‘Alvorada’ acompanha Dilma Rousseff durante impeachment
Documentário estreia nesta terça (13) no festival ‘É Tudo Verdade’ e deve chegar ao circuito comercial em maio
O processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, ocorrido em 2016, já foi retratado em diversas produções do cinema nacional. 'Em Democracia em Vertigem' (2019), por exemplo, a cineasta Petra Costa retratou a derrocada do regime democrático no País; já em 'O Processo' (2018), de Maria Augusta Ramos, vemos os bastidores do julgamento que culminou no afastamento de Dilma.
Agora, chegou a hora da estreia do aguardado 'Alvorada', outro documentário dirigido por mulheres. O longa será exibido gratuitamente na plataforma Looke nesta terça (13), às 21 horas, com reprise na quarta (14), às 15 horas. É preciso fazer um cadastro no site.
No filme, as diretoras Anna Muylaert e Lô Politi trazem uma perspectiva diferente do que já conhecemos sobre o caso. Desta vez, estamos dentro do Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência da República, e podemos acompanhar o dia a dia de uma chefe de estado no momento mais dramático de seu mandato - a possível perda do cargo.
De forma inédita, observamos o cotidiano e a intimidade da primeira e única mulher eleita para o principal cargo do País, além da rotina de seus assessores e funcionários. A impressão é que estamos dentro do palácio, como uma mosca, ouvindo conversas reservadas e reuniões secretas.
Apesar disso, fica claro que Dilma impôs uma série de regras e limites para a filmagem - em vários momentos, ela pede para que as câmeras sejam desligadas. Também é possível perceber que a tal intimidade a que temos acesso é de certa forma restrita, pois não entra em qualquer detalhe sobre a vida pessoal da presidente ou seus momentos de folga. O que vemos é uma chefe de Estado firme e convicta, que luta até o final para reverter a decisão do Congresso.
O marco temporal do documentário vai desde o afastamento provisório da então presidente, em maio de 2016, até a resolução do processo que levou ao impeachment, em setembro. Nesse ínterim, ‘presenciamos’ as reuniões dos advogados de defesa; o momento em que Dilma redige uma carta ao Senado e à nação; diversas entrevistas para a imprensa nacional e estrangeira; encontros com políticos e personalidades; e os bastidores do julgamento de dentro do palácio. Em nenhum momento as filmagens acontecem na Câmara ou no Senado Federal.
Mas o que chama a atenção, em meio a tantos compromissos oficiais, é a personalidade de Dilma. Uma mulher que não se abala em nenhum momento - ao menos nos que foram capturados pelas câmeras -, e que não mostra qualquer sinal de fraqueza ou angústia. Durante a entrevista que a ex-presidente concedeu à equipe do filme, ela conta como jamais desmorona e que, em determinada época, precisou se esforçar para entender porque as pessoas perdiam a razão.
Não é particularmente difícil imaginar por quê. Ex-militante de organizações de esquerda, Dilma esteve presa por três anos e foi torturada durante 22 dias pelo regime militar. Estudou economia, teve câncer, seguiu na carreira política e fez história ao se tornar a primeira mulher da história a governar o Brasil. Eleita, foi retirada do cargo por um processo no mínimo controverso, orquestrado por seus opositores.
Ainda assim, é surpreendente perceber como, mesmo em meio a um processo turbulento, sofrendo pressões de todos os lados, ela permanece tranquila e coerente com seus princípios. Repete diversas vezes que não irá renunciar, que está sendo vítima de um golpe e que se preocupa com o futuro da democracia brasileira. Após o resultado, permanece firme e se despede com carinho dos funcionários que a acompanharam durante quase seis anos de mandato. É aplaudida e abraçada, e sai de cabeça erguida, com a confiança de quem aguarda o julgamento da história.
É claro que, como todo documentário, 'Alvorada' também traz um registro histórico com determinado ponto de vista. As diretoras defendem a tese de que Dilma sofreu um golpe premeditado para tirá-la do poder. E, para elas, esse acontecimento mudou o rumo da história do país, culminando na crise que vivemos hoje.
“Hoje, quase 5 anos depois, como consequência direta daquele período conturbado, vivemos uma crise sanitária, econômica, política e moral no Brasil – talvez a maior de nossa história. Acreditamos que ver o filme hoje e poder observar como ela reagiu pessoalmente a sua retirada do poder possa talvez nos ajudar a compreender um pouco mais porque chegamos até aqui”, analisam as cineastas.
Concordemos com ou não com o processo de impeachment (ou golpe?), é inegável que, após assistir ao longa, nos perguntemos como ela aguentou tantos ataques vindos de todas as direções. Como primeira mulher a liderar o país, teve que lidar não apenas com as críticas ao seu modo de governar, mas com as inúmeras ofensas machistas e misóginas. Foi retratada na imprensa como “surtada” e “descontrolada”, e a população lotou as varandas para xingá-la de nomes que não valem a pena mencionar.
Dito isso, o filme é valioso como registro histórico de um momento decisivo na história do Brasil, e traz uma visão íntima de como é governar um país - e um palácio cheio de funcionários. Também traz uma visão mais humana sobre o processo de impeachment, retratando as pessoas por trás dos fatos.