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Cientista da USP vai ajudar a ONU contra crise climática: 'Porto Alegre foi tragédia anunciada'

Pedro Jacobi destaca a importância da prevenção e da interdisciplinaridade para abordar problemas urbanos

18 out 2025 - 17h12
(atualizado às 18h36)
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Pedro Jacobi, coordenador do grupo de estudos de meio ambiente e sociedade do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), foi selecionado para participar da próxima edição do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da Organização das Nações Unidas (ONU). Com formação em sociologia e economia, Jacobi será editor revisor do capítulo sobre impactos, vulnerabilidades e riscos.

Em entrevista ao Estadão, o pesquisador argentino radicado no Brasil enfatiza a necessidade de trazer a perspectiva do Sul Global, particularmente em espanhol e português, no documento. O especialista destaca a importância da prevenção e da interdisciplinaridade para abordar problemas urbanos como escassez hídrica e deslizamentos, defendendo que as soluções sejam consistentes e levem em conta o protagonismo social.

O senhor é um dos especialistas selecionados para integrar a equipe de autores da próxima edição do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU. Quais as suas expectativas em relação a esse trabalho e o que a participação dos cientistas do Sul global deve agregar a ele?

Eu sou um pesquisador latino-americano. Sou argentino, mas moro há 59 anos no Brasil, então o meu DNA já é daqui. O importante será levar mais elementos da produção científica latino-americana para um relatório que visa mostrar que existem respostas sobre adaptação. A preocupação principal é mostrar o lado do Sul global. Estamos vendo um esforço maior do IPCC em trazer um Sul global que não fala inglês, mas espanhol e português. Esse é o lado que eu entendo como relevante.

Como a sua pesquisa contribui como tema de impactos, vulnerabilidades e riscos, capítulo do IPCC no qual será editor, diante de uma acelerada mudança climática em curso no planeta?

Sou economista, planejador urbano, doutor em sociologia e um pesquisador que se formou trabalhando com movimentos sociais urbanos. Temas urbanos que, no início da minha tese de doutorado, eram temas como água, saúde… Não se falava muito de clima, de uma forma mais específica, mas claro que tem convergência. Depois, fui professor da Faculdade de Educação durante 30 anos e me envolvi muito com a educação ambiental.

Dentro dessa perspectiva, entendo que existe toda uma dimensão interdisciplinar importante de abordar uma visão da aprendizagem social e de uma literatura que eu tenho me interessado e trabalhado muito com meus alunos e parceiros, que é da visão da ciência pós-normal. Ela visa, fundamentalmente, dizer que a ciência não tem que estar numa bolha, mas que tem que se ampliar para a comunidade.

Então, mesmo na área climática, a gente pode perceber que houve uma mudança importante das pessoas muito conhecidas no Brasil, por exemplo, que trabalham com o clima, que não estão falando só de métricas, mas de algo que a sociedade pode compreender, que é justamente os processos, os impactos, os riscos.

Minha preocupação é com a dimensão da prevenção. Todos os problemas que a gente vê na cidade estão muito associados à prevenção. Quantos desses problemas, obviamente, poderiam ser atenuados se houvesse outras respostas da engenharia, da arquitetura, das áreas que, de alguma forma, implementam as infraestruturas no espaço urbano. Mas não é só do urbano que estamos falando. Estamos falando também da importância de reduzir ao máximo o risco de perda de vida humana devido a deslizamentos ao fim e a cabo.

Centro Histórico de Porto Alegre foi tomada pela água em 2024.
Centro Histórico de Porto Alegre foi tomada pela água em 2024.
Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO - 11/05/2024 / Estadão

Por que as pessoas morrem em deslizamentos?

Porque moram em lugares inadequados, por falta de opções. Mas é importante trazer justamente essa dimensão de quanto as vulnerabilidades implicam justamente nos riscos. O que aconteceu em Porto Alegre, em São Sebastião… Não é uma tragédia inesperada, é uma tragédia anunciada, porque começa a ter volumes de água muito maiores, concentrados, em virtude de fenômenos climatológicos. E são riscos provocados pela sociedade humana. Por exemplo, um dos aspectos é a mudança no curso do rio. O rio tem seu caminho, que é completamente modificado.

No Brasil, a gente tem tido bastante preocupação. Eu faço parte de um financiamento que a Fapesp concedeu ao Instituto de Energia e Ambiente, que é o projeto Climares, um centro interdisciplinar com 11 grupos temáticos. Meu grupo está trabalhando com tema rural, urbano e costeiro, sobre transformações sociais face às mudanças climáticas. O componente das transformações sociais tem que ser levado em conta justamente para se pensar sobre como reduzir a vulnerabilidade, como avançar nas dimensões preventivas, como fortalecer solidariedade, cooperação, práticas de formação, capacitação, treinamento, e, principalmente, uma visão que não seja catastrofista. Porque é muito fácil, depois de um desastre, que logo a pessoa diga que a culpa é do governo. [A culpa] tem que ser relativizada entre a produção imobiliária, que está ligada ao plano diretor, aos interesses políticos, mas também tem a dimensão da forma como se urbanizou e que hoje está na contramão daquilo que vai ser em 50 anos, talvez muito menos tempo.

Nós estamos num contexto onde há um risco de uma crise hídrica, como nós tivemos em 2013 e 2015, porque o volume de chuvas está muito baixo. Tem aqueles que se protegem mais porque têm caixa d'água e as populações de baixa renda, cujas caixas d'água são mínimas, ou que não têm.

Temos que tomar muito cuidado também para não apostar apenas nas soluções cinzas na infraestrutura. Tem que se avançar muito e eu espero encontrar boas experiências de tecnologias sociais, ou seja, de envolver as pessoas na busca por soluções. O que se precisa é justamente reforço das políticas públicas ao nível federal, estadual e municipal.

Sou presidente do Conselho América do Sul do ICLEI [Governos Locais para a Sustentabilidade], uma organização da sociedade civil global presente em mais de 2.500 cidades no mundo, que tem a finalidade de compartilhar conhecimentos sobre redução de emissões, planos de ação climática, capacitar a gestão pública…

Isso é muito importante, ou seja, a gestão pública tem que estar muito mais preparada a ter informações, lidar de forma articulada com diferentes áreas, junto com a Defesa Civil. O papel da Defesa Civil, por exemplo, a gente sempre vê muito mais no pós-desastre do que antes do desastre. E no pré-desastre é muito mais o comunicar, o prevenir, o antecipar…

É claro que nós temos que olhar adaptação e mitigação. Mitigação é muito mais sobre políticas públicas. Sem dúvida, você aumentar a rede de metrô vai fazer uma diferença importante em termos de mitigação, reduzindo o uso de automóveis.

Para mim, a grande questão que se coloca hoje é realmente a necessidade de se acompanhar de forma muito atenta as decisões nos planos diretores e articulá-los com os planos de ação climática. Ou seja, você não pode mais olhar um plano diretor separado disso e, ao mesmo tempo, tem que pensar em respostas importantes, como as soluções baseadas na natureza que vão, muitas vezes, interferir na lógica tradicional do espaço urbano.

Os meios de comunicação também precisam estar muito mais atentos, não apenas ao pós-desastre, onde todo mundo é solidário, mas à prevenção, a fortalecer a prevenção, e que a gestão pública também dialogue muito mais com a sociedade para prevenção. Temos que abrir cada vez mais, dar transparência para a gestão pública, que a gestão pública escute mais e, quando estamos falando de adaptação, que as adaptações sejam mais consistentes e não improvisadas.

O que os resultados de sua pesquisa apontam como necessário aplicar às políticas públicas para um enfrentamento mais eficaz às consequências da mudança do clima, especialmente no planejamento urbano?

Eu coordenei nos últimos 10 anos dois projetos grandes, um sobre a governança da macrometrópole paulista face às mudanças climáticas, focando no planejamento territorial. Inclusive, havia originalmente e foi desmontada uma estratégia de planejamento metropolitano na cidade. Em São Paulo, nós temos que olhar essa dimensão da água, por exemplo, pelo conjunto de bacias, não apenas o Alto Tietê, porque as águas de São Paulo vêm principalmente do nosso bioma, mas que vem de Minas Gerais. Se você tem estiagem em Minas Gerais, cada vez há menos água em São Paulo.

E um dos produtos que a gente desenvolveu, além de um livro mais acadêmico, foram agendas de política pública, que é uma forma de dialogar com a gestão pública. Mas não é uma tarefa simples, a difusão. Nós não temos espaço para difundir isso facilmente.

Agora concluí um projeto com o pessoal da Paraíba sobre segurança hídrica e mais uma vez produzimos um livro e 12 agendas de política pública. Justamente aí que entra um pouco esse olhar da transdisciplinaridade, ou seja, como fazer chegar mais perto, se possível, da gestão pública, ou pelo menos da população, mapeamentos participativos, tecnologias sociais, diferentes formas de diálogos.

A forma do diálogo com a gestão pública muitas vezes pode se dar através de vereadores, mas, lamentavelmente, nossas câmaras municipais estão muito contaminadas, defendendo principalmente os interesses do setor imobiliário.

As respostas que a gente dá nas pesquisas estão disponíveis para que a gestão pública possa incorporá-las na medida que acha interessante. Para mim, os temas principais são envolver mais a população para responder aos problemas. Por exemplo, uma das áreas que a gente trabalhou é a do Jardim Pantanal, que tem sido uma área de crise, de conflito terrível. Qual a solução da gestão pública? Expulsar a população sem dar uma solução definitiva. Então tudo isso significa o quê? Que você tem que conversar mais com a população, mas você tem que dar a resposta concreta.

Eu estou preocupadíssimo com o que está acontecendo no Jardim Pantanal e com as soluções que estão se dando. Inclusive as soluções da engenharia são muito duvidosas, porque muitas vezes as soluções são de curto prazo. Ninguém pode mais olhar a curto prazo, porque agora acontecem fenômenos que há 15 anos não aconteciam.

O quadro já é de aumento de temperatura real. O ideal do Acordo de Paris, que estabeleceu aumento de até 1,5 °C, já é totalmente superado. E como se reduz isso se você continua emitindo tanto, se as sociedades escolhem autocratas, seja no capitalismo, seja fora dele, que ainda não estão lidando de forma adequada com a redução das emissões?

Muitas vezes existem as soluções, como o modelo de cidade esponja. Quando da tragédia não imprevista de Porto Alegre, já tinha exemplos de espaços de esponja, mas não cidades de esponja, em Curitiba e Niterói. São Paulo praticamente não tem espaços esponja. Uma coisa é fazer o projeto, outra coisa a prefeitura incorporar essas ideias na sua política. Isso quase não está acontecendo.

Que mecanismos existem e deveriam ser criados para garantir, na prática, o diálogo com a sociedade e o protagonismo social para o enfrentamento dessa questão?

A primeira coisa é que as audiências públicas não sejam pró-forma, que levem em conta o que os cidadãos trazem e não venham com a receita pronta. Que se fortaleçam as práticas que já existiram do orçamento participativo, onde a população é realmente levada a se ver como protagonista. Que você tenha mais espaços nos diferentes territórios, que haja planos de bairro, que a população participe ativamente. Participação é essencialmente isso, trazer as pessoas para você escutá-las e, efetivamente, vir a desenvolver com elas formas em que elas se percebam como protagonistas de algo que vai ser importante para a autodefesa, para se proteger.

É fundamental reduzir a tutela e aumentar a corresponsabilização. A corresponsabilização não se dá de cima para baixo, mas de uma forma em que as pessoas sentem que têm informação suficiente para poder participar de uma assembleia, de um debate, ter posicionamento. Você tem que respeitar o direito de cidadania das pessoas.

Lamentavelmente, a sociedade tem escolhido péssimos vereadores e deputados, que de fato só estão preocupados com suas emendas. A gente vê pouquíssimos vereadores na cidade de São Paulo que são realmente pessoas que têm uma fala e uma preocupação com a cidade, com o direito à cidade, com o direito humano, evitando um uso totalmente desproporcional e despropositado da ocupação do território, o crescimento da produção imobiliária, a financeirização imobiliária e os grandes interesses econômicos.

Estadão
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