Na novela Vale Tudo, o transplante de medula óssea entre Afonso e seu irmão Leonardo, incapaz de expressar consentimento, levanta questões legais, mas é permitido se seguir normas que garantam segurança e autorização legal.
Na reta final do remake de Vale Tudo, da TV Globo, as principais pontas soltas da novela das nove começam a se resolver. Uma delas é o tratamento de leucemia de Afonso Roitman (Humberto Carrão), que recebeu um transplante de medula óssea do irmão tetraplégico, Leonardo (Guilherme Magon). O procedimento, que foi ao ar no capítulo de quarta-feira, 15, é marcada por um dilema: o doador não consegue se comunicar.
Receba as principais notícias direto no WhatsApp! Inscreva-se no canal do Terra
Na trama, desde que sofreu um acidente de carro provocada por sua mãe, Odete Roitman (Deborah Bloch), há 13 anos, Leonardo não consegue andar e falar. As cenas deixam dúvidas se o personagem é capaz de entender as interações com os demais familiares. Com isso, espectadores levantaram a dúvida acerca da legalidade da doação.
Isso porque o filho da vilã de Vale Tudo não possui capacidade de expressar consentimento --fator decisivo em casos reais desse tipo de procedimento. Segundo a lei brasileira, ele é considerado um “indivíduo juridicamente incapaz”, visto que não consegue expressar suas vontades.
Porém, é possível que a operação aconteça mesmo assim, desde que alguns fatores sejam garantidos. O primeiro é que seus representantes legais - neste caso, seus familiares -, concordem com a doação.
Também é necessário comprovar que o doador não será exposto a nenhum risco e que haja compatibilidade com o receptor, além do consentimento vindo do próprio doador ou seu representante legal, caso seja menor de 18 anos ou se encontre incapacitado, como é o caso de Leonardo.
Segundo Fernanda Zucare, advogada especialista em Direito Civil e de Família, há três normas que regulam esse tipo de prática:
- Lei nº 9.434, de 1997, que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento;
- Decreto nº 9.175, de 2017, que regulamenta a lei anterior e define as normas para autorização, retirada e transplante;
- Resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM), especialmente a Resolução CFM nº 1.480/1997 e suas posteriores, que tratam de ética e consentimento em transplantes.
Em entrevista ao Terra, Zucare explica que o procedimento é permitido tanto entre vivos quanto entre falecidos, desde que não haja risco previsível à vida do doador e que o ato seja voluntário e gratuito. “Há exceções: a doação entre vivos só é autorizada entre parentes consanguíneos até o quarto grau ou com autorização judicial, quando houver vínculo afetivo comprovado”, afirmou.
Ou seja, apesar das controvérsias que envolvem a família de bilionários, o transplante entre Leonardo e Afonso é legal.
Ainda assim, a questão não é definitiva, já que o caso pode voltar a ser judicializado. Zucare conta que, apesar de raros, existem casos em que o transplante de medula óssea causa problemas legais. Por exemplo: a validade do consentimento pode ser posta em xeque, e se for comprovado que houve algum risco grave à saúde do doador, pode gerar responsabilidade civil e ética do hospital ou dos médicos.
Além disso, pode-se levantar suspeita de coação, induzimento ou vantagem financeira, ou a cirurgia pode enfrentar erros médicos ou falhas de protocolo. Nesses casos, o hospital pode ser obrigado a indenizar os envolvidos.