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Filme sobre refugiados é sensação na Berlinale

Um dos favoritos ao Urso de Ouro, longa do diretor alemão Christian Petzold mistura história de migrantes da Segunda Guerra e dos dias atuai

19 fev 2018 - 14h25
(atualizado às 17h39)
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Depois que as tropas alemãs invadiram Paris, em 1940, a escritora alemã judia Anna Seghers fugiu da capital francesa para Marselha e, um ano mais tarde, deixou a França rumo ao México. Elementos autobiográficos deste período embasaram seu famoso romance Em trânsito, escrito no exílio em 1941.

É este livro que serve como base para o filme do diretor alemão Christian Petzold (Transit), um dos favoritos a ganhar o Urso de Ouro, prêmio máximo do Festival de Cinema de Berlim. Ele estreou no sábado e rapidamente se transformou em uma das sensações da Berlinale.

Petzold deu um toque incomum à narrativa: enquanto a cena de abertura do filme se ambienta num café com decoração atemporal, os carros que passam ao fundo rapidamente revelam que essa história ambientada na Segunda Guerra se passa na França dos dias atuais.

Policiais executam megaoperações de busca em Paris, tropas alemãs se aproximam da capital francesa e Georg (interpretado por Franz Rogowski) consegue fugir para Marselha, enquanto muitos outros são presos. Antes de sua fuga, lhe são entregues textos de um escritor, Weidel, que acabara de cometer suicídio. Entre os documentos se encontram um manuscrito, cartas da esposa de Weidel e outra da embaixada mexicana, prometendo-lhe um visto.

Longa do diretor alemão Christian Petzold traça paralelos entre passado e presente.
Longa do diretor alemão Christian Petzold traça paralelos entre passado e presente.
Foto: Reuters

Georg assume então a identidade de Weidel e dá entrada à papelada para deixar a França. Enquanto vagueia por Marselha e busca um visto como inúmeros outros refugiados, ele conhece a esposa do escritor morto, Marie (Paula Beer), e desenvolve uma amizade com um jovem, Driss (Lilien Batman), cuja mãe é oriunda do Magrebe. Estes também estão "ilegais" no país, mas seus casos são contemporâneos.

Depois de seu trabalho anterior, o filme Phoenix (2014), que narra acontecimentos após a Segunda Guerra, Petzold decidiu não fazer outro drama de época.

"Há refugiados em todo o mundo e vivemos numa Europa de renacionalização, então eu não queria retornar à zona segura do cinema de época", explicou o cineasta, vencedor do Urso de Prata de melhor diretor em 2012 em Berlim, por Barbara.

A abordagem do cineasta é inicialmente desorientadora. Nas operações de busca, a polícia francesa utiliza veículos dirigidos pelas autoridades nos dias atuais, mas ninguém nos consulados possui smartphones ou computadores.

A "caligrafia impecável" de Marie é impossível de ser decifrada por um espectador que não está familiarizado com a escrita alemã tradicional. Georg consegue falsificar seu passaporte de aparência antiga simplesmente usando um estilete e cola. Enquanto isso, os cenógrafos selecionaram cuidadosamente móveis clássicos que poderiam ser encontrados em hotéis ou restaurantes atuais ou em 1940.

Esta versão manipulada do presente exige que o espectador abstraia. E, uma vez que essas convenções incomuns são aceitas, a experiência cinematográfica cria um efeito inquietante.

Histórias do passado são destacadas de seu contexto histórico, fazendo com que os personagens se sintam como fantasmas. Este é, de fato, um tema recorrente no cinema de Petzold - três de seus primeiros trabalhos, A segurança interna (2000), Fantasmas (2005) e Yella (2007), passaram a ser conhecidos como a "Trilogia Fantasma".

Petzold cria uma passagem pelo tempo ao oferecer uma interpretação temporal da palavra "trânsito". A cidade portuária de Marselha não é apenas uma cidade de trânsito, mas se transformou numa atemporal terra de ninguém.

Além de algumas cenas policiais, o filme não mostra muita violência física de guerra e se concentra, em vez disso, no limbo kafkaniano das pessoas que pretendem deixar a França. Ainda com tempo antes de as tropas alemãs chegarem a Marselha, os personagens - quando não aguardam por documentos em consulados - passam horas bebendo vinho e comendo pizza em espaços públicos. Apesar desta estranha "normalidade", a pressão psicológica da situação é constante e se manifesta em algumas cenas trágicas.

Ao longo do caminho, as pessoas querem compartilhar suas histórias e se recusam a serem meros rostos invisíveis na multidão. Seus destinos oferecem outro lembrete de que os refugiados são frequentemente considerados apenas números.

O filme Transit (ainda sem título e previsão de estreia no Brasil) é também um estudo psicológico da hierarquia que se desenvolve entre os próprios refugiados. À medida que todos são perseguidos pelos fascistas (termo usado no filme) e precisam fugir, alguns têm acesso mais fácil a um visto para sair do país, enquanto outros possuem mais dinheiro à disposição.

Em uma cena, por exemplo, os residentes de um hotel em Marselha - todos refugiados em trânsito - observam vergonhosamente como uma mulher é arrastada após uma invasão policial. A falta de um documento que provaria que ela poderia deixar Marselha é a única coisa que a distingue deles.

"Eu sempre falo sobre os fantasmas do passado", disse Petzold. "Mas o presente também parece um fantasma para mim."

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