Bulas de remédios usados por Bolsonaro dizem que alucinação é "incomum" e ocorre entre 0,1% e 1% dos pacientes

Especialistas ouvidos pelo Terra explicam os efeitos colaterais dos medicamentos citados pelo ex-presidente

24 nov 2025 - 15h47
(atualizado às 16h49)
Resumo
Jair Bolsonaro atribuiu à combinação de medicamentos, incluindo pregabalina e sertralina, episódios de alucinações e confusão mental; especialistas ressaltam que tais efeitos são incomuns, mas podem ser potencializados por interações medicamentosas.
O ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro deixa sua casa após uma operação de busca, em Brasília, Brasil, 3 de maio de 2023.
O ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro deixa sua casa após uma operação de busca, em Brasília, Brasil, 3 de maio de 2023.
Foto: Reuters/Adriano Machado

O ex-presidente Jair Bolsonaro alegou à Justiça que a tentativa de romper a tornozeleira eletrônica com um ferro de solda foi motivada por "alucinações" causadas por medicamentos, citando a pregabalina e a sertralina. Segundo a bula dos remédios, essa reação pode acontecer, mas é incomum. O Terra também conversou com especialistas para entender os efeitos colaterais desses remédios. 

A sertralina é um antidepressivo, indicado para o tratamento de transtorno depressivo e de ansiedade. O remédio atua sobre a serotonina, um neurotransmissor presente no cérebro, ajudando a aliviar os sintomas dos transtornos. 

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Conforme o Dr. João Pedro Wanderley, psiquiatra do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, no início do tratamento, esse medicamento pode gerar efeitos colaterais como boca seca, náusea, vômitos, alteração do apetite e intestinal e dor de cabeça leve.

Já a pregabalina é uma medicação da classe dos anticonvulsivantes. O remédio é comumente usado para transtornos de ansiedade e quadros de dor crônica em adultos, sobretudo neuropática -- dor devido à lesão e/ou mau funcionamento dos nervos e/ou do sistema nervoso. A pregabalina age regulando a transmissão de mensagens excitatórias entre as células nervosas.

Entre os efeitos colaterais comuns no começo do tratamento com esse remédio, o especialista cita sonolência, fadiga, tontura e lentificação psicomotora -- que, dependendo da bula, pode ser traduzido como quadros de confusão mental. "Essa confusão mental é da diminuição da atenção e da diminuição da velocidade dos processos psíquicos. O paciente, às vezes, tem uma latência de resposta um pouco mais aumentada. Por isso, no início, é sugerido começar com doses leves para ver a adaptação do paciente", explica Dr. João Pedro.

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E a alucinação, podem causar?

A bula das duas medicações indica que a alucinação -- citada pelo ex-presidente -- também é um evento adverso. A reação, no entanto, é incomum e ocorre entre 0,1% e 1% dos pacientes que utilizam esses remédios. A alucinação é uma perturbação mental que se caracteriza pelo aparecimento de sensações, visuais ou auditivas, por exemplo, atribuídas a causas que não existem na realidade. 

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De acordo com Marcelo Polacow, presidente do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP), há alguns aspectos que podem potencializar os efeitos dos dois medicamentos, como a dose que foi utilizada. "A alucinação pode ocorrer, é uma reação adversa, mas não é todo paciente que vai ter. Mas, quando você associa os dois medicamentos, o risco de acontecer é potencializado", detalha.

Embora esteja mencionada nas bulas, o Dr. João Pedro afirma que, na prática clínica, não observou alucinações pelo uso desses remédios, sendo associados ou não. "Na psiquiatria, a gente tem que avaliar o paciente como um todo e entender o que pode estar causando aquele quadro psiquiátrico. A alucinação está muito relacionada a um quadro de base do paciente. Falando da pregabalina e da sertralina, não é comum a gente observar alucinação, não é algo esperado."

Para Marcelo, para mensurar se a alucinação realmente foi efeito dos medicamentos, é preciso investigar a fundo. "Deveria ter sido feito uma mensuração do nível plasmático [por meio de um exame de sangue] dessas drogas no momento da prisão dele", diz. 

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O que dizem os médicos de Bolsonaro?

Em boletim, a equipe médica de Jair Bolsonaro informou que o medicamento que teria causado o quadro de confusão mental e alucinações foi suspenso. Segundo os médicos, a pregabalina foi receitada por outra médica com o objetivo de otimizar o tratamento, mas sem o conhecimento ou consentimento da  equipe. 

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"Esse medicamento apresenta importante interação com os medicamentos que ele utiliza regularmente para tratamento das crises de soluços (clorpromazina e a gabapentina) e tem como reconhecidos efeitos colaterais, a alteração do estado mental com a possibilidade de confusão mental, desorientação, coordenação anormal, sedação, transtorno de equilíbrio, alucinações e transtornos cognitivos", justificam o cirurgião geral Claudio Birolini e o cardiologista Leandro Echenique.

"O medicamento foi suspenso imediatamente, sem sintomas residuais neste momento. Foram realizados os ajustes necessários na medicação, restabelecendo a orientação anterior. Seguiremos acompanhando a evolução clínica do ex-presidente e realizando reavaliações periódicas", acrescentam.

O presidente do CRF-SP explica que todos esses remédios são depressores do sistema nervoso central e a interação medicamentosa entre clorpromazina, pregabalina, sertralina e gabapentina envolve riscos significativos.

"Quando você associa dois, três depressores, quanto mais você associa ao mesmo tempo, maior probabilidade de ter efeitos como sonolência, alteração da cognição, alterações de maneira geral", destaca. "Por isso, qualquer uso de medicamento, principalmente medicamentos psicotrópicos, deve ser feito sob estrito acompanhamento médico e farmacêutico", completa.

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Fonte: Portal Terra
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