Pesquisadores alemães creem ter rastreado origem da doença que matou um terço da população europeia na Idade Média: patógeno teria vindo em grãos da Ásia Central, importados para combater fome gerada por catástrofe.Uma catástrofe climática que forçou uma reconsideração das rotas comerciais foi provavelmente responsável pela Peste Negra na Europa do século 14, sugerem pesquisadores.
Publicado na revista Communications Earth & Environment , o novo estudo combinou registros históricos com análises de núcleos de gelo polar e anéis de árvores europeias. Os pesquisadores Martin Bauch, do Instituto Leibniz, na Alemanha, e Ulf Büntgen, da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, concluíram que uma erupção vulcânica não identificada por volta de 1345 lançou cinzas e enxofre na atmosfera terrestre, resfriando o clima e causando quebras de safra em todo o Mediterrâneo.
Isso forçou as poderosas cidades portuárias a abrirem o comércio com o império nômade Canato da Horda Dourada, que dominava a Ásia Central na época. Ao fazer isso, proporcionaram passagem segura para a Europa da Yersinia pestis, a bactéria causadora da peste .
As cidades-Estado italianas haviam desenvolvido estratégias bem-sucedidas de segurança alimentar. Mas elas não foram páreo para a peste.
"Por meio de uma combinação de várias coincidências, você obtém um efeito colateral inesperado. Você não poderia - da perspectiva do século 14 - calcular e prever que isso aconteceria: o mesmo sistema que te salva da fome levará à morte em massa quando a Peste Negra atinge sua cidade", disse Bauch, que é historiador ambiental.
Origens da Peste Negra
A peste é causada pela bactéria Yersinia pestis. Peste Negra é o nome dado a uma grande onda de peste que assolou a Europa entre 1347 e 1351.
Se mordida por um animal, como uma pulga ou um roedor infectado com a bactéria, a pessoa desenvolve sintomas como inchaço dos gânglios linfáticos - chamados de "bubões" - e possivelmente uma combinação de febre, fadiga, vômitos, náuseas e dores. Se os pulmões são infectados, a peste se transforma em peste pneumônica - um tipo que se espalhava mais rapidamente e era sempre fatal.
Felizmente, o desenvolvimento de antibióticos que matam bactérias praticamente relegou a doença ao passado. Mas ela ainda persiste como um problema em algumas partes do mundo, especialmente em Madagascar, na República Democrática do Congo e no Peru. Casos foram relatados recentemente no oeste dos Estados Unidos, da Bolívia, e no sul e centro da Ásia.
O Brasil não registra casos humanos de peste desde 2005, de acordo com o Ministério da Saúde. O último ocorreu no Ceará. Atualmente, duas áreas são tidas como focos naturais da bactéria: a região Nordeste (exceto Maranhão e Sergipe) e a cidade de Teresópolis, no estado do Rio de Janeiro.
Conforme o Ministério da Saúde, existem outras áreas pestígenas no território mineiro do Vale do Rio Doce e Vale do Jequitinhonha, que podem ser consideradas como extensão do foco do Nordeste.
A Peste Negra provavelmente teve origem na Ásia Central. Em 2022, outro grupo de pesquisadores da Alemanha e do Reino Unido conseguiu identificar a origem da chamada "cepa original" da Yersinia pestis, ligando-a a surtos em 1338 nas montanhas Tian Shan, que fazem fronteira com o atual Quirguistão.
É provável que, por meio do comércio e da movimentação humana, roedores e insetos portadores da doença tenham sido transportados por longas distâncias até a Eurásia Ocidental e a Europa, levando a peste consigo.
Marcadores ambientais, implicações históricas, comércio
A forma como a peste chegou à Europa tem sido amplamente debatida por pesquisadores. Neste estudo recente, Bauch e Büntgen utilizaram uma combinação de dados científicos e registros históricos para detalhar pelo menos uma possível via de entrada da doença no continente.
Em seu artigo, eles argumentam que os anéis de crescimento de árvores em oito regiões da Europa e o enxofre vulcânico em núcleos de gelo polar mostram que uma grande erupção vulcânica tropical em 1345 pode ter causado um efeito de resfriamento climático que impactou as colheitas do Mediterrâneo e provocou a fome no sul da Europa.
Registros mostram que importantes cidades portuárias italianas, como Veneza e Gênova, negociaram com a Horda Dourada mongol perto do fim dessa fome, para importar grãos pelas rotas comerciais do Mar Negro.
O fornecimento de grãos para a região ajudou a evitar a fome entre os habitantes locais, mas provavelmente introduziu a peste, que continuou a se espalhar pelos estados italianos à medida em que os grãos chegavam a outras cidades.
O uso de referências ambientais, como anéis de crescimento de árvores e núcleos de gelo, permite que cientistas e historiadores trabalhem juntos para entender como as mudanças ambientais podem ter influenciado eventos sociais e de saúde pública.
Estudos de mudanças sutis nos anéis de crescimento de árvores e outros "indicadores naturais" auxiliam no que é conhecido como reconstrução paleoclimática - a compreensão de climas antigos.
"Somente os anéis de crescimento de árvores têm a qualidade que realmente nos permite conectar as informações", disse Bauch.
Uma vez que os dados científicos são combinados com registros históricos, pesquisadores como Bauch e Büntgen podem começar a explicar os fatores que podem ter impulsionado grandes eventos, incluindo a Peste Negra.
Maria Spyrou, paleopatologista da Universidade de Tübingen, na Alemanha, que liderou o grupo que identificou a origem da peste em 2022, afirma que o novo estudo de Bauch e Büntgen adicionou mais uma peça ao quebra-cabeça de como a peste se infiltrou e infectou a Europa medieval.
"O estudo [de Bauch e Büntgen] fornece mais evidências de que a pandemia surgiu em meados do século 14 e está em consonância com dados genéticos que mostram que os ancestrais das cepas da Peste Negra na Europa existiam tanto na região do Volga quanto na região de Tian Shan", disse Spyrou à DW por e-mail.
Mas Spyrou pondera que, embora o estudo contribua ao apontar mais uma possível rota da peste, ainda não está claro como ela se espalhou pela Ásia Central.
Bauch concorda com essa avaliação. Ele afirmou que o estudo deles oferece apenas uma das várias explicações possíveis sobre como a peste entrou e se espalhou pela Europa no século 14.