Setembro amarelo: ciência testa IA e novos remédios para combater depressão
Psicodélicos, inteligência artificial, chatbots e farmacogenética surgem como alternativas que podem atuar contra doenças mentais
A campanha Setembro Amarelo traz para este mês o alerta de um problema silencioso e mortal: a depressão. Ela também desafia a ciência a buscar novas soluções e tratamentos para doenças que afetam a mente.
No mundo, quase 1 bilhão de pessoas sofrem de algum transtorno mental, segundo os dados mais recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgados no ano passado mas datados de 2019.
Atualmente diversas pesquisas seguem sendo desenvolvidas em torno de possíveis soluções para a depressão, como tratamentos com substâncias psicodélicas, inteligência artificial (IA) e novos medicamentos.
O Brasil teve 16.262 registros de suicídios em 2022, segundo o mais recente do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Isso representa uma média de 44 por dia. O total cresceu 11,8% em 2022 na comparação com 2021 (14.475 suicídios).
Ayahuasca, uma potência nacional
O Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) conduz um projeto de pesquisa em pacientes que apresentavam quadros de depressão que resistiam aos tratamentos disponíveis. Metade dos pacientes se submeteu a uma intervenção com ayahuasca e a outra metade com placebo (dose sem ação farmacológica).
A ayahuasca é um potencial alucinógeno utilizado por indígenas na Amazônia em rituais de cura. O chá combina a folha de chacruna — que contém um psicodélico natural chamado DMT — com a vinha de ayahuasca. Essa junção cria uma experiência psicodélica que pode durar horas.
Além da depressão, a substância está sendo testada em transtornos mentais associados ao uso de álcool e ao estresse pós-traumático, entre outros.
“O que a gente observou foi uma mudança muito significativa na redução dos sintomas de depressão nos pacientes que se submeteram à intervenção com ayahuasca”, disse um dos líderes da pesquisa do UFRN, Dráulio Araújo, em entrevista ao Byte em agosto.
A pesquisa conduzida por Araújo com ayahuasca também está atuando no problema da depressão refratária, também conhecida como resistente ou transtorno depressivo maior. Ela é caracterizada por sintomas crônicos de longo prazo que não respondem adequadamente aos tratamentos padrão, como medicação e psicoterapia.
“Existe uma refratariedade grande no uso de antidepressivos. O paciente não se adapta a tomar todo dia, sente tremor, dificuldade, alteração de libido, ganha ou perda de peso, sono. Isso acaba diminuindo a adesão e esses efeitos adversos fazem também com que o paciente se desiluda com o tratamento”, disse Érica Carneiro Pessoa, mestranda em psiquiatria em dependência química e substâncias psicodélicas pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Mas, vale ressaltar que até o momento, no Brasil, nenhuma substância do tipo atingiu certificações no tratamento de transtornos mentais. Logo, em caso de sintomas, busque atendimento médico especializado com um psiquiatra.
No Brasil, experimentos como esses só podem ser ocorrer em contexto de pesquisa e acompanhados por uma equipe multidisciplinar de profissionais da saúde.
A salvação da depressão pós-parto
Analisando o cenário global, uma das novidades mais aguardadas foi a brexanolona. Ela é uma molécula que age sobre os receptores gabaérgicos, que afetam o desenvolvimento do sistema nervoso. A maioria dos antidepressivos age sobre a serotonina, que regula processos como a nossa adaptação a situações estressantes.
Na prática, a brexanolona já está sendo usada desde 2019 para combater a depressão pós-parto nos EUA — o Zulresso é um dos remédios comercialmente vendidos com ela. Sua vantagem para os demais antidepressivos é que ele simula a alopregnanolona, um hormônio do próprio corpo feminino que "segura a onda" de um receptor depressor e cuja produção cai bastante após o parto.
“Eu analisei os resultados dos ensaios clínicos e posso dizer que, de acordo com eles, a brexanolona produz resultados muito bons no tratamento da depressão pós-parto, a qual depende de resposta farmacológica rápida”, afirmou o neurocientista Álvaro Machado Dias, professor livre-docente da Unifesp.
No Brasil, a substância ainda aguarda aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Inteligência artificial e implantes cerebrais
Cada vez mais a inteligência artificial tem sido aliada neste campo. Na Universidade de São Paulo (USP), um grupo de pesquisadores está construindo um algoritmo capaz de analisar perfis do Twitter (hoje X) e buscar algumas pistas que sugerem transtornos psiquiátricos.
Em 2020, uma pesquisa do Southwestern Medical Center da Universidade do Texas (EUA) testou tratar mais de 300 participantes com depressão com ajuda de outro algoritmo. Ele, por sua vez analisou dados do eletroencefalograma dos voluntários para prever quais deles se beneficiariam de um SSRI (inibidor seletivo da recaptação da serotonina) em dois meses.
Machado Dias afirma que a IA também poderá descobrir novas moléculas de tratamento químico contra a depressão e criar chatbots que permitem dar escala aos atendimentos psicológicos.
Mas, ressalta que implantes cerebrais para o tratamento da depressão, como os estimuladores profundos (DBS) testados pela empresa Neuralink de Elon Musk, dependem da competência dos neurocirurgiões, e não da IA. Em maio, a startup disse ter recebido a aprovação da agência nacional de vigilância sanitária americana (FDA) para implantar e testar chips cerebrais em humanos.
“Esse papo do Musk sobre neuropróteses que curarão todas as doenças psiquiátricas e neurológicas é apenas mais uma de suas balelas ou fake news, inventada para que ele se beneficie do buzz”, diz o especialista.
O neurocientista diz que os chatbots têm limites de capacidade e elenca algumas razões para isso:
- Não são capazes de armazenar históricos longos de conversa e assim produzir digressões que induzam o paciente a refletir em profundidade com base na sua vida;
- Estão muito longe de terem a sagacidade que se espera de um terapeuta, que é alguém que deve "sacar" o paciente e agir a partir disto;
- Não podem suprir a demanda por contato humano que as pessoas com sofrimento mental têm.
“Chatbots terapêuticos são boas ferramentas de apoio, e não peças centrais no manejo da depressão e de outros transtornos psiquiátricos e formas subclínicas de sofrimento mental”, destaca o especialista.
Farmacogenética
A farmacogenética é a área da ciência que estuda de que maneira o DNA de um indivíduo vai interferir no comportamento dos medicamentos no seu organismo e também na resposta do seu organismo ao medicamento.
A diferença de um indivíduo para o outro em determinados genes, chamados de farmacogenéticos, são determinantes para mudar a dose de um antidepressivo de um indivíduo para o outro, ou outros fatores como a chance de efeito colateral e a eficácia dos remédios.
“Hoje nós sabemos que as diferenças de resposta de um indivíduo para o outro ao mesmo medicamento, diferenças na ocorrência de efeitos colaterais, na eficácia, na dosagem, em grande parte, estão relacionadas a mutações no seu DNA”, explica ao Byte Guido Boabaid May, psiquiatra sócio-fundador da GnTech, que comercializa testes farmacogenéticos.
O uso deste método, segundo May, vale para pacientes que já estejam sentindo efeitos colaterais de remédios para depressão, ansiedade ou qualquer outro transtorno mental. Pode ser realizado em qualquer idade e serve para toda a vida, uma vez que o DNA do paciente nunca muda.
“O paciente e o seu médico podem pedir um teste farmacogenético e a partir dali um médico vai entender se a ocorrência de efeitos colaterais ou a baixa eficácia estão relacionados com os genes daqueles pacientes. E, a partir dali, o médico pode então reformular o tratamento de uma forma personalizada”, afirma o psiquiatra.