PUBLICIDADE

Da Globo a Toy Story: como Hans Donner ajudou a criar Pixar e Dreamworks

Bastidores da computação gráfica da Globo trazem ligações com primeiros nomes da animação 3D dos dois estúdios

31 jul 2022 - 05h00
(atualizado às 18h37)
Compartilhar
Exibir comentários
Hans Donner e Toy Story
Hans Donner e Toy Story
Foto: Acervo pessoal e Disney

A animação por computador é hoje parte fundamental da indústria do entretenimento, com os filmes da Pixar, Dreamworks e outros estúdios rendendo filmes de sucesso entre a crítica e o público. Mas o que pouca sabe é que parte dessa história aconteceu no Brasil pela equipe de Hans Donner, designer alemão inventor das principais vinhetas de novelas e programas da TV Globo por quase 40 anos.

Donner, que completa 74 anos neste domingo (31), mudou-se para o Brasil em 1975 e seu primeiro trabalho foi criar a nova marca da Rede Globo, que antes usava uma logo que lembrava um globo listrado com latitudes e longitudes. Sua ideia de criar uma esfera dentro de outra, com uma ilusão 3D, deu certo e o conceito é usado até hoje, com atualizações.

A emissora ficou satisfeita e deixou em suas mãos a formação do departamento de videografia, que cuidaria de toda a programação visual da empresa. Pouco depois da chegada de Donner, em 1977, a Globo muda sua direção de programação: saia Walter Clark, entrava José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Conhecido pelos seus altos padrões de qualidade, o executivo deu ao alemão uma meta ousada: elevar o visual da Globo a níveis sem precedentes na época.

Equipe internacional, computadores históricos

No fim dos anos 70, a computação comercial ainda estava na sua gênese. O Macintosh, primeiro computador de sucesso, só seria lançado em 1984. Produzir imagens 3D por computador, então, era um sonho muito vago.

Em depoimento ao pesquisador Mario Firmino Barreto da Costa, Hans Donner deixa claro que não era — e continua não sendo — um profissional de computação: “Porque eu sou designer, sou apaixonado por desenho e não quero nem saber de máquinas”. Mas isso não o impediu de ir atrás de quem era bom com elas.

Donner formou uma equipe que incluiu o também alemão Rudi Böhm, especializado em trucas, aparelhos que realizavam animações manuais; o brasileiro Luiz Velho, matemático que depois tornaria-se pesquisador do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), no Rio; e os americanos Carl Rosendahl, Glenn Entis e Richard Chuang.

Os matemáticos eram necessários por um motivo simples: para gerar imagens digitais, os computadores da época precisavam ser programados com funções matemáticas bastante complexas — era como se eles mesmos precisassem ajudar a máquina a processar os dados, algo que hoje é realizado com muito mais facilidade por programas específicos.

E os computadores, quais eram? Nada de Apple ou Microsoft; na época, trouxeram modelos pouco lembrados hoje, como VAX PDP-11/7501, da empresa DEC, e S-100, da Cromenco, uma empresa do início do Vale do Silício americano.

Shrek, um dos ícones da Dreamworks; fundadores da empresa que originou o estúdio trabalharam com Hans Donner na Globo
Shrek, um dos ícones da Dreamworks; fundadores da empresa que originou o estúdio trabalharam com Hans Donner na Globo
Foto: ePipoca

É fantástico!

Citamos antes os nomes de Richard Chuang e Glenn Entis. Se você não os conhecia até agora, eles são cofundadores da Pacific Data Images, que surgiu em 1980 como uma das primeiras empresas de animação por computador dos EUA. Em 2000, ela foi comprada pelo então novo estúdio de cinema DreamWorks SKG, e virou a DreamWorks Animation, que lançou sucessos como as franquias Shrek, Madagascar e Como Treinar Seu Dragão.

"A abertura do Fantástico [a primeira sob assinatura de Donner, em 1983] foi feita com três gênios que não tinham dinheiro para comprar um supercomputador, que trabalhavam numa garagem com um computador pequeno e ganharam a oportunidade de fazer seus primeiros trabalhos na TV Globo, comigo", relembrou Donner no programa "The Noite", no ano passado.

O curioso é que, para cumprir as exigências gráficas de Donner, Chuang consultava com frequência o livro "Geometria Diferencial de Curvas e Superfícies”, de autoria de um brasileiro: o pesquisador emérito do IMPA Manfredo do Carmo (1928-2019). “Era um livro escrito por um gênio matemático que morava na frente da minha sala da Globo, no Jardim Botânico”, disse Donner sobre a coincidência.

Antes de criar "Toy Story", pioneiro da Pixar John Lasseter se encontrava com equipe de Hans Donner e discutia viabilidade do projeto
Antes de criar "Toy Story", pioneiro da Pixar John Lasseter se encontrava com equipe de Hans Donner e discutia viabilidade do projeto
Foto: Reprodução

A gênese da Pixar e Dreamworks na Globo

"Eu estava com esses três, um chinês e dois americanos e estou sentado lá, porque ficava dez dias aqui, dez lá [nos EUA]. Chegaram duas pessoas pra conversar com eles, que tinham feito um filmezinho curta-metragem, e estavam em dúvida se teria a chance de isso virar um filme no cinema, que custaria muito dinheiro para os computadores calcularem. Eles tinham um filme chamado 'Toy Story'", contou o ex-designer da Globo na entrevista.

Donner estava se referindo aqui a John Lasseter e Lance Williams. De fato, Lasseter todo mundo conhece: é um dos pioneiros da Pixar, diretor do primeiro "Toy Story" (1995) e do curta que o inspirou nos anos 80, "Tin Toy" — provalvemente o filme mencionado pelo alemão. Já Williams é um pesquisador gráfico pioneiro na renderização de imagens. Trabalhou por seis anos na Apple e teve passagens por Dreamworks, Disney e Google. Morreu em 2017.

"Na mesma época, Steve Jobs foi mandado embora da Apple. Aconteceu o seguinte: a felicidade dos dois de encontrarem Jobs com dinheiro sobrando, que botou US$ 10 milhões na mão deles e disse 'façam'. Virou a Pixar. Veio depois a concorrência da Dreamworks, com aqueles três que trabalharam conosco", diz Donner.

"Me chamaram para Miami para fazer palestra. Tinha um tapete vermelho lá, com todo mundo ajoelhado. porque sabiam que fomos nós do Brasil que deram o toque mágico para a Pixar e a Dreamworks. Essa liberdade de criação do Boni de criar animação mexeu com o mundo inteiro", relembra, orgulhoso.

Donner seguiu fazendo história na Globo, assinando o visual de diversas vinhetas de programas, cuja computação avançava a olhos vistos. Telejornais como "Jornal Nacional" e "Fantástico", novelas como "Tieta" e "Vale Tudo" e até o anúncio do "Carnaval Globeleza", tudo tinha o dedo dele até 2016, quando deixou a emissora. Hoje trabalha com arquitetura.

Fonte: Redação Byte
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Publicidade