O presidente Lula expressou otimismo com os avanços da COP30 em Belém, destacando a importância do tema climático e afirmando estar confiante para convencer Donald Trump sobre a seriedade da pauta ambiental.
Após um dia de agendas intensas de negociações a portas fechadas na Zona Azul da COP30, em Belém, o presidente Lula disse estar muito feliz com o andamento dos acordos -- a ponto de se sentir capaz de convencer o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de que “a questão climática é séria”. A declaração foi dada em coletiva de imprensa na noite desta quarta-feira, 19. Os EUA não participaram desta edição da Conferência, e o representante norte-americano mantém uma postura negacionista a respeito do aquecimento global.
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Em fala à imprensa, Lula destacou que não tinha dúvidas de que o Brasil faria a "melhor COP de todas as COPs" que foram realizadas até agora -- mesmo diante do atual impasse, em que os países ainda não chegaram a um consenso sobre os compromissos que deverão assumir ao final da conferência.
A coletiva de imprensa contou com as presenças do embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30; da ministra Marina Silva, do Meio Ambiente; e da diretora executiva da COP30, Ana Toni. E lá, Lula atribui o sucesso da COP30 a alguns fatores.
Para ele, o evento global ter acontecido em Belém, no Pará, foi um gesto de ousadia e desafio, mas garantiu que os olhos do mundo se voltassem para a Amazônia.
"Seria muito mais fácil fazer [a COP] num lugar que já tivesse tudo pronto, e que a gente não tivesse que ter nenhum desafio para trazer a uma cidade muitos brasileiros que sequer conhecem. Hoje eu tenho certeza que a China conhece Belém. Tenho certeza que Berlim conhece Belém. Tenho certeza que Paris conhece Belém. Tenho certeza que a Rússia hoje conhece Belém. Era muito importante para nós colocar a Amazônia como ela é, do jeito que ela é, na cabeça dos povos do mundo inteiro", disse Lula, endossando discurso que tem repetido ao longo dos últimos meses.
Em paralelo, o presidente diz acreditar que eventos do tipo não podem ser "perpetuamento litúrgicos", com a participação de pouca gente, e que Belém foi marcada justamente pela participação popular durante a COP.
"Estou muito feliz também porque a participação do povo foi extraordinariamente bonita, ordeira e todos entregaram o documento para nós. Estou muito feliz porque, pela primeira vez na história das COP, 3.500 indígenas participaram. Porque as mulheres não são objeto nessa COP", complementou, após ressaltar o trabalho de Janja frente às questões de gênero: "Ela é diferenciada, eu não sei quantas vezes uma primeira-dama trabalhou tanto numa COP como a Janja trabalhou".
Após minutos compartilhando 'alegrias', Lula tocou em dois assuntos espinhosos nas negociações: o financiamento e a diminuição da queima de combustíveis fósseis.
“É preciso que a gente diminua a emissão de gás de efeito estufa. E se o combustível fóssil é uma coisa que emite muito gases, nós precisamos começar a pensar como viver sem combustível fóssil e construir a forma de como viver. E falo isso com muita vontade, porque sou de um país que tem petróleo. Sou de um país que extrai cinco milhões de barris de petróleo por dia. Mas também sou do país que mais utiliza etanol misturado na gasolina. Sou de um país que produz muito biodiesel”, declarou o presidente, apesar de nas últimas semanas ter liberado os estudos para a exploração na Foz do Amazonas.
Sobre quem deve pagar a conta, Lula foi direto, afirmando ser preciso convencer as pessoas de que os bancos multilaterais "que cobram uma exorbitância de juros dos países africanos e dos países pobres da América Latina precisam transformar a parte dessa dívida em investimento para que a gente possa fazer com que a questão da transição energética seja verdadeira" e que o mesmo se aplica a empresas petroleiras e mineradoras. "As pessoas que ganham muito dinheiro tem que pagar uma parte disso, porque senão quem vai sofrer é a parte mais pobre do planeta Terra.".
O mapa do caminho, então, foi trazido à tona. Se trata de um mutirão puxado por Lula para que os países se unam para construirem, juntos, um plano para se afastarem cada vez mais dos combustíveis fósseis. Em movimentação histórica, mais de 80 países já demonstraram apoio à medida segundo últimas atualizações.
Ainda não é certo sobre como, exatamente, esse mapa do caminho será entregue -- visto que não é algo que integra a agenda oficial da COP30. O que Lula já indicou, com sua fala à imprensa, é de que não será imposto nada a ninguém, e que nem serão determinados prazos, que "cada país seja dono de determinar as coisas que ele pode fazer dentro do seu tempo, dentro das suas possibilidades".
Nessa linha, em negociações que respeitam a soberania política, ideológica, territorial e cultural de cada país, como evidenciou, Lula disse que todos vão construir juntos esse futuro.
E tudo isso tem agradado muito o presidente: “Eu estou tão feliz que um dia haverei de convencer o presidente dos Estados Unidos de que a questão climática é séria, e de que o desenvolvimento verde é necessário. E estou tão feliz que eu sonho um dia até acabar com a guerra da Rússia e da Ucrânia, que já não existe mais razão dessa guerra continuar. Estou tão feliz que saio daqui para ir para Brasília, certo de que os meus negociadores irão fazer o melhor resultado que uma copa já pôde oferecer ao planeta Terra”, complementou, acenando para André Corrêa do Lago e Ana Toni, presidente e diretora executiva da COP30, respectivamente.
Bastidores da coletiva
Na reta final das negociações, Lula veio a Belém e passou o dia em agendas a portas fechadas. Segundo sua equipe, o presidente participou de conversas com representantes de países -- como dos grupos negociadores dos Pequenos Estados Insulares, e também esteve com representantes da sociedade civil durante o dia, na Zona Azul da COP30.
Enquanto Janja circulou pelos corredores, participando de painéis e sendo tietada pelo público, Lula se manteve nessa área mais reservada da Zona Azul, em salas do setor 'VVip'.
A expectativa era grande por uma fala do presidente. O que circulou inicialmente era que ele falaria com a imprensa após uma reunião o ministro das Cidades, Jader Filho, junto a prefeitos e o governador do Pará, Helder Barbalho. Depois foi informado que teria uma coletiva às 18h.
A disputa por um lugar na coletiva foi intensa. A imprensa de todo o mundo se aglomerou no ponto onde seria a entrada para a reunião, e apenas alguns puderam entrar, com prioridade sendo dada a cinegrafistas e repórteres de TV que os acompanhavam.
No fim, entraram cerca de 50 profissionais de comunicação na coletiva, incluindo a reportagem do Terra. Em meio a múltiplas opções de salas e plenárias na Zona Azul, foi escolhido um espaço menor e mais reservado nesta mesma área 'Vip' -- o que teria sido uma escolha da ONU, que manteve um esquema de seguranaça rígido no acesso.
A coletiva estava prevista para 18 horas, mas começou apenas por volta de 20 horas.
O que segue em jogo?
Muito segue em articulação, em muitas frentes, nesta reta final da COP30. O principal objetivo da Conferência é determinar compromissos que guiarão as ações dos países em combate à crise climática, e isso é destrinchado em algumas frentes principais. A expectativa é que primeiros documentos mais concretos viessem a público nesta quarta-feira, 19, mas isso não aconteceu.
Conforme as últimas indicações da presidência da COP30, o que se espera é que seja entregue o “Pacote de Belém” até sexta-feira, 21. Mas André Corrêa do Lago, o presidente da edição, tem pressionado as delegações para que sigam em esquema de força-tarefa para que uma parte do consolidado seja oficializado o quanto antes.
Ainda não está claro de que forma, especificamente, serão essas entregas. Há possibilidade de que esse pacote substitua a Decisão de Capa (cover decision), recurso tradicional utilizado para sintetizar resultados gerais em cúpulas complexas e que é “bancado” pelo país que preside a COP.
É importante destrinchar que, em meio a tudo isso, há três frentes principais:
A primeira diz respeito ao que faz parte da agenda oficial da negociação, que são os temas 'obrigatórios'. Eles são destrinchados em dezenas de tópicos, debatidos um a um em reuniões a portas fechadas com as delegações. Até que, com total consenso, cada item passa a ter um texto final a ser aprovado em plenária.
Esses temas fazem parte de grandes blocos de assuntos que foram trazidos à tona no "esquenta da COP", nas Reuniões de Bonn (Alemanha), como:
• JTWP (‘Just Transition Work Programme’, o Programa de Trabalho para uma Transição Justa);
• GST (‘Global Stocktake’, o Balanço Global, avaliação periódica sobre o andar do Acordo de Paris);
• MWP (‘Mitigation Work Programme’, o Programa de Trabalho de Mitigação);
• E artigos 9.5 e 2.1 do Acordo de Paris (que dizem respeito a questões financeiras).
Depois, em paralelo, há quatro temas que não fazem parte da agenda oficial da COP30, mas que foram acordados entre os países para que não ficassem de fora da edição da conferência. São temas espinhosos:
- Provisão de Financiamento Norte para o Sul. Referente ao artigo 9.1 do Acordo de Paris: "Países desenvolvidos Partes devem fornecer recursos financeiros para auxiliar os países em desenvolvimento Partes, no que diz respeito tanto à mitigação quanto à adaptação na continuação das suas obrigações no âmbito da Convenção";
- Medidas unilaterais de clima que impactam o comércio;
- Relatórios de transparência das Partes;
- Insuficiência das metas climáticas, as Contribuição Nacionalmente Determinada (NDCs), que somam 118 entregas até o momento.
E, por fim, há as articulações em torno do ‘mapa do caminho’, para que seja traçada uma rota para uma transição do mundo para longe dos combustíveis fósseis de forma justa. Esse é o movimento que foi puxado por Lula, e que está sendo acolhido por Partes na COP30. Por também não fazer parte do escopo “oficial” da Conferência, segue em aberto como isso será entregue -- e se será entregue.
*A repórter Beatriz Araujo viajou para Belém com apoio do ClimaInfo.