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''Eu não seria escritora sem o golpe no Chile", diz Isabel Allende

5 ago 2010 - 16h36
(atualizado às 16h58)
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Isaac Ismar
Direto de Paraty

Uma das escritoras mais aguardadas desta edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), Isabel Allende conversou sobre diversos assuntos no final da manhã desta quinta-feira (5) com os jornalistas na Pousada do Ouro. No bate-papo, ela falou de literatura, política, família e sexo, mostrando um pouco de bom humor em alguns momentos e certa dose de sarcasmo.

Obrigada a deixar o Chile em 1973 por causa da ditadura militar, Isabel estreou na literatura com A casa dos espíritos, livro em que utilizou os manuscritos das cartas que escreveu para seu avô, que faleceu em seguida, para retratar os fantasmas do regime de exceção de Augusto Pinochet.

"O meu interesse pelo poder e pelos seus abusos começou em 1973 com o golpe militar no Chile, quando em 24 horas vi o poder de uma ditadura militar e a total impunidade. Ninguém era responsável por nada, cada um fazia o que queria. Isso é um evento fenomenal, que aconteceu em diversas partes do mundo, mas também ocorre em uma família e em quartéis policiais, onde há poder absoluto com impunidade. Por isso, este tema é o que mais me interessa, pois o vivi ao longo da minha vida. Hoje eu não seria escritora sem o golpe militar do Chile, que me obrigou a sair do meu país. E ver o Chile de longe marcou a minha vida, personalidade e o meu estilo de escrever, já que o poder e a justiça estão sempre nos meus livros de diferentes maneiras", contou.

Ao ser perguntada sobre as mudanças na formação política e cultural na América Latina que podem ter convertido o cenário político de parte da região nos últimos anos com a ascensão de governos de esquerda, ela respondeu que há distintas formas desse estilo de governo nos países latinos.

"É evidente que há muitas mudanças. Uma deles é que a esquerda latino-americana está mais presente em todas as atividades. Nos anos 70, quando saí do Chile, a ditadura estava no poder. Agora o governo lá é democrático. Os governos de esquerda são diferentes entre si. Não dá pra comparar o governo socialista de Michele Bachelet (ex-presidente do Chile) com o governo de Chávez na Venezuela. São ideias diferentes. O mundo mudou. Quando saí do Chile em 1973, havia a Guerra Fria. O mundo estava dividido entre esquerda e direita, agora não. Neste momento há um governo de direita no Chile depois de 20 anos da centro-esquerda no poder. Acredito que o atual presidente chileno possa fazer um governo, pois o país não está dividido como a 30 anos", afirmou.

Orgulhosa de pertencer à geração de escritores latino-americanos que cresceram lendo literatura de autores nascidos na região, a chilena disse que o mundo atualmente conhece um pouco mais da América Latina graças a eles.

"Nas décadas de 1970 e 1980 eu estava conhecendo a América Latina daquela época. Havia um coro de vozes, todas bem diferentes, que contavam ao mundo a América Latina. E mostrava a América Latino a nós latino-americanos. Os livros eram bem escritos Eu creio que hoje em dia temos um conceito de continente graças à literatura. Isso os políticos não conseguiram barrar. Atualmente a literatura latino-americana é muito mais urbana, influenciada pelo cinema, imagens e drogas. É diferente, bem menos política que antigamente. Não estou muito atualizada sobre a literatura brasileira, mas na latino-americana há uma onda de gente jovem e inteligente escrevendo temas muito bons".

A escritora está na Flip para lançar o seu mais novo livro, A ilha sob o mar, em que volta à ficção com a história da escrava Zarifé, que emigra do Haiti para Nova Orleans, nos Estados Unidos. Segundo ela, foram quatro anos de pesquisa até finalizar a obra. No final da tarde, Isabel será sabatinada na mesa Veias Abertas, com lotação máxima na Tenda dos Autores.

"Minha primeira intenção ao escrever sobre a escravidão era publicar uma novela sobre Nova Orleans. Quando comecei a escrever a investigação, descobri que chegaram a esta cidade dez mil refugiados que escaparam da revolta dos escravos do Haiti. Eles eram colonizados por franceses, que trouxeram também escravos de outras partes da América. E se formou uma classe social de pessoas negras em Nova Orleans muito interessante. De repente, não sei se sonhei ou imaginei a escrava. E resolvi dar-lhe voz para contar a história", revelou.Ainda sobre o livro A Ilha Sob o Mar, Isabel mostrou sua opinião sobre a forma de escrever sobre sexo.

"Em A Ilha Sob o Mar há momentos bem sexuais, mais que em outros livros. Na minha opinião, quando o escritor escreve sobre sexo, funciona melhor se isso estiver sugerido. O leitor trabalha a imaginação", opinou.

A chilena de 68 anos de idade pode ser considerada como uma best-seller, já que tem 18 livros publicados mundo a fora em mais de 30 idiomas, que ultrapassam a marca de 56 milhões de cópias vendidas. Ainda assim, Isabel acredita que há preconceitos com suas obras por parte de alguns críticos e escritores, pelo simples motivo, segundo ela, de seus livros venderem bem.

"Não é possível ser best-seller durante 30 anos com 18 livros publicados e a pessoa não ter nenhuma qualidade. Nos Estados Unidos e na Europa vender livro não é um pecado. Mas no Chile, principalmente, os meus colegas me odeiam por isso. As pessoas nas ruas crêem que eu mereço o Prêmio Nacional de Literatura, oferecido pelo governo chileno, mas um grupo pequeno de críticos pensa que não o mereço por eu ser um best-seller. Há muitas controvérsias sobre isso", lamentou.

Isabel Allende concede autógrafos na Feira Literária de Paraty
Isabel Allende concede autógrafos na Feira Literária de Paraty
Foto: Isaac Ismar / Especial para Terra
Fonte: Especial para Terra
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