Exclusivo: Diretor-ator alemão conversa sobre Fassbinder
A história do cinema alemão tem alguns pontos de curva e com placa fixada em um desses desvios, está o nome de Rainer Werner Fassbinder (1945 - 1982). O cineasta que foi o principal expoente do chamado Novo Cinema Alemão começou a se projetar nas salas de cinema a partir dos anos 1960 e ganha a partir desta quarta-feira (21), uma mostra sobre sua obra no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo. O diretor e ator Ulli Lommel, estrela de alguns filmes de Fassbinder, está no evento para conversar sobre seu colega e mestre. Em entrevista exclusiva ao Terra, Lommel fala sobre Fassbinder.
Na década de 60 e 70, Lommel foi um ator de grande visibilidade na Alemanha. Se uniu aos projetos de Fassbinder por algo que ia muito além de interesses imediatos de projeção de carreira. A ligação entre os dois era muito mais de meios que de fins. Confira nossa conversa com o diretor que, nesta quinta-feira (22), às 19h30, estará no CCBB de São Paulo para uma palestra sobre a obra do diretor que abriu as lentes do Novo Cinema Alemão.
A mostra Filmes que Libertam a Cabeça: R. W. Fassbinder vai de 21 de outubro a 8 de novembro, com projeção de filmes de autoria de Fassbinder, assim como produções que influenciaram sua carreira.
Na próxima quinta-feira, você estará conversando na mostra, logo depois da exibição do documentário Fassbinder em Hollywood, do qual você participa. Poderia nos antecipar um pouco sobre essa possibilidade de relação entre Fassbinder e Hollywood?
O último filme que fiz com Fassbinder foi Roleta Chinesa (1976). Alguns anos depois me encontrei com ele e soube que queria fazer um filme chamado Cocain, em Los Angeles. Em março de 1981 ele estava lá nos Estados Unidos para negociar esse filme, que naturalmente terminou não acontecendo (Fassbinder morreu em 1982 de overdose, aos 37 anos, após uma ingestão de pílulas e cocaína). O filme Fassbinder em Hollywood é um pouco essa possibilidade de Fassbinder ter trabalhado em Hollywood, o que iria acontecer com os filmes dele. E aí temos depoimentos de cineastas importantes como Wim Wenders.
E o que teria acontecido se Fassbinder fizesse filmes em Hollywood?
Talvez alguma coisa diferente aconteceria com seu cinema. Hollywood não abre muito espaço para diretores com uma obra tão distinta. Pessoas como Charles Chaplin e Orson Welles conseguiram, em algum momento, fazer um filme de sucesso em Hollywod, mas não era o espaço para eles. O sistema industrial do cinema em Hollywood não está preparado para lidar com personalidade.
Ter personalidade então é um problema para Hollywood?
Não é apenas questão de personalidade, mas também de ter uma visão única das coisas. Isso é um problema para uma indústria que precisa ter completo controle de suas regras.
De que maneira a experiência de palco moldou o cinema de Fassbinder?
Os anos de teatro foram essenciais em sua obra. Porque Fassbinder não fazia um teatro de entretenimento. Eram peças com uma perspectiva política e social, com um estilo que foi bastante usado em seus filmes. Você reconhecia o teatro no cinema dele, particularmente naquela primeira fase, nos anos 60.
De que maneira você entrou em contato pela primeira vez com Fassbinder e como era sua metodologia de diretor?
Eu já era um ator conhecido na Alemanha quando conheci Fassbinder. Já havia feito peças, programas de TV e filmes. Meu primeiro filme com ele foi O Amor É Mais Frio que a Morte (1969), que foi um trabalho completamente independente. Ninguém recebeu dinheiro por aquele filme. A partir daí começou um trabalho de parceria. No set de filmagens, ele criava um ambiente de grupo, um micro mundo. Nós vivíamos o filme como um grupo. Dessa convivência surgiam histórias que, muitas vezes, davam origem a ideias para novos filmes. A ideia de Roleta Chinesa, por exemplo, surgiu dessa convivência. Costumávamos brincar disso e veio a sugestão de se fazer um filme tendo esse jogo como pano de fundo (em tempo: a roleta chinesa é um tipo de "jogo da verdade", onde em vez de balas, como na roleta russa, a pessoa dispara palavras para "ferir" o próximo). E enquanto filmávamos Roleta Chinesa, o que a gente fazia à noite? Jogávamos roleta chinesa.
Você, enquanto diretor, tem uma vasta filmografia de filmes de terror, qual o elemento da narrativa de terror que fascina tanto?
Acredito que a sociedade tem um fascínio pelo medo, ela é movida pela curiosidade e pelo desastre. Filmar esses filmes é divertido, você vê o sangue de mentira e tudo parece uma grande festa de Halloween. Mas uma vez que aquelas cenas entram na sala de edição, confesso que não vejo mais. Não assisto a filmes de terror.
Uma de suas últimas direções, Nightstalker, também é um filme de terror. Por que você fez esses filmes?
Porque fui chamado para fazê-los. Mas não gosto de filmes de terror e não pretendo mais fazê-los.
O que mudou com o cinema alemão depois da morte de Fassbinder?Acho que durante algum tempo todos ficaram paralisados. Eu fiquei em choque por um tempo. Os melhores diretores alemães saíram da Alemanha e então perdi um pouco interesse no que estava acontecendo.
Você tem acompanhado a produção do cinema alemão atualmente?Confesso que muito pouco. Assisti a A Vida dos Outros (Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2007), que gostei bastante e vi também Adeus, Lênin, que também achei um bom filme. Mas meu contato com a Alemanha tem sido pequeno.