Dezembro mal começa e já sabemos como a história termina: pratos cheios, copos sempre sendo reabastecidos e a clássica promessa de que "ano que vem eu começo a dieta — promessa que se renova a cada dezembro". As festas de final de ano têm esse poder quase mágico de suspender a moderação e o bom senso. Entre ceias fartas, sobremesas irresistíveis e brindes sucessivos, o corpo entra em modo de celebração total. Enquanto isso, o fígado assume um papel silencioso, trabalhando intensamente para lidar com o excesso de gorduras, açúcares e bebidas alcoólicas típicos dessa época.
O fígado é um dos órgãos mais importantes do organismo humano. Ele participa da metabolização do álcool, da digestão das gorduras, da produção da bile e de processos de "limpeza" metabólica, transformando substâncias para que sejam utilizadas ou eliminadas com segurança. Em períodos de excessos alimentares e etílicos, é comum surgirem sinais de sobrecarga, como sensação de estômago pesado, estufamento, náuseas, cansaço e indisposição.
Fitoterapia como aliada nas festas de final de ano
Nesse contexto, a fitoterapia pode ser uma aliada, oferecendo plantas com compostos bioativos que auxiliam a digestão, estimulam a produção de bile e contribuem para a proteção das células hepáticas por mecanismos antioxidantes e anti-inflamatórios. Uma das formas mais tradicionais e acessíveis de uso dessas plantas é por meio das infusões (os populares chás).
Como preparar uma infusão
Ferva a água e desligue o fogo. Adicione a planta seca (ou a parte indicada), tampe o recipiente e deixe em repouso pelo tempo recomendado. Esse "tempo abafado" ajuda a extrair os compostos da planta. Depois, coe e consuma. Sempre prefira matéria-prima de boa procedência e evite adoçar para não "anular" o objetivo de aliviar o sistema digestivo após as festas.
Alcachofra (Cynara scolymus)
É uma das plantas mais conhecidas quando o assunto é digestão de gorduras e suporte ao fígado. Entre seus principais compostos estão os ácidos cafeoilquínicos (com destaque para a cinarina) e flavonoides como luteolina e seus derivados. Esses princípios ativos estão associados a uma ação colerética e colagoga, isto é, podem estimular a produção e a liberação de bile, facilitando a emulsificação e a digestão das gorduras. Além disso, seus compostos fenólicos e flavonoides atuam como antioxidantes, ajudando a reduzir o estresse oxidativo que pode aumentar após consumo de álcool e refeições muito gordurosas.
Modo de preparo da infusão (alcachofra): utilizar 1 colher de sopa das folhas secas para 1 xícara de água fervida. Tampar e deixar em infusão por cerca de 10 minutos. Coar e consumir.
Boldo (Peumus boldus ou Plectranthus barbatus)
Tradicionalmente utilizado para desconfortos digestivos, o boldo tem como destaque a boldina (no Peumus boldus), além de outros alcaloides e compostos fenólicos. A boldina é relacionada a efeito antioxidante e a uma ação de proteção celular, contribuindo para neutralizar radicais livres gerados no metabolismo. O amargor característico da planta também está ligado ao estímulo reflexo das secreções digestivas, incluindo a bile, o que pode favorecer a digestão após excessos alimentares. Em termos populares, ele é lembrado como "chá do dia seguinte", mas seu uso deve ser sempre moderado e consciente.
Modo de preparo da infusão (boldo): utilizar 1 colher de chá das folhas secas para 1 xícara de água fervida. Tampar e deixar em infusão por 5 a 10 minutos. Coar e consumir. Por ser bastante amargo, costuma ser melhor em pequenas quantidades.
Carqueja (Baccharis trimera)
Planta de sabor amargo e muito usada para "organizar" a digestão. Seus principais princípios ativos incluem flavonoides (como apigenina e quercetina em diferentes perfis), saponinas e diterpenos. Os compostos amargos e os flavonoides estão associados ao aumento da secreção gástrica e biliar, contribuindo para melhor digestão, especialmente de refeições ricas em gordura. Já a ação antioxidante e anti-inflamatória dos flavonoides pode colaborar para a proteção do tecido hepático em situações de sobrecarga metabólica.
Modo de preparo da infusão (carqueja): adicionar 1 colher de sopa da planta seca para 1 xícara de água fervida. Tampar e deixar em infusão por 10 minutos. Coar e consumir.
Dente-de-leão (Taraxacum officinale)
Apesar de ser lembrado como planta espontânea, tem longa tradição de uso. Entre seus principais componentes estão lactonas sesquiterpênicas (responsáveis por parte do amargor), flavonoides e inulina. As lactonas e compostos amargos estão associados ao estímulo do apetite e das secreções digestivas, incluindo bile, ajudando na digestão de gorduras. A inulina, uma fibra prebiótica, pode favorecer a saúde intestinal, o que é relevante porque intestino e fígado trabalham em "parceria" no metabolismo e na eliminação de substâncias. Além disso, o dente-de-leão é conhecido por leve efeito diurético, que pode ajudar na sensação de inchaço após refeições salgadas.
Modo de preparo da infusão (dente-de-leão): utilizar 1 colher de sopa das folhas ou raízes secas para 1 xícara de água fervida. Tampar e deixar em infusão por cerca de 10 minutos. Coar e consumir.
Cúrcuma (Curcuma longa)
Conhecida como açafrão-da-terra, destaca-se pelos curcuminoides, especialmente a curcumina. Esses compostos têm atividade antioxidante e modulam vias inflamatórias no organismo, o que está associado a efeito protetor em diferentes tecidos. No contexto hepático e digestivo, a cúrcuma pode favorecer a digestão ao apoiar o fluxo biliar e contribuir para reduzir o estresse oxidativo relacionado a dietas ricas em gordura. Por ser uma planta de sabor marcante, muitas pessoas também a incorporam na alimentação; em forma de infusão, o ideal é manter a preparação simples.
Modo de preparo da infusão (cúrcuma): utilizar 1 colher de chá do rizoma seco ou em pó para 1 xícara de água fervida. Tampar e deixar em infusão por 10 minutos. Coar e consumir.
Se você não gosta de fazer uso de infusões, você pode também fazer uso de cápsulas de extrato seco dessas plantas, de extrato seco ou do pó dessas plantas. Para isso, consulte um profissional de saúde para ver a dosagem adequada de cada uma à sua necessidade. Lembrando que são fitoterápicos que necessitam de receita de profissional de saúde e são adquiridos em farmácia de manipulação. Mesmo sendo naturais, plantas medicinais têm substâncias ativas e podem ter contraindicações e interações com medicamentos; por isso, orientação profissional é sempre a escolha mais segura.
As festas de final de ano são momentos de celebração, encontros e alegria — e não precisam vir acompanhadas de culpa. Aproveitar com consciência e cuidar do corpo depois é um gesto de equilíbrio. Pequenas escolhas, como hidratação, refeições mais leves no dia seguinte e o uso responsável de plantas medicinais, podem ajudar o organismo a retomar o ritmo com mais conforto.
Desejo a todos os leitores da minha coluna boas festas e um novo ano com mais saúde e equilíbrio. Agradeço por estarem presentes em mais um ano de troca e aprendizado.