Quando você está em uma viagem de acampamento, talvez precise levar sua própria comida e algo para filtrar ou tratar a água que encontrar. Mas imagine que seu acampamento é no espaço, onde não há água, e levar galões de água ocuparia um grande espaço onde cada centímetro de carga é importante. Esse foi um dos principais desafios que os engenheiros enfrentaram ao projetar a Estação Espacial Internacional (ISS).
Antes de a NASA desenvolver um sistema avançado de reciclagem, a água representava quase metade da carga útil dos ônibus espaciais que viajavam para a ISS. Sou engenheiro ambiental e conduzo pesquisas no Laboratório de Ciências da Vida Espacial do Centro Espacial Kennedy. Como parte desse trabalho, ajudei a desenvolver um sistema de recuperação de água em circuito fechado.
Hoje, a NASA recupera mais de 90% da água usada no espaço. Água limpa mantém a tripulação de astronautas hidratada, limpa e alimentada, pois pode ser usada para reidratar alimentos. A recuperação da água usada é a base do sistema de suporte de vida em circuito fechado essencial para futuras bases lunares, missões a Marte e mesmo possíveis colônias espaciais.
Uma visão em close-up das prateleiras do sistema de recuperação de água - elas contêm o hardware que fornece um suprimento constante de água limpa para quatro a seis tripulantes a bordo da ISS. NASA
O sistema de controle ambiental e suporte de vida da NASA é um conjunto de equipamentos e processos que desempenha várias funções para gerenciar a qualidade do ar e da água, resíduos, pressão atmosférica e sistemas de resposta a emergências, como detecção e supressão de incêndios. O sistema de recuperação de água — um componente do controle ambiental e suporte de vida — sustenta os astronautas a bordo da ISS e desempenha um papel central na reciclagem de água.
Sistemas construídos para microgravidade
Em ambientes de microgravidade como a ISS, toda forma de água disponível é valiosa. Os sistemas de recuperação de água na ISS coletam água de várias fontes, incluindo urina, umidade do ar da cabine e higiene - ou seja, de atividades como escovar os dentes.
Na Terra, são vários tipos de águas residuais: residenciais de pias, chuveiros e vasos sanitários; industriais de fábricas e processos de fabricação; e de escoamento agrícola, que contém fertilizantes e pesticidas.
No espaço, as águas residuais dos astronautas são muito mais concentradas do que as águas residuais terrestres. Elas contêm níveis significativamente mais altos de ureia - um composto da urina -, sais e surfactantes de sabonetes e materiais usados para higiene. Para tornar a água potável novamente, o sistema precisa remover tudo isso de forma rápida e eficaz.
Os sistemas de recuperação de água usados no espaço empregam alguns dos mesmos princípios do tratamento de água na Terra. Mas eles são projetados especificamente para funcionar em microgravidade, e com manutenção mínima. Esses sistemas também devem operar por meses ou até anos sem a necessidade de peças de reposição ou intervenção manual.
O sistema de recuperação de água da NASA captura e recicla quase todas as formas de água usadas ou geradas a bordo da estação espacial. Ele encaminha a água residual coletada para um sistema chamado "conjunto processador de água", onde ela é purificada e transformada em água potável segura que excede muitos dos padrões para água potável na Terra.
O sistema de recuperação e tratamento de água na ISS consiste em vários subsistemas.
Recuperando água da urina e do suor
O conjunto processador de urina recupera cerca de 75% da água da urina por meio de aquecimento e compressão a vácuo. A água recuperada é enviada para o conjunto processador de água para tratamento adicional. O líquido restante, chamado salmoura, ainda contém uma quantidade significativa de água. Por isso, a NASA desenvolveu um sistema de processamento de salmoura para extrair a fração final de água dessa salmoura de urina.
No conjunto processador de salmoura, ar quente e seco evapora a água da salmoura restante. Um filtro separa os contaminantes do vapor de água, e o vapor de água é coletado para se tornar água potável. Essa inovação elevou a taxa geral de recuperação de água do sistema para impressionantes 98%. Os 2% restantes são combinados com os outros resíduos gerados.
O filtro usado no processamento de salmoura ajudou a alcançar 98% de recuperação. NASA
Já o sistema de revitalização do ar condensa a umidade do ar da cabine - principalmente o vapor de água do suor e da respiração - em água líquida. Ele direciona esta água recuperada para o conjunto do processador de água, que trata toda a água coletada.
Tratamento da água recuperada
O processo de tratamento do conjunto do processador de água inclui várias etapas.
Primeiro, toda a água recuperada passa por filtros para remover partículas em suspensão, como poeira. Em seguida, uma série de filtros remove sais e alguns dos contaminantes orgânicos, seguido por um processo químico chamado oxidação catalítica, que usa calor e oxigênio para decompor os compostos orgânicos restantes. A etapa final é adicionar iodo à água para impedir o crescimento microbiano enquanto ela está armazenada.
O astronauta Koichi Wakata, da Agência de Exploração Aeroespacial Japonesa, ao lado do sistema de recuperação de água da Estação Espacial Internacional, que recicla urina e águas residuais em água potável. Como Wakata diz com humor: "Aqui a bordo da ISS, transformamos o café de ontem no café de amanhã".
O resultado é água potável — muitas vezes mais limpa do que a água da torneira de uma cidade na Terra.
Indo para Marte e além
Para tornar possíveis as missões humanas a Marte, a NASA calcula que as naves espaciais devem recuperar pelo menos 98% da água utilizada a bordo. Embora ainda faltem alguns anos para que viagens autossustentáveis a Marte sejam possíveis, o novo processador de salmoura na ISS aumentou a taxa de recuperação de água o suficiente para que essa meta de 98% agora esteja ao alcance. No entanto, é necessário mais trabalho para desenvolver um sistema compacto que possa ser usado em uma nave espacial.
A viagem a Marte é complexa não apenas por causa da distância envolvida, mas porque Marte e Terra estão em constante movimento em suas respectivas órbitas ao redor do Sol.
O afastamento entre os dois planetas varia dependendo de suas posições. Em média, eles estão a cerca de 225 milhões de quilômetros de distância, com a aproximação teórica mais curta, quando as órbitas dos dois planetas convergem, chegando a 54,6 milhões de quilômetros.
Uma missão tripulada típica deve levar cerca de nove meses em cada sentido. Uma missão de ida e volta a Marte, incluindo operações na superfície e planejamento da trajetória de retorno, pode durar cerca de três anos. Além disso, as janelas de lançamento se abrem apenas a cada 26 meses, quando a Terra e Marte se alinham favoravelmente.
Enquanto a NASA se prepara para enviar humanos em expedições de vários anos ao planeta vermelho, agências espaciais em todo o mundo continuam focadas em melhorar a propulsão e aperfeiçoar os sistemas de suporte à vida. Avanços em sistemas de circuito fechado, suporte robótico e operações autônomas estão tornando o sonho de colocar humanos em Marte cada vez mais próximo da realidade.
Berrin Tansel não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.