É raro quando meus mundos de trabalho em informática biomédica e fã de séries TV de melodrama lésbico se encontram.
Mas foi exatamente isso que aconteceu em meados deste ano, quando duas das minhas atrizes favoritas apareceram em um podcast popular. Fiquei animada ao ouvi-las falar sobre seu novo livro e sua história de trabalho juntas, então fiquei confusa, mas encantada, quando a conversa delas mudou para minha área de especialização: registros eletrônicos de saúde .
Uma das atrizes observou que, em uma recente consulta ao oftalmologista, foi questionada sobre sua etnia. "E eu pensei: que diferença isso faz?", disse ela.
A apresentadora acrescentou sua experiência de ter sido questionada sobre assuntos pessoais semelhantes antes de uma mamografia. "Tipo, não importa se sou casada ou não. Não importa se sou branca ou asiática, sabe?", comentou ela.
Ouvir a apresentadora e as atrizes questionarem um processo que, para mim, parece direto e significativo, serviu como uma forte lembrança da grande diferença que muitas vezes existe entre como pesquisadores como eu usam os dados dos pacientes e a experiência real dos pacientes com a coleta de dados clínicos.
Para nós que usamos dados demográficos coletados durante consultas médicas para realizar pesquisas e projetar intervenções, é importante que os pacientes respondam às perguntas íntimas de seus médicos. Mas, como paciente, posso entender como esses questionamentos podem parecer desnecessários ou até invasivos.
Assim, pode ser útil entender por que seus médicos coletam esses dados, como os pesquisadores os utilizam e quais descobertas médicas são possíveis quando sabemos mais sobre quem são os pacientes.
As perguntas do seu médico podem parecer arbitrárias e invasivas, mas são muito úteis para os pesquisadores.Natalia Gdovskaia/Moment via Getty ImagesPor que seus dados são importantes
Quando você responde às perguntas demográficas que seu médico registra em seu prontuário eletrônico, você está fazendo mais do que apenas revelar informações pessoais. Você está adicionando uma pequena peça a um gigantesco quebra-cabeça de dados que permite que pesquisadores como eu tenham uma visão mais ampla. Suas informações de saúde podem nos ajudar a entender quem fica doente e por quê. E elas podem até ser usadas para projetar intervenções reais na área da saúde.
Como pesquisadora focada em melhorar a saúde e os cuidados de saúde para mães e seus bebês, considero-me sortuda por morar em Indiana, um estado dos EUA com um dos mais abrangentes sistemas de intercâmbio de informações de saúde do país. Esse sistema é formado por redes interconectadas de bancos de dados de prontuários eletrônicos de instituições hospitalares e de saúde de todo o estado, que permitem que pesquisadores como eu aprendam sobre como indivíduos e grupos vivenciam a saúde e os cuidados médicos.
Por exemplo, meus colegas e eu, no Laboratório por Melhor IA para um Ambiente Forte de Saúde Materno-Infantil Rural usamos esses dados para treinar modelos de aprendizado de máquina que prevêem a pré-eclâmpsia, uma condição com risco de vida caracterizada por hipertensão arterial durante a gravidez, antes que a mãe fique realmente doente.
Poderíamos usar apenas dados clínicos: diagnósticos, exames laboratoriais e leituras vitais, como pressão arterial, que contribuem para o resultado da pré-eclâmpsia. Mas, para condições como a pré-eclâmpsia, as mães negras são diagnosticadas em taxas mais altas do que suas contrapartes brancas. Pesquisas mostram que raça e racismo podem ser fatores importantes para essa disparidade.
Para prever a pré-eclâmpsia com precisão e usar essas previsões para ajudar os médicos a monitorar, diagnosticar e tratar a condição, minha equipe precisa levar em consideração informações que podem esclarecer esses diferentes resultados, chamadas de determinantes sociais da saúde.
Os determinantes sociais da saúde são as partes de nós mesmos e de nossos ambientes que influenciam nosso estado de saúde. A raça em si não é um determinante social da saúde, mas o racismo é. Isso inclui o racismo estrutural, como o histórico de segregação escolar ou discriminação em um determinado CEP. Se disponíveis, também incluímos informações que você possa ter fornecido na consulta médica, como se você não teve comida suficiente para comer no mês anterior ou se tem histórico de violência doméstica por parceiro íntimo ou falta de moradia.
Como há mais variação dentro das raças do que entre elas, a raça por si só nos diz muito pouco. Incluir determinantes sociais da saúde em nossos conjuntos de dados fornece um contexto adicional sobre como você se move pelo mundo, a quais recursos você tem acesso e como seu ambiente pode moldar sua saúde.
Juntando as peças
É por isso que seu cardiologista pergunta sobre seu estado civil. Sua resposta pode ajudar os pesquisadores a entender por que mães solteiras são mais propensas a ter doenças cardiovasculares do que as casadas. E informar sua raça ao seu oftalmologista é uma das únicas maneiras de saber qual o papel que a raça pode desempenhar em pacientes que usam medicamentos para perda de peso e apresentam perda de visão.
Outros pesquisadores usaram dados de registros eletrônicos para determinar quantas pessoas em uma área geográfica ou de um determinado grupo demográfico têm diabetes, para prever demência e até para rastrear doenças gengivais.
Durante a pandemia da COVID-19, pesquisadores usaram dados de registros eletrônicos de saúde para determinar que tipos de pessoas estavam adoecendo. Eles investigaram a raça, localização geográfica e situação de seguro-saúde. Os pesquisadores continuam a usar esses dados para acompanhar a COVID longa, uma condição que os profissionais de saúde ainda não compreendem totalmente.
Respeitando a privacidade do paciente
É claro que essas redes de intercâmbio de informações de saúde são cuidadosas sobre como e com quem compartilham os dados dos pacientes. Os dados são adaptados às necessidades do estudo e compartilhados em conformidade com a legislação americana para isso, a Lei de Portabilidade e Responsabilidade dos Seguros-Saúde, ou HIPAA.
Por exemplo, para meu estudo mais recente sobre pré-eclâmpsia, o sistema de saúde enviou um conjunto de dados que continha informações pessoais limitadas, como a data de nascimento do bebê, a data de nascimento da mãe — já que muitas vezes precisamos saber quantos anos ela tinha quando deu à luz — e o CEP, para que pudéssemos ver as tendências da pré-eclâmpsia em diferentes áreas geográficas.
Os dados não podiam sair da rede privada virtual do sistema de saúde, portanto, eles permanecem dentro do nosso firewall. Isso garante que os dados permaneçam seguros. E tudo isso deve ser aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da nossa universidade, um processo rigoroso que garante que nossa pesquisa não prejudique os participantes.
Melhorando os cuidados de saúde para todos, inclusive você!
Todas essas pesquisas impulsionam a inovação e servem de base para programas, protocolos e políticas que melhoram a saúde - desde para você como indivíduo até o nível nacional e mesmo global.
Seu médico pode usar as informações que você fornece para recomendar serviços ou terapias para você. Por exemplo, se seu médico descobrir, por meio de perguntas durante a consulta, que você não se alimentou adequadamente no último mês, ele poderá encaminhá-lo a um programa de nutrição e auxílio alimentar, às vezes fornecido pelo próprio sistema hospitalar. Se você era casado na sua última consulta, mas agora indica seu estado civil como "separado", seu médico pode verificar se você precisa de algum serviço adicional de saúde mental ou social.
Embora seja normal que essas perguntas pessoais causem um certo desconforto, é importante lembrar que há um bom motivo para o seu médico as fazer. Seus dados podem ajudar no avanço da pesquisa médica e na saúde de todos.
Jill Inderstrodt recebe financiamento do US Centers for Disease Control and Prevention e do National Institutes of Health.