Ivana Andrade enfrentou 20 anos de sintomas debilitantes e gaslighting médico até ser diagnosticada com Síndrome da Fadiga Crônica, tornando-se uma ativista pelos direitos de pacientes invisibilizados no Brasil.
Ivana Andrade, de 35 anos, passou duas décadas buscando entender por que seu corpo não respondia como o das outras pessoas. Desde os 10 anos, ela sente uma fadiga extrema, que muitas vezes a impede de levantar da cama. Mas foi apenas em 2022 que conseguiu realizar exames que contribuíram para o diagnóstico: Síndrome da Fadiga Crônica (SFC).
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A doença causa fadiga intensa, sono não reparador e mal-estar após esforços. Além disso, dois critérios ajudam a fechar o diagnóstico: intolerância ortostática (dificuldade de permanecer em pé por longos períodos) e dificuldade de raciocínio. Para ser diagnosticado, é necessário apresentar pelo menos um desses sintomas.
No caso de Ivana, os sinais são diversos. Ela conta que já viveu períodos em que os sintomas se intensificaram e outros em que diminuíram, mas o cansaço sempre esteve presente. “Eu sinto um cansaço na região da cabeça e do pescoço, como se eu não conseguisse segurar a minha cabeça”, contou.
Outros sintomas fazem parte do seu cotidiano, como episódios de déficit cognitivo, dificuldade para ficar de pé, disfunção gastrointestinal e bexiga hiperativa. Embora a dor não seja critério para diagnóstico, Ivana relata que também sente dores.
Cerca de 20 anos separaram Ivana de um tratamento adequado, e essa demora trouxe impactos emocionais com os quais ela lida até hoje. “Você tem um corpo que te proporciona uma realidade diferente das pessoas que estão à sua volta. Então, inevitavelmente desencadeia em questões emocionais. Agora, no processo de diagnóstico, isso é ainda mais intenso e muito mais difícil, porque você se depara com um monte de gente duvidando de você”, revelou.
Como o gaslighting médico afetou a vida de Ivana
O gaslighting médico é um tipo de abuso psicológico que ocorre quando profissionais de saúde minimizam, ignoram ou invalidam sintomas e preocupações de um paciente, fazendo-o duvidar da própria percepção, memória e sanidade.
Ivana lembra que esse tipo de situação esteve presente desde o início da sua busca por respostas. Ela passou por cerca de 20 profissionais, sabia que havia algo errado com seu corpo, mas precisou ouvir comentários que descredibilizavam seus sintomas.
“Eu acho que o gaslighting médico é uma coisa que te destrói. Te destrói por dentro, porque seu corpo te manda mensagens, você está percebendo aquilo tudo e o profissional da saúde coloca a sua credibilidade em questão, não só para você mesmo, mas também para toda sua família”, contou.
Embora relatasse seus sintomas, os médicos frequentemente associavam tudo ao campo emocional, perguntando sobre sua vida pessoal. Apesar de Ivana ter depressão e ansiedade, o problema era muito maior.
“Uma médica achava que eu tinha transtorno de ansiedade generalizada, depressão e Síndrome da Fadiga Crônica, mas disse que nunca tinha tratado nenhum paciente na prática, que ela só tinha visto na literatura”, lembrou. Com um possível diagnóstico em mãos, Ivana encontrou um pesquisador em Londres que confirmou a suspeita.
A solidão de viver com uma doença incapacitante
Formada em Direito, Fotografia e Psicologia, Ivana ama caminhar e estar perto da natureza, mas não consegue ficar de pé tempo o suficiente para aproveitar o dia entre florestas e mares. Há anos ela não sabe o que é correr. E quando recebe um convite para viajar? Seu corpo não responde como o das outras pessoas.
“Na maior parte do tempo em que eu estou em casa, estou na cama, porque a posição horizontal é mais aceitável para o meu corpo. Eu não consigo, por exemplo, ir para uma balada como os meus amigos conseguem. Se eu saio, a minha bateria é muito mais baixa do que das outras pessoas que estão comigo”, revelou.
Ela lembra que seu último relacionamento terminou porque a parceira não suportou o peso da doença. “Ela dizia que eu nunca subiria o Everest com ela”, disse.
Um nome na luta pelos direitos de pessoas com SFC
Um estudo publicado pelo National Health Interview Survey (NHIS) em 2023 mostrou que a Encefalomielite Miálgica/Síndrome da Fadiga Crônica (EM/SFC) acomete cerca de 1,3% da população dos Estados Unidos. Os dados, coletados entre 2021 e 2022, sugerem que, no Brasil, o número pode chegar a 2,6 milhões de pessoas.
Ivana faz parte desse grupo e, após receber o diagnóstico, tem se empenhado em dar voz a pacientes que frequentemente são invisibilizados.
“Eu acho que a gente precisa de um primeiro passo, que é a formação de um profissional da saúde que garanta o diagnóstico e tratamento. Fazer um acolhimento adequado desses pacientes que estão perdidos no sistema. Não estamos falando de uma doença rara, estamos falando de uma doença comum, uma doença que afeta mais de 2 milhões de brasileiros e sobre a qual não falamos".
Desde o diagnóstico, Ivana participou de diversas reuniões com autoridades do Ministério da Saúde, Ministério da Ciência e Tecnologia, membros da Capes e secretarias de saúde. No dia 11 de novembro, ela participou de uma audiência pública que busca implementar políticas públicas para pessoas com Síndrome da Fibromialgia, Síndrome da Fadiga Crônica, dor complexa regional e doenças correlaras.