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'Lavoura Arcaica' completa 20 anos com debate

Petra Belas Artes exibe o filme e promove bate-papo com o diretor Luiz Fernando Carvalho nesta quinta; interessados poderão retirar os ingressos a partir das 18h, às 19h, será o início da sessão e, às 22h, o debate

13 out 2021 - 20h11
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Depois de criar fama como um dos mais exigentes diretores da TV brasileira, Luiz Fernando Carvalho tornou-se, talvez, o mais bissexto dos grandes autores de cinema nacionais. Houve o precedente de Mário Peixoto, que, após o clássico Limite, nunca mais conseguiu concretizar seus projetos. Com Carvalho, a situação é outra. Lavoura Arcaica está completando 20 anos. Há muito tempo ele trabalha num novo filme adaptado de Clarice Lispector. Antes da pandemia, chegou a declarar ao Estadão que estava na fase final da montagem de A Paixão Segundo G.H. "Minha vontade é começar tudo de novo." Carvalho não é só o que se chama de perfeccionista numa mídia que, via de regra, exige ritmos industriais - isso vale para TV e cinema. É atraído por processos de criação.

No caso de sua adaptação do livro de Raduan Nassar, isolou-se numa fazenda de Minas com seu elenco durante quatro meses, não apenas para fazer leituras do texto e depois filmar, mas também para que atores e atrizes se impregnassem dos personagens, vivenciando suas atividades cotidianas. Antes disso, Carvalho viajou ao Líbano com Nassar, em busca das origens mediterrâneas do livro. Esse material virou tema de um documentário exibido pela GNT ainda nos anos 1990, Que Teus Olhos Sejam Atendidos. Sua decisão mais radical - como Nelson Pereira dos Santos, que decupou Vidas Secas a partir do próprio livro de Graciliano Ramos, sua Bíblia durante a filmagem, Carvalho abriu mão do roteiro e filmou diretamente da fonte, apoiado nas improvisações do elenco sobre o romance.

Tudo isso faz parte da mitologia erigida em torno de Lavoura Arcaica, e o filme integra a lista dos 100 maiores do cinema brasileiro, na seleção da Abracine, Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Na noite desta quinta, 14, espectadores privilegiados - no limite da sala, e de acordo com os protocolos de segurança contra a covid 19 - poderão não apenas rever o filme numa cópia de cinema, estalando de nova, mas também participar do debate de Carvalho com o jornalista do Estadão, Luiz Carlos Merten. É mais uma parceria do jornal com o Petra Belas Artes, a segunda no pós-pandemia, depois do encontro para debater O Homem Que Vendeu Sua Pele, na semana passada.

Os interessados poderão retirar os ingressos a partir das 18h. Às 19h, será o início da sessão e, às 22h, o debate. Baterão de novo na tela as imagens do retorno de André, o filho pródigo. Localizado pelo irmão mais velho, ele conta, sem ordem cronológica, como e por que abandonou a vida familiar na fazenda, dilacerado pelo afeto incestuoso pela irmã e dividido entre o carinho da mãe e o autoritarismo do pai punitivo. A volta é marcada por uma festa que não resolve conflito nenhum, e pelo contrário acirra as oposições. Por esse motivo, o filme já chegou a ser definido como uma versão invertida da parábola bíblica.

Na época, Selton Mello era o mais requisitado dos atores brasileiros, tendo dado um rosto a muitos filmes da fase chamada de Retomada, após a quebra da produção no governo de Fernando Collor de Mello. Selton faz André, o narrador, mas a voz é a do diretor. Do excepcional elenco participam Raul Cortez, Juliana Carneiro da Cunha, Leonardo Medeiros, Caio Blat e Simone Spoladore, que faz a irmã. Ana não tem diálogos no filme, mas Simone passou pela mesma intensa preparação do restante do elenco. Sua cena de dança é das maiores da história do cinema brasileiro.

Carvalho gosta de dizer que o livro possui muitas camadas. "Na época, não conseguia me dar conta dessa riqueza toda, que está lá. Com o tempo, creio que a metáfora política cresceu e nos permite entender o Brasil de hoje, acossado pela morte. André tem fome, não só de comida, como tem muita gente nesse País imenso. Sua fome é por cultura, por vacina e democracia." Para o público que for nesta quinta ao Petra Belas Artes, vale lembrar que Lavoura Arcaica é contemporâneo de outros dois filmes brasileiros muito importantes - Bicho de Sete Cabeças, de Laís Bodanzky, e Abril Despedaçado, de Walter Salles, esses dois interpretados por Rodrigo Santoro e todos produzidos no biênio 2000/2001.

São outras duas sagas familiares em que os protagonistas são vítimas do autoritarismo paterno e da tradição. Neto, do Bicho, é colocado no sistema manicomial pelo próprio pai, só por causa de um baseado. Conhece o inferno. O filme é uma adaptação do romance autobiográfico de Austregésilo Carrano, Canto dos Malditos. Tonho, de Abril, é forçado a se transformar num vingador, na sucessão de assassinatos relatados pelo albanês Ismail Kadaré em seu romance, transposto para o Nordeste. Lavoura é emblemático desse momento excepcional do cinema brasileiro.

Estadão
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