Como cidades globais têm se preparado para uma era de calor extremo
Capitais como Atenas, Daca, Freetown e Santiago definem profissionais exclusivos para planejar ações contra o aumento das temperaturas. Calor extremo causa 500 mil mortes por ano, segundo a OMS.A nova onda de calor que atinge o Brasil na semana de Natal não é exclusiva do território brasileiro. Ao longo do ano, capitais como Atenas, na Grécia, Daca, em Bangladesh, Freetown, em Serra Leoa, e Santiago, no Chile, também sentem os efeitos das temperaturas extremas.
Uma das saídas encontradas por estes e outros municípios ao redor do mundo para proteger seus residentes do calor é a nomeação de um "chief heat officer" (um "chefe de calor"), alguém que, como um chefe do corpo de bombeiros, tem a responsabilidade de rapidamente a emergências - neste caso, relacionadas ao calor extremo.
O conceito foi iniciado em 2021 pelo Atlantic Council, um think tank dos Estados Unidos. O grupo identificou que o calor extremo poderia afetar cerca de 3,5 bilhões de pessoas até 2050 - metade delas vivendo em centros urbanos. O objetivo foi criar um cargo permanente com foco específico em tornar as cidades mais resilientes ao clima.
Para isso, os chefes de calor ajudam as autoridades a analisar as condições locais, elaborar planos e implementar medidas de proteção, incluindo soluções de longo prazo, como instalar calçadas ou telhados que repelem o calor.
Em Freetown, a reflorestação de áreas urbanas é uma das estratégias de resfriamento empregadas pelos chefes de calor. Um aplicativo de celular permite que os moradores sejam remunerados para cuidar das árvores e dos espaços verdes da cidade.
Prevenção antes que seja tarde demais
As cidades precisam estar constantemente preparadas para se adaptar ao calor extremo, e não apenas agir em tempos de crise, disse Eleni Myrivili, a chefe global de calor no Centro de Resiliência Climática do Atlantic Council.
"Normalmente esses tipos de questões são tratadas apenas quando há um grande evento, então quando há uma onda de calor ou um incêndio ou uma seca e isso é tratado como uma crise, e depois ninguém faz nada depois disso", disse Myrivili, que foi chefe de calor em Atenas, de 2021 a 2023.
Somente no verão europeu deste ano, por exemplo, as mudanças climáticas foram responsáveis por ao menos 16,5 mil mortes, quando sucessivas ondas de calor atingiram o continente. Incêndios foram responsáveis por parte das vítimas.
Para Myrivili, o foco do programa é "ajudar diferentes departamentos a colocar em prática planos de longo prazo que tenham a ver com criar cidades mais frescas".
Em Atenas, diz Myrivili a população passou a entender que o calor representa um risco significativo para sua saúde e para a cidade em geral, apesar dos desafios de incorporar a resiliência perene ao calor de forma plena nos planejamentos de ruas, praças, calçadas e edifícios.
Como a DW mostrou, as mudanças climáticas também já afetam o cotidiano do Brasil e desafiam a infraestrutura urbana. Entre 1993 e 2023, 4,7 mil pessoas morreram no país em decorrência de desastres relacionados à estiagem, incêndio florestal, ondas de calor, alagamentos ou inundações. Municípios como Niterói (RJ) têm investido em iniciativas para criar espaços de decisão com foco exclusivo nas mudanças climáticas.
Planos de ação para enfrentar o calor
Melbourne, na Austrália, Los Angeles, nos EUA, também possuem chefes de calor, enquanto cidades europeias como Londres, Genebra e Paris reproduzem conceitos semelhantes em fase de planejamento. A Índia aprovou uma lei que exige que cada estado nomeie um chefe de calor.
Já a cidade de Phoenix, no estado americano do Arizona, criou uma equipe de seis pessoas para se concentrar exclusivamente na resiliência ao calor extremo. Pelo segundo ano consecutivo o município estabeleceu um abrigo de emergência e para o calor. Centros de resfriamento e estações de água potável ficarão abertos 24 horas por dia durante os meses de verão.
Barcelona, na Espanha, também está usando edifícios públicos como museus e bibliotecas como áreas designadas para a população fugir das altas temperaturas.
Na Alemanha, cidades como Colônia e Freiburg elaboraram os primeiros planos de ação contra o calor. Eles incluem campanhas de informação, estratégias para proteger grupos vulneráveis como idosos, sistemas de alerta precoce e o aumento de áreas verdes em "pontos quentes" urbanos.
Freiburg, por exemplo, concentra-se na vegetação como método de resfriamento, bem como no acesso rápido à sombra. No ano passado, a cidade de Colônia expandiu elementos de proteção solar, como persianas em edifícios e outras infraestruturas.
A Igreja Protestante na Alemanha também disponibilizou igrejas como abrigos em todo o país durante o verão.
Alemanha falha em priorizar a proteção contra o calor
Mas a Alemanha está ficando para trás em termos de uma estratégia abrangente de proteção contra as mudanças climáticas.
O calor é o maior risco à saúde na Alemanha devido à crise climática, e é responsável por mais mortes do que acidentes de trânsito, observou Martin Herrmann, presidente da Aliança Alemã para Mudança Climática e Saúde.
"Nós, como sociedade, não entendemos quando se torna perigoso, nem quão perigoso se torna", disse ele em uma coletiva de imprensa em Berlim no início de junho.
As ondas de calor estão se tornando "mais frequentes, mais longas e mais intensas", observou Klaus Reinhardt, presidente da Associação Médica Alemã. "O calor afeta todos, independentemente da idade e de condições pré-existentes."
Para Herrmann, a resiliência ao calor muitas vezes não é considerada nos planos de habitação sustentável, e precisa ser incorporada à infraestrutura urbana em larga escala. Eleni Myrivili também enfatizou a necessidade de que soluções sejam implementadas rapidamente à medida que as temperaturas continuam a subir.
"O calor que estamos experimentando hoje não é nada comparado ao que estamos enfrentando", disse ela. "Será muito mais perigoso e as pessoas não estão cientes disso."
Meio milhão de mortes anuais ligadas ao calor extremo
Entre maio de 2024 e maio de 2025, cerca de 4 bilhões de pessoas experimentaram pelo menos 30 dias adicionais de calor extremo, segundo análise da World Weather Attribution, Climate Central e da Cruz Vermelha.
Comparado a um mundo sem mudanças climáticas causadas pelo ser humano, o aquecimento global pelo menos dobrou o número de dias de calor extremo em 195 dos 247 países e regiões pesquisados.
Enquanto isso, um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 500 mil mortes por ano no mundo estejam ligadas ao calor extremo.
A maioria dos afetados vive na Ásia, seguida pela Europa, onde o número de dias de calor extremo foi o segundo mais alto desde o início dos registros. "Cada fração adicional de aumento de temperatura importa porque acentua os riscos para nossas vidas, para as economias e para o planeta", explicou Celeste Saulo, secretária-geral da Organização Meteorológica Mundial, na apresentação de um relatório sobre o estado do clima na Europa em abril.