Único limite da computação gráfica é dinheiro, diz especialista
- Carol Almeida
- Direto de São Paulo
De passagem pelo Brasil para participar do evento The Union, Alex Alvarez, fundador da mais renomada escola de computação gráfica do mundo, a Gnomon, Neil Huxley, diretor de arte de filmes como
Avatare
Sucker Punch(este último entra em cartaz ainda este mês nos cinemas brasileiros) e Stefano Dubay, modelador de personagens na Sony Pictures Imageworks (e ex-aluno da Gnomon), conversaram com o
Terrasobre seus trabalhos, desafios e, claro, bastidores dessa poderosa, mas nem sempre assim tão rica, indústria de entretenimento. Confira a conversa abaixo:
Existe algum limite para o que a computação gráfica pode fazer com filmes e games?
Alex Alvarez - Não, o que existe é limite de dinheiro. Avatar é um bom exemplo de coisas difíceis de fazer: você tem criaturas humanoides realistas com atuação e feições faciais, tem floresta, fogo, água, nuvens, tudo que as pessoas dizem que é difícil de fazer está lá. E mostra que, com dinheiro suficiente, tudo é possível. Creio que a única limitação hoje é essa, dinheiro. Chegou-se a um ponto em que aquilo que o designer imaginar, ele pode fazer, basta haver dinheiro e tempo para tanto. O que acontece é que a maioria dos filmes não tem nem dinheiro, nem tempo suficiente. Isso, claro, no que se refere a cinema. Quanto aos games, bem, acho que até que eles realmente se pareçam com filmes, aí o que é preciso é tempo mesmo.
Quanto tempo?
Neil Huxley - Alguns anos pra frente.
Alex Alvarez - Os filmes sempre estarão à frente dos games porque eles são pré-renderizados (a renderização em imagens 3D é a captura daquela imagem em 2D, o que em um filme seria equivalente a um fotograma de uma película). A quantidade de dados numa cena de filme levaria semanas para ser processada em um game.
Mas é possível que os games cheguem a um ponto onde eles terão uma imagem igual a um filme?
Alex Alvarez - Sim, é possível. Mas ainda não sabemos se estamos falando de algo que vá acontecer daqui a 5 ou 50 anos. Mas sim, eles chegarão lá. Porque é isso que o público quer. Se o público quer, e se dispõe a pagar por isso, então teremos o produto.
Vocês acreditam que, com um US$ 1 bilhão, por exemplo, seria possível fazer o que vocês quisessem?
Neil Huxley - Sim, mas acho que tudo tem que começar com uma ideia certa e, muito além de ter toda a estrutura técnica, é preciso ter coração, o que, por exemplo, James Cameron tem. A razão pela qual Avatar fez tanto sucesso é porque ele é uma história que te compromete emocionalmente. A resposta é: sim, com todo dinheiro e tempo do mundo poderíamos criar algo completamente sensacional, mas se não há história por trás e uma ideia legal, então vai ser tudo desperdício.
Alex Alvarez - Interessante, porque há 10 anos não estaríamos falando sobre isso. A tecnologia se desenvolveu muito rápido.
Neil Huxley - E acho que os filmes é que moveram esse avanço da tecnologia. Avatar, por exemplo, introduziu muitas das técnicas que vão ser usadas a partir de agora. Em Benjamin Button, a tecnologia de captar expressão facial também foi uma coisa nova, deixou de ser "motion capture" (captura de imagem) e passou a ser "emotion capture" (captura de emoção), você não precisa mais criar pontos no rosto de uma pessoa, é o espaço entre os pontos que te interessa, essa é a informação. É onde se consegue captar as pequenas nuances de expressão.
Você diz que a tecnologia pode ir até onde vai a necessidade do filme...
Neil Huxley - Sim, porque, neste caso, David Fincher (diretor de O Curioso Caso de Benjamin Button) não queria construir aquela maquiagem por cima do rosto do personagem, pois quando você cria camadas fora do rosto da pessoa, termina a deixando maior. É por isso que várias maquiagens mal feitas são vistas em filmes e, neles, todo mundo que é velho parece ficar mais gordo. O problema é que, para um personagem mais velho, você deve cavar o rosto, e não colocar massa fora dele. E daí veio toda a tecnologia criada para o filme.
Stefano Dubay - Acho que o único cuidado que devemos ter é não exagerar na hora de trabalhar com algumas dessas tecnologias. Porque hoje em dia, você pode observar a realidade em escala tão pequena e controlar tudo dali. Podemos animar cada ponto do personagem e, se você não deixar a coisa um pouco "suja", ela vai se tornar excessiva. É preciso ter cuidado em quão preciso você pode se tornar usando esses programas, porque vai parecer artificial. Quando digo "sujar", não quero dizer que se deve deixar a imagem desfocada ou algo assim, mas deixá-la um pouco imperfeita para que ela possa se tornar real.
Vocês acreditam que projeções em 3D podem acrescentar uma camada extra às histórias?
Alex Alvarez - Na minha opinião, o 3D não contribui para a história, mas sim para a experiência visual. No final, a história é o roteiro. Já vi os mesmos filmes nos dois formatos, em 2D e 3D. E pra mim é o mesmo filme. Minha reação emocional é a mesma. Mas uma vez que o 3D é bem feito, como é no caso de Avatar, ela se torna algo impressionante e imersivo. O que acho que é o 3D em Avatar, apesar de fantástico, não faz dele um filme melhor.
Neil Huxley - Não acho que o 3D vá revolucionar a maneira como vemos filmes. Creio que quando esse 3D é bem feito, adiciona uma sensação de imersão à experiência. Quando é mal feito, pode realmente prejudicar a história. Eu amei Avatar, mas logo depois fui levado a assistir Fúria de Titãs, e minha conclusão é que não se pode apressar uma conversão de 2D para 3D. Aliás, já decidi que não assisto mais à filmes que são convertidos para 3D. Só assisto se ele já tiver sido feito em 3D. Não confio em Hollywood. Só acho que eles querem roubar meu dinheiro.
Alex Alvarez - O fato é que são os estúdios que querem colocar tudo em 3D para ganhar mais dinheiro em bilheteria. Dia desses fui assistir a um filme com meus filhos e esse mesmo filme estava sendo exibido em 2D e 3D. Eles me pediram para assistir ao 2D. E crianças são honestas. Outra coisa: o 3D só pode ser feito para filmes de ação ou ficção científica em que o interessante é o espetáculo de imagens. Imaginemos um drama, no século 19, no interior da França... Por que isso precisaria ser feito em 3D? Acho que filmes vêm de livros, roteiros e, enfim, são escritores que escrevem os filmes. Não acredito que um escritor, algum dia, vá escrever um filme pensando nele em 3D.
É comum no mercado de CG escutar frases do tipo: "esse é o fim de uma era", "esse é o começo de algo completamente novo" e coisas do tipo?
Alex Alvarez - Sempre. Lembro que quando o Exterminador do Futuro 2 apareceu, era o começo de uma nova era. E aí veio Jurassic Park e foi o começo de uma outra era. Filmes que quebram parâmetros, algo que agora surge a cada um ou dois anos, são constantes e ajudam, na verdade, a alavancar a tecnologia. Escutar sobre "isso é o novo" é algo frequente, mas não significa absolutamente nada, apenas que as pessoas ficam excitadas.
Stefano Dubay - Não somos demônios ou seres da profundeza que vamos roubar o trabalho de ninguém, temos apenas as ferramentas que, sim, estão ficando cada vez melhores. Pode haver uma certa resistência a esse tipo de avanço, que é inevitável. Mas seria o mesmo que um fotógrafo que trabalhou com filme resistir à fotografia digital. Não digo que todas as coisas precisam ter efeitos visuais e computação gráfica que vai explodir a sua cabeça, mas quando necessárias, elas devem sim ser usadas sem medo. Por que andar pra trás se você pode avançar? Por causa de conservadorismo?
Alex Alvarez - Mas acho que existe apenas uma divisão do que é possível com ou sem dinheiro. E acho que as pessoas ficam excitadas em ambas as situações. Quando você vê Avatar, vê o que é possível fazer com muito dinheiro. Quando vê Distrito 9, vê o que é possível fazer sem tanto dinheiro. O que acontece é que os filmes com grande orçamento terminam ajudando os filmes de orçamento baixo, porque o que desenvolve para as grandes produções, termina indo parar nas mãos dos produtores independentes.
Então grandes produções podem ajudar a um produtor independente conseguir trabalhar em cima de um programa que foi desenvolvido especialmente para aqueles outros filmes?
Alex Alvarez - Sim. Vejam o caso de Capitão Sky e o Mundo de Amanhã. Não deixou de ser um filme que também quebrou parâmetros porque todo o seu pano de fundo foi criado digitalmente do computador do cara. Isso porque as ferramentas estão cada vez mais fáceis de serem usadas por todo mundo.
Neil, como foi trabalhar com James Cameron em Avatar? Havia algum momento em que você podia vir com uma sugestão sua sobre alguma imagem?
Neil Huxley - Você nunca faria isso com James Cameron. Alex também já trabalhou com ele e a coisa toda é: Jim sabe o que quer. E é uma coisa boa trabalhar com um diretor que tem visão do que quer. Antes de Avatar, escutei muitas histórias de terror e acho que algumas pessoas já tiveram más experiências trabalhando com ele. Eu pessoalmente tive uma relação maravilhosa. Foi sensacional justamente porque ouvi o que ele queria. O truque é fazer sempre aquilo que ele pede e, caso ele não goste tanto da solução, ter uma outra opção sua guardada no bolso para poder mostrar na mesma hora. Em caso de Jim não gostar daquilo que pediu, você vem com um "então talvez você goste disso aqui". Então sim, há espaço para você mostrar suas próprias ideias, só precisa ter cuidado em como fazer isso.