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Documentário aborda o álbum 'Os Afro-Sambas', feito com altas doses de genialidade e uísque

Filme que estreia na Max e na HBO mostra como a mistura de jazz, candomblé e capoeira resultou em algo totalmente inédito, criado por Baden Powell e Vinicius de Moraes

24 jun 2025 - 20h11
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No texto que escreveu para a contracapa do álbum Os Afro-Sambas, Vinicius de Moraes (1913-1980) afirma que os sambas, ou melhor, os afro-sambas, que ele e Baden Powell (1937-2000) estavam lançando nesse disco era uma resposta brasileira à mediocridade musical na qual, segundo ele, o mundo se atolava naquele ano de 1966 - quando os Beatles lançaram o álbum Revolver e a Banda, de Chico Buarque, empatou com Disparada, de Geraldo Vandré, no II Festival de Música Popular Brasileira.

O poetinha escreveu mais: que nunca os temas negros do candomblé haviam sido tratados com tamanha beleza antes, como ele e "o duende da floresta brasileira de sons" (o Baden) acabavam de fazer.

Assista ao trailer de Os Afro-Sambas: o Brasil de Baden e Vinicius

A história da feitura desse álbum é o tema do documentário Os Afro-Sambas: o Brasil de Baden e Vinicius, roteirizado e dirigido por Emílio Domingos. O filme, que esteve neste mês de junho na programação da 17ª edição do In-Edit Brasil - Festival Internacional do Documentário Musical, estreia na Max e na HBO no dia 24 de junho. O documentário é uma coprodução da Warner Bros.Discovery com a Rinoceronte Entretenimento.

Domingos parte justamente das inspirações de Baden. O músico, um dos maiores violonistas do mundo, diz, em imagens de arquivo exibidas no filme, que a harmonia do jazz e o ritmo do candomblé e da capoeira, nesse caso, mais precisamente o berimbau, apresentado a ele pelo afamado mestre Canjiquinha, na Bahia, resultou em um "samba bonito".

Pois tudo ficou ainda mais bonito quando encontrou as letras feitas por Vinicius, poeta erudito que soube traduzir em versos aquilo que o parceiro queria expressar. Ele e Baden, acompanhados por três, quatro ou mais garrafas de uísque madrugada adentro, gozavam de uma fase profícua, que, pouco antes, rendera canções como Samba em Prelúdio e Labareda.

Uma revolução. Ou um movimento artístico feito pela cabeça de dois caras, olhando para as raízes do Brasil, em um único disco. É nele que está, por exemplo, Canto de Ossanha, sucesso popular de Elis Regina (1945-1982), que lançou a canção em seu programa de televisão antes mesmo do disco chegar às lojas.

Além de imagens de arquivo que trazem de volta Baden e Vinicius, o documentário foi buscar o depoimento de pessoas que estiveram envolvidas com o álbum ou que foram tocadas profundamente por ele. Maria Bethânia, por exemplo, diz que todos os corações se entregavam ao Poetinha, inclusive o dela. O jornalista Nelson Motta diz que os afro-sambas fogem da bossa nova ao trazer melodias mais agressivas.

Marcel Powell, violonista assim como o pai, lembra que Baden, além do jazz, do candomblé e da capoeira, também bebeu da fonte do canto gregoriano. Sylvia, a primeira mulher do músico, diz que só havia música na cabeça do compositor. A atriz Gesse Gessy, uma das viúvas de Vinicius, lembra do encantamento dele com Mãe Menininha do Gantois, em seu terreiro, em Salvador. "Era ela que se abaixa para receber Vinicius", lembra.

Tudo isso, segundo Domingos, ainda reverbera na música brasileira. "Eles trouxeram algo que era visto como música folclórica ou etnográfica que hoje está presente no cotidiano da música, como no funk brasileiro, por meio do tamborzão. Baden e Vinicius foram vanguardistas. Eles amavam o Brasil".

Outras histórias e a conversão de Baden

Baden Powell se converteu e não cantava mais os afro-sambas
Baden Powell se converteu e não cantava mais os afro-sambas
Foto: Marcio RM/Estadão / Estadão

O documentário Os Afro-Sambas: o Brasil de Baden e Vinicius abre espaço para as controvérsias, levantadas por dois jornalistas e pesquisadores musicais. Hugo Sukman fala sobre a possibilidade de Baden ter se inspirado nas aulas de música modal que teve com o maestro Moacir Santos (1926-2006) - aquele que Vinicius definiu, em Samba da Benção, que "Não és um só, és tantos/Tantos como o meu Brasil de todos os santos". O maestro e arranjador Dori Caymmi, que também estudou com Santos, dá sua opinião sobre essa história não oficial dos afro-sambas.

O jornalista Renato Vieira, que escreveu um livro sobre a gravadora Forma, lançado em 2022, relembra que o álbum não foi unanimidade na época. Não agradou, por exemplo, o temido crítico José Ramos Tinhorão - logo ele, defensor ferrenho da música raiz. Tinhorão classificou o disco de Baden e Vinicius como "afro-equívocos".

Em seu livro, Vieira ainda conta que Baden, amigo de Wadi Gebara, dono da Forma, se ofereceu para fazer o disco de graça, ciente das dificuldades financeiras que a gravadora enfrentava.

A gravação ocorreu, como conta o filme, em um estúdio no Rio de Janeiro, inundado por água da chuva - mas em clima de festa, como lembra Cynara, uma das vozes do Quarteto em Cy, grupo presente em quase todas as faixas e creditado na contracapa do disco. Além delas, um coro da amizade, que trazia nomes como a atriz Betty Faria, participou. "Eram muito desafinadas", conta Cynara.

O filme, no entanto, deixa de fora uma questão relevante: Baden, conforme relata sua biografia, O violão vadio de Baden Powell, de Dominique Dreyfus, revista e ampliada de 2020, se converteu à religião evangélica em seus últimos anos de vida, o que o fez deixar de cantar os afro-sambas, optando por versões exclusivamente instrumentais em suas apresentações.

O documentário Os Afro-Sambas: o Brasil de Baden e Vinicius se soma a um grande número de séries e documentários que têm se dedicado a capítulos, personagens e discos importantes da música brasileira. A Rinoceronte, uma das coprodutoras do filme, lançou, em, 2022, Elis & Tom, Só Tinha de Ser com Você, e, antes, já havia se dedicado a série 101 Canções que Tocaram o Brasil, com Nelson Motta.

"Por meio da música é possível entender outras camadas da sociedade brasileira. A música tem a capacidade de chegar nas pessoas", avalia Emílio Domingos, que, além de diretor de cinema é também antropólogo. Com olhar para a música negra, ele está lançando outros dois filmes sobre música, As Dores do Mundo - Hyldon e Anos 90 - A Explosão do Pagode.

Estadão
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