Uma série de projeções em São Paulo marcou o início de uma mobilização em diferentes Estados pelo veto total do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao PL do Licenciamento Ambiental. O projeto de lei propõe mudanças no modelo atual e tem sido criticado por organizações, cientistas, ambientalistas e parte do setor empresarial, que alertam para riscos de prejuízos ecológicos e aumento da judicialização.
A proposta é defendida por entidades ligadas à infraestrutura e ao agronegócio. O argumento é de redução do que chamam de burocracias e morosidade no modelo atual.
Em São Paulo, uma das intervenções da mobilização envolveu a projeção de um "Veta tudo, Lula" e outras frases contra o PL na fachada de prédio na região central. A ação é chamada de "Noite de luzes contra o PL da Devastação", que inclui projeções em pontos movimentados, como bares, shows e baladas, com a participação da sociedade civil e de ativistas, de acordo com os organizadores.
As mobilizações são organizadas pela Coordenação de Estados de Movimentos Ambientalistas do Brasil e a Frente SP Contra o PL da Devastação. No caso das projeções, são realizadas por "artivistas" (artistas ativistas), como Mozart Santos e Lílian Amaral.
Na última semana, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse que o presidente Lula pediu um trabalho minucioso para preservar as bases do licenciamento ambiental. "Toda estratégia do governo é tendo claro que não basta vetar — é preciso que a gente coloque algo no lugar. E esse pensar tem a ver com as alternativas que a lei faculta ao Poder Executivo. Ou você faz essa reparação por projeto de lei ou por medida provisória", afirmou.
No governo federal, a análise do texto aprovado é feita especialmente pelos ministérios da Casa Civil, do Meio Ambiente e de Relações Institucionais. O projeto foi aprovado pelo Congresso Nacional em julho em meio a críticas, após a Câmara dos Deputados dar aval a diversas mudanças feitas pelo Senado.
Dentre os principais pontos, o projeto:
- Retira a prevalência das disposições do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) para os licenciamentos de atividades ou de empreendimentos minerários de grande porte e/ou de alto risco;
- Cria a Licença Ambiental Especial (LAE), que se dará para projetos previamente listados pelo Executivo federal;
- Cria a Licença Ambiental Única (LAU), modalidade de licença que, em uma única etapa, atesta a viabilidade da instalação, da ampliação e da operação de atividade ou de empreendimento;
- Cria o licenciamento ambiental simplificado por adesão e compromisso (LAC), inspirado no modelo já aplicado em alguns Estados do País. O LAC poderá ser pedido pelo interessado sem necessidade de estudos de impacto e utilizado para servic¸os e obras de duplicação de rodovias ou pavimentac¸a~o naquelas já existentes ou em faixas de domínio;
- Permite renovação automática de licença online para atividade ou empreendimento caracterizado como de baixo ou médio potencial poluidor e pequeno ou médio porte, se cumpridos alguns requisitos;
- Retira a necessidade de licenciamento para as seguintes atividades agropecuárias: cultivo de espécies de interesse agrícola, temporárias, semiperenes e perenes; pecuária extensiva e semi-intensiva; pecuária intensiva de pequeno porte; pesquisa de natureza agropecuária, que não implique risco biológico e com autorização prévia de órgãos competentes;
- Dispensa do licenciamento obras para os sistemas e as estações de tratamento de água e de esgoto sanitário, até o atingimento das metas de universalização da Lei do Saneamento Básico (até 2033, 99% dos brasileiros terem água tratada em suas torneiras e 90% com à coleta e ao tratamento de esgoto);
- Prevê procedimentos simplificados e prioridade na análise para o licenciamento ambiental de projetos relacionados ao saneamento e à segurança energética nacional;
- Institui prazos para órgãos ambientais efetuarem licenciamentos;
- Aumenta a pena para operação sem licença: atualmente é de um a seis meses, e passa a ser de seis meses a dois anos para quem construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais;
- Derruba artigo que previa que, em caso de situação de emergência ou de estado de calamidade pública, ações de resposta imediata ao desastre poderiam ser executadas independentemente de licenciamento ambiental.
O que dizem os críticos do PL?
Ambientalistas e parte do empresariado — veem riscos ecológicos e de mais insegurança jurídica.
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) divulgou um manifesto contra o texto e cobra que o governo federal vete o projeto.
A entidade afirma que o projeto representa "o mais grave retrocesso do sistema ambiental do País" desde a redemocratização, além de ignorar a situação de emergência climática.
"As alterações parecem favorecer a interesses particulares ou setoriais, pois ignoram as inúmeras evidências científicas que demonstram a gravidade da crise climática e ambiental em curso no País."
"A Constituição Federal de 1988 prevê o licenciamento ambiental como matéria para garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito fundamental, e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo. O PL ameaça esse direito que é de todos os brasileiros. Um direito fundamental para um futuro minimamente promissor num mundo sob estado de emergência climática."
O Observatório do Clima e o Greenpeace também pedem o veto do presidente Lula.
"O Projeto de Lei 2159 também coloca em risco a Amazônia e os direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais. Se aprovado, ele pode acelerar a destruição no bioma, já tão ameaçado pelas queimadas e pelo desmatamento", afirma o Greenpeace em postagem nas redes sociais.
"A aprovação do Projeto de Lei 2.159/2021 é o maior retrocesso ambiental legislativo desde a ditadura militar", publicou o Observatório do Clima em seu site.
O que dizem os defensores do PL?
Os defensores da proposta — entre eles entidades ligadas à infraestrutura e ao agronegócio — apontam excesso de burocracias, morosidade e sobreposição de regras dos governos no modelo atual.
O movimento Convergência Brasil, que reúne seis entidades do setor de energia, é um dos principais apoiadores. Conforme mostrou o Estadão, o grupo vinha pressionando o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para que a proposta fosse votada.
Na visão do movimento, o licenciamento ambiental ainda opera sob uma lógica fragmentada, insegura e disfuncional, "que gera incertezas", e defendem que o texto permite uma "atualização responsável" para acabar com a insegurança jurídica e dar celeridade aos projetos no País.