As ondas de calor extremo que atingem a Europa e o Sudeste Asiático nos primeiros dias do verão no hemisfério norte acenderam o sinal de alerta para a temporada de incêndios no Brasil, que começa no segundo semestre, afirma o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Atrini.
O mês de junho foi o mais quente da história da França, com alertas vermelhos emitidos por autoridades e registros de mortos e hospitalizados em decorrência do calor.
Espanha, Itália, Alemanha, Grécia e Portugal também enfrentam temperaturas até 10°C acima da média.
Já a China emitiu avisos meteorológicos para fortes chuvas, o que ameaçam a geração de energia e a produção agrícola na região.
"O que estamos vendo é um quadro muito preocupante. Esses eventos extremos não ficam restritos à Europa ou à Ásia. Esse mesmo calor vai chegar ao Brasil, e isso significa risco para Amazônia, Cerrado e Pantanal", alertou Astrini, em sua coluna semanal na Rádio Eldorado, do Grupo Estado.
O especialista lembra que o ano passado foi o mais quente já registrado desde o início das medições da temperatura global. O aumento do calor e o tempo seco criam as condições ideais para a propagação de incêndios florestais no Brasil — fenômeno diretamente ligado ao desmatamento e a crimes ambientais.
"Lembrando que esses incêndios significam desmatamento, crime ambiental e problema para a saúde das pessoas que respiram essa fumaça", disse.
O cenário já é de atenção, mas a temporada de queimadas ainda está apenas no começo. "Por enquanto os focos de incêndio estão sob controle, mas a temporada está só começando", pontuou.
Diante do agravamento da crise climática, o governo federal prepara a instalação de uma sala de crise para monitorar e responder às queimadas.
Há estratégias conhecidas que podem ser implementadas para conter o avanço das chamas, como o uso de fogo controlado em áreas muito secas e o treinamento antecipado de brigadistas.
"Não dá para evitar que pegue fogo. Mas, quando pegar, dá para evitar que a tragédia seja maior e punir quem faz isso de forma criminosa. A impunidade aumenta os casos de incêndios florestais", afirmou Astrini.
Um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostrou que entre os anos de 2020 e 2023, o Brasil passou por 7.539 desastres climáticos causados por chuvas intensas - crescimento de 222,8% em relação aos eventos ocorridos ao longo de toda a década de 1990.
"É realmente um numero muito impressionante. Vai na linha das previsões que indicam a tendência de que o regime de chuvas no país aumente 30% nas regiões Sul e Sudeste e, por sua vez, diminuir no Norte e no Nordeste, agravando períodos de seca nas regiões", comenta o secretário executivo do Observatório do Clima.
"O governo tem de levar esses números bem a sério porque a gente viu o que acontece quando um governo não leva a sério as previsões climáticas com o desastre no Rio Grande do Sul (em maio de 2024)", acrescenta.
Pré-COP
Entre a conferência que ocorreu no último mês em Bonn, na Alemanha, e a Cúpula do Clima das Nações Unidas (COP-30), que será realizada em novembro, em Belém, haverá mais reuniões preparatórias. Dois temas devem dominar as discussões, segundo Astrini: o financiamento climático e as promessas de redução das metas de emissões, conhecidas como NDCs.
O financiamento é considerado o principal entrave. Países em desenvolvimento cobram os recursos prometidos por nações ricas, que resistem em cumprir os compromissos assumidos em acordos anteriores, segundo o especialista.
"Esse é o tema que mais paralisa as negociações. Os países ricos não querem pagar e os países pobres estão cobrando. Isso pode travar completamente os avanços", afirmou Astrini.
No campo das NDCs, o panorama também é preocupante. Segundo Astrini, menos de 15% dos países — pouco mais de 20 entre 196 — entregaram suas metas, cujo prazo inicial venceu em fevereiro. Um novo prazo foi estabelecido para setembro.
A União Europeia foi uma das poucas exceções e apresentou recentemente uma proposta ambiciosa: reduzir em 90% suas emissões até 2040, meta que ainda precisa ser ratificada pelos países do bloco.
Com a saída dos Estados Unidos do debate global climático, a China ganhou protagonismo, diz Astrini. O país, que hoje lidera o ranking de emissões globais, ainda não apresentou suas novas NDCs e será peça central nas decisões da próxima cúpula.