Fim de uma era: criadora do robô aspirador Roomba entra em falência após 35 anos
Símbolo da robótica doméstica, iRobot terá controle transferido para sua principal parceira industrial, a chinesa Picea Robotics
A iRobot, empresa que transformou o Roomba em sinônimo de robô aspirador, entrou com pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos. A companhia anunciou que pretende transferir o controle de suas operações para a chinesa Picea Robotics, sua principal parceira industrial, encerrando um ciclo de 35 anos que começou em laboratórios do MIT e terminou sob pressão financeira, competitiva e regulatória.
Apesar de afirmar que os produtos continuarão funcionando normalmente e que aplicativos, suporte e serviços não serão interrompidos no curto prazo, a falência representa um ponto de ruptura para uma das marcas mais emblemáticas da robótica doméstica. Pela primeira vez, o futuro do Roomba deixa de ser definido por uma empresa americana independente e passa a depender diretamente de um grupo asiático.
Do MIT para os lares
Fundada em 1990 por pesquisadores do MIT, entre eles Colin Angle, Helen Greiner e Rodney Brooks, a iRobot nasceu com ambições muito maiores do que limpar pisos. Seu foco inicial era desenvolver plataformas de robótica e inteligência artificial capazes de atuar em ambientes hostis, como exploração espacial, desativação de bombas e operações de busca e resgate.
Esses robôs chegaram a ser usados pela Nasa, em projetos como o Mars Sojourner Rover, que explorou a superfície de Marte em 1997, e em operações militares e humanitárias, incluindo desativação de explosivos, inspeção de áreas contaminadas e missões de busca e resgate, como nos trabalhos realizados após os atentados de 11 de setembro de 2001, em Nova York.
A virada ocorreu no fim dos anos 1990, quando a empresa decidiu apostar em um produto doméstico capaz de traduzir décadas de pesquisa em algo comercialmente viável. Em 2002, o Roomba chegou ao mercado e rapidamente se destacou não por ser o primeiro robô aspirador, mas por ser o primeiro a conquistar amplamente o público. O pequeno disco autônomo que vagava aleatoriamente pela casa se tornou um fenômeno cultural, a ponto de seu nome virar sinônimo da categoria.
O sucesso levou a iRobot à bolsa em 2005 e garantiu anos de liderança quase absoluta no mercado. Ao longo da década seguinte, a empresa ampliou seu portfólio, lançou variações como robôs para limpeza de piscinas e calhas, adquiriu concorrentes e consolidou um vasto portfólio de patentes. Por muito tempo, isso foi suficiente para manter rivais à distância.
A partir da segunda metade dos anos 2010, porém, o cenário mudou. Fabricantes chinesas como Roborock e Ecovacs passaram a oferecer robôs mais baratos, com navegação mais sofisticada e ciclos de inovação mais rápidos. Enquanto a iRobot mantinha uma estratégia focada em câmeras e software próprio, concorrentes adotaram sensores a laser, integração com esfregões e preços agressivos.
Mesmo com avanços importantes, como mapas persistentes, controle por aplicativo e sistemas de autoesvaziamento, os produtos da marca ficaram cada vez mais caros. O lançamento do Roomba i7, em 2018, representou um ápice tecnológico, mas também coincidiu com o início da perda acelerada de participação de mercado, que despencou nos anos seguintes.
Início do fim
A pandemia deu um fôlego temporário às vendas, mas trouxe consigo problemas logísticos, aumento de custos e impactos de tarifas comerciais impostas pelos Estados Unidos. A combinação forçou reajustes de preço e corroeu margens de lucro. Em poucos anos, a receita da empresa caiu drasticamente, enquanto prejuízos se acumulavam.
Na tentativa de mudar o jogo, a iRobot aceitou, em 2022, ser comprada pela Amazon por US$ 1,7 bilhão. O acordo prometia integrar os mapas e a inteligência do Roomba ao ecossistema da Alexa, mas acabou barrado por autoridades regulatórias, especialmente na União Europeia, que viram riscos de concentração de mercado e de privacidade. O negócio foi cancelado em 2024, deixando a empresa endividada e sem um plano claro de recuperação.
O período de indefinição foi fatal. A iRobot cortou quase um terço de seus funcionários, abandonou projetos paralelos e tentou relançar sua linha de produtos com foco em tecnologias já populares entre concorrentes. Ainda assim, meses depois de alertar investidores sobre o risco iminente de insolvência, a empresa confirmou a falência.
Com a reestruturação, a Picea Robotics deve assumir o controle total da iRobot ao converter dívidas em participação acionária. Na prática, a empresa que fabricava os Roombas passa a comandar a marca que ajudou a criar. O acordo elimina centenas de milhões de dólares em dívidas, mas também marca a perda de autonomia de um dos ícones da inovação americana.
Para consumidores, o impacto imediato tende a ser limitado. Os robôs continuarão limpando o chão e respondendo aos botões físicos, mesmo que serviços avançados dependam do futuro da infraestrutura digital da empresa. Para o setor de tecnologia, porém, o colapso da iRobot deixa um alerta claro: pioneirismo não garante sobrevivência em um mercado globalizado, cada vez mais dependente de escala, custos competitivos e políticas industriais consistentes.