O que é algoritmo P, citado pelo influenciador que expôs 'adultização' de crianças nas redes
Algoritmo tende a direcionar conteúdo mais explicito para usuários, diz pesquisadora
Junto com a busca por "adultização infantil", o algoritmo P chamou a atenção após o influenciador Felca citá-lo quando alertou sobre os riscos da exposição infantil nas redes sociais. O mecanismo é usado pelas empresas para recomendar conteúdo sensível aos usuários.
Na prática, o algoritmo P é uma engrenagem das redes que encaminha publicações na base da lógica da personalização, segundo Eliana Loureiro, professora e pesquisadora de tecnologia e comunicação da FAAP e da ESPM.
"Os algoritmos levam em conta o tipo de conteúdo que a pessoa mais curte, comenta e replica", diz Loureiro. "A estratégia é que a rede vai apresentar aquele mesmo tipo de conteúdo para manter dentro da plataforma e consumir cada vez mais conteúdo".
Ela explica que tanto o Facebook, quanto Instagram e YouTube tendem a direcionar conteúdo cada vez mais explícito para os usuários, em especial os muito ativos. Um mecânismo que também impulsiona fake news, por exemplo.
"Você acabava sendo direcionado, depois de assistir algum tempo de conteúdo, mais para conteúdos extremistas", diz Loureiro.
A adultização "se refere à exposição precoce de crianças a comportamentos, responsabilidades e expectativas que deveriam ser reservadas a adultos", segundo a Fundação Abrinq, voltada aos direitos das crianças e adolescentes.
Durante o vídeo da denúncia, Felca mostrou como um perfil novo passa a exibir conteúdo de crianças sexualizadas depois de poucas interações com vídeos similares. Ele também demonstra como a própria linguagem é usada na hora de selecionar o que mostrar para o usuário. "Vou seguir e curtir. E quase sem esforço, vocês vão ver o algoritmo todo tomado por crianças", diz Fela no vídeo.
O influenciador mostrou outra ferramenta de comunicação bastante eficaz para compartilhar material danoso nas redes. "A palavra 'trade' (em inglês, troca) significa que estão procurando outros pedófilos para trocar conteúdo pornográfico de criança", diz. Ou seja, ao incluir apenas um termo na postagem é possível segmentar o público.
Então, quem divulga conteúdo malicioso tem ferramentas dentro da própria rede para impulsioná-los. "Isso pode levar à criação de bolhas comunicacionais do mal", afirma Loureiro. "O uso de hashtag, por exemplo, é uma das formas de fazer o post chegar em mais pessoas. Além disso, o próprio conteúdo publicado e o perfil de quem interage com ele influenciam diretamente na forma como a rede distribui esse material".
Mesmo que o Instagram e Facebook estejam no hábito das pessoas há mais de uma década, essas plataformas tiveram que lidar com um concorrente de peso recentemente. O TikTok, além de quebrar a hegemonia, foi responsável por quebrar uma lógica das redes baseadas em conexões sociais, afirma Loureiro.
E isso faz com que a plataforma chinesa privilegie comportamentos individuais. "O TikTok nem se apresenta como uma rede social, mas sim como uma rede de entretenimento", diz.
Se prevenir e proteger crianças nesse cenário é das tarefas mais difíceis. Uma das principais queixas dos especialistas é a falta de transparência dos mecanismos das redes. "A realidade é que a gente não tem acesso a esses algoritmos", diz Leila Bergamasco, professora de Ciência da Computação do Centro Universitário FEI. "Esses códigos não são abertos e a gente não sabe como funcionam, mas temos pistas".
Além da atividade do usuário, as big techs rastreiam dados demográficos dos usuários. Ou seja, a localização, idade, gênero e até a orientação sexual podem ser levados em conta na hora de sugerir um conteúdo, segundo Bergamasco.
É possível o algoritmo 'desaprender'?
Por um lado, os algoritmos aprendem rápido, mas é possível fazê-lo "desaprender" ou buscar outra inclinação para ele? Não, explica a professora. "Mesmo você sinalizando que um conteúdo não é relevante, o algoritmo continua insistindo", diz Bergamasco.
Esse é mais um problema na hora de tentar prevenir ou mitigar os riscos de crianças serem expostas. Isso porque mais um fator entrou na conta dos posts que sexualizam crianças: a inteligência artificial (IA). "Na parte da IA que manipulam imagens, é bem complicado", diz. "Isso facilitou o proposito obscuro das pessoas".
Por isso, Bergamasco sugere que pais e crianças evitem publicar conteúdo que podem servir de base para sexualização. "Foto de biquíni, maiozinho, isso deve ser evitado ao máximo, porque é o tipo de imagem que eles manipulam com IA".
Entre todas as redes, apenas o YouTube Kids tenta mitigar esse conteúdo, segundo a professora. "Nenhum vídeo com roupa curta, nem muita maquiagem é monetizado pelo YouTube Kids".
Como mostrou o Estadão, existem outras formas de bloquear conteúdo, basta ajustar as configurações nas redes sociais, ou ativar o controle parental no aparelho da criança, desta forma é possível monitorar o tempo gasto em cada app, a atividade na web e o que pode ou não ser baixado.