogos de forma curta e honesta. E, claro, quase que como para fazer jus ao infame título brasileiro (talvez Affleck pudesse prever que The Town nunca seria traduzido pelo mundo afora simplesmente como A cidade), a produção não erra na hora de encenar a execução dos planejamentos estratégicos em assaltos a bancos e faz uma edição muito eficiente daquelas perseguições de carros cujos motoristas, para nosso deleite estético, nunca tiveram aula de direção defensiva.
Na soma de tudo, The Town, quer dizer, Atração Perigosa é um filme que não é apenas bom por superar nossas baixas expectativas dele, mas é bom porque sabe brincar com a previsibilidade no raciocínio do próprio espectador quando ele está diante de uma sinopse que, sim, tinha tudo para honrar mais uma sessão de Supercine.