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A prosa íntima de Clarice Lispector traduzida para a linguagem do cinema

Conheça os filmes baseados na obra de Clarice Lispector, cujo centenário de nascimento será celebrado no dia 10 de dezembro

8 dez 2020 - 11h39
(atualizado às 11h45)
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Não é fácil levar a obra de Clarice Lispector (1920-1977) ao cinema. O cinema mostra. É dependente da concretude da imagem. Os textos de Clarice, de modo geral, são intimistas, interiorizados, e mesmo abstratos. Passam-se na subjetividade das personagens, muitas vezes em monólogos interiores. É desafio tão grande quanto adaptar James Joyce ou Virginia Woolf. Difícil, mas não impossível. Tanto assim que várias obras de Clarice, homenageada agora em seu centenário de nascimento, receberam versões audiovisuais competentes - e algumas de muito sucesso.

Até agora, por certo, nenhuma teve tanto êxito quanto A Hora da Estrela (1985), longa dirigido por Suzana Amaral. O filme ganhou todos os prêmios possíveis no Brasil e ainda um Urso de Prata no Festival de Berlim pela interpretação impecável de Marcélia Cartaxo. Marcélia vive Macabéa, migrante nordestina semianalfabeta que, na cidade grande, dá início a um desajeitado namoro com Olímpico (José Dumont). Mas nada dá certo para Macabéa, literalmente devorada pela cidade grande.

Também teve êxito O Corpo, de José Antonio Garcia, adaptado do conto homônimo de A Via Crúcis do Corpo. Venceu o Festival de Brasília de 1991 com uma história de "poliamor", o casamento de Xavier (Antonio Fagundes) com Bia (Claudia Jimenez) e Carmem (Marieta Severo). O tom é o de uma comédia negra (e sarcástica), bastante parecido com o espírito do próprio conto. José Antonio Garcia, clariceano declarado, tinha ideia de adaptar outro conto de Via Crúcis do Corpo, Ele me Bebeu, a ser estrelado por Carla Camurati. Mas morreu em 2005, antes de o projeto se concretizar.

A mais recente adaptação de uma obra de Clarice, do romance homônimo O Livro dos Prazeres, foi exibido na Mostra de Cinema de São Paulo e deve estrear no próximo ano. Dirigido por Marcela Lordy, põe em cena a problemática personagem Lóri, vivida por Simone Spoladore. Lóri é uma professora de crianças, que se mudou há pouco para um cinematográfico apartamento com vista para o mar, herança do pai. Ela parece entediada e sem rumo. Sexualmente livre, envolve-se com vários homens em casos rápidos, até conhecer Ulisses (Javier Drolas), um professor de filosofia que significará outra coisa em sua vida.

Como tantas histórias saídas da pena de Clarice, esta também é a de uma personagem em crise e em busca de algum tipo de ascese. Ulisses será ao mesmo tempo objeto de desejo e também estímulo dessa problemática epifania capaz de resgatar a personagem feminina de uma angústia profunda. O filme busca nas nuances de claro e escuro as alterações de humor de Lóri e usa outros recursos da linguagem do cinema para dar conta da enxurrada linguística do original.

O universo de Clarice chegou também aos curtas-metragens. Clandestina Felicidade, de Marcelo Gomes, de 1998, inverte o título original do conto Felicidade Clandestina. Evoca uma passagem da meninice de Clarice no Recife, com o despertar de sua grande paixão pela literatura. A menina (Luisa Phebo) morre de inveja de uma coleguinha de escola que possui um tesouro - o livro Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.

A história é o gosto da leitura na futura escritora, mas também a de outra descoberta, a da maldade humana. Quando, por fim, a garota Clarice se apoderar do seu tesouro, este será sua "felicidade clandestina", bonita conjunção de duas palavras, substantivo e adjetivo, que define uma vocação secreta. Literária, por certa, mas algo além: "A felicidade sempre iria ser clandestina para mim", escreve Clarice no original.

Outro curta é Ruído de Passos (2012), de Claudia Marafeli. O conto em que se baseia encontra-se em Via Crúcis do Corpo e aborda um tema-tabu até hoje: a sexualidade na velhice. A personagem principal, dona Cândida Raposo (Miriam Mehler), tem 81 anos e se surpreende com a sobrevivência do desejo em seu corpo desgastado. Queixa-se ao ginecologista: isso vai até quando, o desejo de prazer? Com franqueza, o médico responde: não há remédio, minha senhora, vai até morrer.

A dificuldade, nesta narrativa breve, era conciliar a força do tema com a delicadeza no tratamento, desafio vencido pela diretora.

Essas obras realizadas são amostras de como o rico universo de Clarice Lispector pode vencer a barreira de linguagens e ser transposto para o audiovisual. A sexualidade, a busca de sentido da existência, a opressão masculina, a hostilidade da sociedade, a solidão - tudo isso está nessa prosa íntima, que parece se dirigir diretamente à subjetividade do leitor. Todo esse mundo à espera de cineastas sensíveis, capazes de traduzi-lo para outra linguagem - a do cinema - sem perder sua força na transposição.

Para finalizar, lembremos do maior dos desafios nessa tarefa, agora enfrentado por Luiz Fernando Carvalho, que levou para a tela a considerada obra-prima da escritora, A Paixão Segundo G.H. A protagonista é Maria Fernanda Cândido, no papel da mulher de classe média alta que, ao visitar o quarto da empregada doméstica, passa por uma experiência existencial das mais radicais. Ainda sem data de estreia, o filme está sendo esperado com ansiedade neste ano de centenário de Clarice Lispector.

Estadão
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