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Por que o artigo que 'prova' declínio cerebral causado pelo ChatGPT tem sérias limitações

Especialistas pedem cautela na interpretação dos dados e destacam limitações da pesquisa

23 jun 2025 - 17h11
(atualizado em 24/6/2025 às 09h55)
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Um novo estudo publicado por pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) reacendeu a discussão sobre os impactos da inteligência artificial (IA) no funcionamento da mente humana. Com base em experimentos conduzidos ao longo de quatro sessões, o artigo, ainda sem revisão por pares, aponta que o uso do ChatGPT para escrever ensaios acadêmicos está associado a um menor engajamento cerebral, baixa recordação do conteúdo produzido e queda na sensação de autoria.

Nas redes sociais, o estudo se transformou em munição para críticos da IA generativa, que interpretaram os resultados como mais uma prova de que estamos caminhando para um apagão cognitivo. Já pesquisadores e especialistas da tecnologia alertam: a pesquisa levanta hipóteses relevantes, mas tem limitações sérias e não pode ser usada como evidência definitiva.

A controvérsia começa pelos próprios dados. O experimento recrutou apenas 54 pessoas, entre 18 a 39 anos, todas moradoras de uma única região, Boston, e estudantes de grandes universidades locais. Elas foram divididas em três grupos: um escreveu com apoio do ChatGPT, outro utilizou apenas a busca do Google, e o terceiro não teve acesso a nenhuma ferramenta. Em uma quarta sessão opcional, alguns participantes trocaram de grupo, o que permitiu analisar os efeitos do uso reverso das ferramentas. Para a quarta fase, apenas 18 pessoas permaneceram. Ao final do experimento, as pessoas que chegaram à quarta fase foram observadas por apenas 4 horas.

Durante as atividades, os pesquisadores usaram eletroencefalogramas (EEGs) para monitorar a atividade cerebral. Segundo os autores, os participantes que escreveram sem qualquer auxílio tiveram maior conectividade neural, desempenho mais alto nos textos e demonstraram maior recordação das ideias que escreveram. Já os usuários de IA apresentaram menor engajamento cerebral e dificuldade para citar trechos dos próprios textos, mesmo poucos minutos depois de escrevê-los.

Os textos criados com IA também foram considerados mais padronizados, com menor diversidade linguística e originalidade. Essa homogeneização foi identificada tanto por professores humanos quanto por uma IA julgadora desenvolvida pelos próprios autores do estudo. Para os pesquisadores, isso reforça o alerta: ao facilitar a escrita, a IA pode fazer com que estudantes terceirizem processos fundamentais como reflexão crítica e escolha de palavras.

Apesar disso, os próprios autores reconhecem que suas conclusões são introdutórias. Em nota, eles afirmam: "Esperamos que este estudo sirva como um guia preliminar para estimular a compreensão dos impactos cognitivos e práticos da IA em ambientes de aprendizagem". Eles também pedem cautela na interpretação: "Por favor, não usem termos como 'estúpido', 'brain rot' ou 'burro'. Isso faz um desserviço ao nosso trabalho".

A pré-publicação do artigo, sem revisão por pares, também virou motivo de polêmica. Por que lançar um estudo assim sem o selo da validação científica tradicional? A resposta da autora principal, Nataliya Kosmyna, foi pragmática. "Tenho medo de que, em seis ou oito meses, algum formulador de políticas decida criar um jardim de infância com GPT. Acho que isso seria prejudicial", disse em entrevista à Time. Segundo os autores, o processo de revisão por pares pode levar até dois anos para ser concluído.

O professor da PUC-SP, pesquisador e palestrante especializado em tecnologia e ciência cognitiva, Diogo Cortiz, vê o estudo como relevante, mas com ressalvas. "Ele não é tão revelador assim, porque outros estudos mais comportamentais já mostravam que o uso excessivo da IA traz uma queda do pensamento crítico", afirma. Para ele, o diferencial está na abordagem neurocientífica e no experimento que inverteu os grupos na quarta sessão. "Quem começou escrevendo sem IA e depois passou a usar teve aumento da conectividade cerebral. Isso pode indicar que reeditar um texto com ajuda da IA pode até gerar mais insight e engajamento cognitivo."

Cortiz também reforça a importância de não extrapolar as conclusões. "A amostra é pequena e o processo de amostragem também. Então não é um estudo que define algo, mas acho que tem uma importância de, primeiro, levantar o debate e, segundo, trazer essas evidências iniciais para que a gente possa desenhar estudos mais específicos e robustos para as perguntas que a gente quer responder."

Para Diogo Cortiz, professor da PUC e especialista em IA, estudo é relevante apesar das limitações
Para Diogo Cortiz, professor da PUC e especialista em IA, estudo é relevante apesar das limitações
Foto: Werther Santana/Estadão / Estadão

Entre as críticas mais técnicas feitas estão a baixa representatividade da amostra, o uso de EEGs como principal ferramenta de análise (cuja precisão espacial é limitada) e a ausência de outras modalidades de observação cerebral, como ressonância magnética funcional. Também há quem questione o viés dos avaliadores e a estrutura das tarefas, que não separaram as etapas da escrita, como geração de ideias e revisão.

Ainda assim, a recepção da pesquisa reflete mais os humores do debate atual do que propriamente o conteúdo do estudo. Em fóruns e redes sociais, muitas pessoas compartilharam a pré-publicação como uma prova cabal dos perigos da IA. Ironicamente, de acordo com os autores, muitos veículos de mídia e comentaristas usaram IA para resumir o artigo. "Isso gera ruído. Seu feedback HUMANO é muito bem vindo, se você ler o artigo ou partes dele."

Alguns especialistas lembram que a "dívida cognitiva" mencionada pelos autores não é uma descoberta totalmente nova. "Entendo que, instintivamente, a conclusão faz sentido. Da mesma forma que quem usa GPS demais tem a capacidade de orientação diminuída, o mesmo pode acontecer com tarefas que terceirizamos para o ChatGPT", opinou o consultor em inteligência artificial Pedro Burgos, em uma publicação no LinkedIn.

Contudo, ele questiona se a proliferação do estudo nas redes não seria apenas resultado de viés confirmatório. "Os influencers que tenho visto mais batendo o bumbo com esse preprint são justamente os que reclamam mais do povo do hype excessivo de IA. Lutar contra o próprio viés deveria valer pra todo mundo, né?"

O estudo do MIT parece ser mais um passo para uma melhor compreensão dos impactos da IA na cognição humana, em vez de uma conclusão definitiva. Ele mostra que os efeitos da IA sobre o cérebro merecem atenção, mas também que a resposta científica a essas questões será gradual e cheia de nuances.

Para especialistas como Cortiz, a discussão mais relevante talvez não seja sobre um suposto "emburrecimento", e sim sobre como o uso dessas ferramentas influencia a forma como pensamos — e como podemos integrá-las de modo a estimular, em vez de substituir, o raciocínio humano.

"Todo estudo tem algum tipo de limitação. O importante é que a gente compreenda essas limitações e evite extrapolações ou generalizações indevidas", opina Cortiz. "As evidências precisam ser interpretadas dentro desse contexto. O risco está justamente na forma como o estudo é entendido: não se trata de descartar os dados, mas de lidar com eles de maneira responsável."

Estadão
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