Empresa de escaneamento de íris interrompe serviço no Brasil
Startup coletava íris da população em troca de dinheiro; ANPD alerta para riscos referentes a dados pessoais sensíveis
A Tools for Humanity (TFH) suspendeu seus serviços de escaneamento de íris no Brasil após a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) ter negado o recurso para que a empresa voltasse a exercer a prática por meio do benefício financeiro.
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A ANPD já havia proibido o pagamento pela coleta de íris da população no dia 24 de janeiro. A TFH foi confudada por Sam Altman, criador e CEO da OpenAI. A startup estava operando em São Paulo desde novembro do ano passado, oferecendo o serviço de escaneamento de íris em troca de criptomoedas.
Em nota, a empresa declarou que respeita a decisão do órgão, mas que a suspensão dos serviços é temporária. "A World segue seu compromisso em cumprir com as leis nos mercados onde opera e continuará trabalhando para garantir transparência e entendimento público desse serviço essencial, que busca aumentar a segurança e confiança online na era da IA", disse.
Entre os problemas apontados pela ANPD está a coleta de dados pessoais sensíveis: "A CGF considerou, ainda, que o tratamento de dados pessoais realizado pela empresa se revelou particularmente grave, considerando o uso de dados pessoais sensíveis e a impossibilidade de excluir os dados biométricos coletados, além da irreversibilidade da revogação do consentimento."
Cerca de 500 mil pessoas foram pagas com moedas digitais para escanearam a própria íris. A empresa alegou que as câmeras avançadas usadas para registrarem a íris permitiriam a geração de um código chamado World ID, que seria usado para distinguir seres humanos de inteligências artificiais e, consequentemente, reforçaria a segurança digital.
O processo de fiscalização da ANPD iniciou em novembro de 2024 por meio da Coordenação-Geral de Fiscalização (CGF), que identificou que a "contraprestação pecuniária oferecida pela empresa pode interferir na livre manifestação de vontade dos indivíduos".
O processo e as recompensas
No dia 16 de janeiro, o Terra esteve presente em um dos 38 pontos de coleta, no centro de São Paulo, onde o World ID instalou Orbs, para observar o processo. De acordo com o gerente da unidade, o local atraia cerca de 800 participantes por dia desde a instalação.
Ele relatou que uma das maiores dificuldades era explicar cada etapa do processo para os participantes durante a triagem, já que muitos chegavam ao local sem entender como funcionava o registro.
A triagem era dividida em quatro partes: explicação do processo, registro da íris, confirmação e explicação do pagamento. Durante todas as etapas, a equipe de aproximadamente oito pessoas utilizava palitos para apontar e orientar os participantes sobre como realizar o registro diretamente em seus celulares, evitando tocar nos aparelhos. Apesar do esforço, o gerente afirmou que o trabalho de orientação era indispensável.
Rogério Yogi, fisioterapeuta de 42 anos, contou que foi incentivado por um amigo a registrar sua íris. "Eu trouxe minha irmã para fazer. Fiquei sabendo do aplicativo através de um amigo", disse ele, entre risos. Quando questionado sobre quanto estava recebendo pela verificação, ele revelou que inicialmente obteve R$ 344, mas que o valor agora gira em torno de R$ 240. "Coloquei de volta, para investir", contou.
A criptomoeda tem apresentado comportamento volátil, oscilando entre US$ 1,88 (cerca de R$ 11,33) e US$ 2,70 (R$ 16,28) em apenas uma semana. Conforme a TFH, em nota ao Terra, não se trata da venda do íris, como tem sido chamada a ação.
"Nenhum pagamento é oferecido aos usuários, que adquirem uma credencial para se comprovarem humanos na internet e recebem, opcionalmente, um token ou criptoativo. Fazendo uma comparação, é como se fosse uma ação do protocolo, que pode ser vendida no mercado, como se vende uma ação em bolsa, e o valor obtido dependerá do valor do ativo no momento da venda".
Henrique, de 24 anos e atualmente desempregado, também compartilhou sua experiência. "Eu participei de uma experiência. A gente ganha moedas em troca dessa repartição de informações", disse ele.
Como muitos outros, Henrique ficou sabendo do World ID por meio de amigos e não demonstrou preocupação com o compartilhamento de dados. “Não, acho tranquilo", afirmou, minimizando os riscos envolvidos.
Embora os incentivos financeiros chamem atenção, as preocupações com a coleta de dados sensíveis, como a íris, têm gerado discussões mais profundas.
Desde sua criação, o World tem enfrentado uma série de críticas e batalhas judiciais em diversos países. Na Espanha, por exemplo, o serviço foi proibido devido à falta de transparência sobre o tratamento e a finalidade dos dados coletados, incluindo acusações de obtenção de informações de menores de idade e a impossibilidade dos usuários revogarem o consentimento após o registro.