Brasileiros em Israel: “Meus filhos odeiam ouvir sirene”

Conheça a história de seis brasileiros que vivem nas sensíveis fronteiras de Israel

8 jul 2015 - 14h46

Julho de 2006, início da Segunda Guerra do Líbano. Emerson Klein, muito longe de Israel, desespera-se: tenta retornar para sua casa, onde deixara a esposa grávida para visitar a família no Brasil. Porém, a maior parte dos voos entre os dois países fora cancelada. Somente duas semanas depois ele finalmente chegaria ao Kibbutz Ein Zivan, na fronteira com a Síria. Exatos oito anos depois, do lado oposto do país, Clea Yardenis foi supreendida pela sirene do sistema de defesa aérea quando estava em seu carro, parado em um semáforo em uma cidade no sul de Israel. A brasileira não sabia para onde correr: deitou-se no pavimento quente da avenida por alguns minutos. Ao voltar ao carro, uma nova sirene. Hora de começar a chorar e rezar em voz alta.

Clea Yardenis foi morar em Israel em 1994
Clea Yardenis foi morar em Israel em 1994
Foto: Arquivo pessoal

Estes, e outras centenas de brasileiros, escolheram viver não apenas em um país localizado na mais instável região do planeta. Mais do que isso, optaram por estabelecer-se em cidades e comunidades próximas das fronteiras com vizinhos pouco amistosos. Criaram seus próprios meios de lidar com a rotina de tensão e adotaram uma nova mentalidade, que lhes permite estar sempre atentos a circunstâncias que podem garantir-lhes a vida – ou levar-lhes à morte.

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Faixa de Gaza: entenda o conflito

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A região do Golan, ao norte de Israel, é conhecida por suas montanhas repletas de trilhas, cachoeiras, e imensas plantações. “É a única área do país que me remete à natureza brasileira”, descreve Klein. Desde o momento em que adotou o kibbutz como lar em 2006, Klein passou a conviver com soldados israelenses ou da ONU, além do som de tiros de canhão e de constantes explosões que, hoje, são resultado da guerra civil na Síria. “A época de nossa chegada foi o momento mais tenso que passei desde que emigrei para Israel. Ninguém saía muito de casa. O comércio permaneceu fechado. Por ter sido a primeira guerra que vivenciei, fiquei muito assustado, principalmente com a aglomeração de soldados em nossa região. Ao contrário de hoje: quando os vejo, me sinto seguro.”

Não há quem visite Israel sem ter a sensação de um país altamente militarizado. Além da concentração de bases militares tanto no extremo norte quanto ao sul do país, vêem-se milhares de soldados permanentemente em trânsito. Afinal o serviço militar é obrigatório para meninos (36 meses, dos 18 aos 21 anos) e para meninas (24 meses, dos 18 aos 21 anos). O sonho das famílias em verem essa obrigatoriedade cair por terra é antigo, mas ainda está longe de se concretizar.

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Os dois filhos de Clea passaram pelo serviço militar obrigatório de Israel
Foto: Arquivo pessoal

“Eu ainda era solteira quando cheguei a Israel, mas já pensava em como me sentiria caso tivesse filhos aqui e, um dia, eles tivessem que se alistar. Na época, um israelense me disse: ‘Não se preocupe: quando esse momento chegar já não precisaremos de exército'”, conta Clea Yardeni, que emigrou em 1994 e, desde então, vive em Kiriat Gat, a 40 quilômetros de Gaza, no sul de Israel. Sua filha terminou há pouco o serviço militar, mas o filho ainda tem pela frente um ano e meio na Aeronáutica. “Na única vez em que ele ficou sem conexão telefônica após ter saído da base para vir para casa, eu entrei em pânico. Soldado fardado é uma atração, pois é sempre alvo de terroristas”, explica.

Clea Yardenis e o filho que faz parte do exército de Israel
Foto: Arquivo pessoal

Ruas vazias, negócios e escolas fechados foi o cenário que educador Davi Windholz vislumbrou durante os 30 dias que duraram a intensa Segunda Guerra do Líbano. Ele vivia então no vilarejo de Kfar Vradim, a oito quilômetros da fronteira com o Líbano. “Esse conflito durou um mês. De fora pode parecer um período curto, e só consegue entender a sua dimensão quem já passou por 30 dias seguidos de bombardeios.” Segundo Davi, houve períodos em que a população local passava dias inteiros dentro do bunker, seguindo a orientação do exército. Não se ouviam avisos ou sirenes, pois, devido à proximidade, não haveria como a população se proteger a tempo. “Ouvíamos barulho e corríamos para baixo das escadas das casas ou dos prédios, pois é o ponto mais sólido das edificações. A situação de pânico é mais grave entre famílias com crianças pequenas”, conta o educador.

De fato, em situações de guerra as crianças são as primeiras a sofrer, em ambos os lados do conflito. “Meus filhos odeiam ouvir sirene. Eles estão traumatizados. A princípio, contava uma historinha para eles e íamos calmamente para o abrigo. Hoje eu entendo que não adianta esconder a realidade em que vivem”, conta Klein.

Monik e sua família em Israel
Foto: Arquivo pessoal

Monik Treiger Sando vive em Israel desde 1998 e há um ano se mudou com o marido e as quatro filhas para o k

Gaza: menino vítima de bombardeio ainda tem medo da praia
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ibbutz Misgav Am, a dois quilômetros da fronteira com o Líbano – e ainda não se acostumou com os sustos. Em abril, enquanto trabalhava em uma cidade próxima, recebeu pelo celular uma notificação do exército sobre uma tentativa de invasão terrorista ao kibbutz. “Entrei em pânico, pois minha filha de 2,5 anos estava lá, no jardim de infância”. O desespero é justificado, pois é difícil vencer o trauma que assombra esse kibbutz depois que, nos anos 80, ele foi invadido por terroristas palestinos, que renderam todas as crianças da creche por uma noite que se estendeu em negociações que não chegaram a lugar nenhum. Depois da invasão do prédio pelo exército israelense, o  resultado foram três mortos – um deles um bebê – e outros quatro feridos.

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“Temos de nos acostumar, não há outra saída”, diz Monik. Ela conta que, há algumas semanas, sua filha adolescente viveu um incidente assustador. “Eu estava praticando corrida nos limites do kibbutz e vi um homem  encapuzado e vestido de preto passando em uma moto a poucos metros de mim, do outro lado da fronteira. Ao me ver, ele parou a moto”, conta Lyor, de 15 anos. “Eu ouço dizer que agora está tudo tranquilo, e boa parte do tempo me sinto segura. Por outro lado, tenho muito medo”. A mãe reage com pragmatismo à insegurança: “Sempre digo a ela: atrás do galinheiro do kibbutz há um portão, e depois dele é o Líbano. Ou seja, nós estamos na nossa casa, e eles estão na deles.”

Lyor diz que que se sente segura na maior parte do tempo
Foto: Arquivo pessoal

“Nunca dá para dizer que vale a pena conviver com a tensão. No entanto, amo o norte do país”, explica Davi, que é diretor da ONG Alternative. Com suas diversas atividades voltadas ao público infantil, a organização busca ensinar a jovens israelenses judeus e muçulmanos uma forma pacífica de comunicação e de solução de problemas. Já passaram por ela cerca de 8 mil crianças.

Davi vivenciou os 30 dias da Segunda Guerra do Líbano
Foto: Arquivo pessoal

Para Ogênia Schcolnik, de 61 anos, a Operação Barreira Protetora, conflito entre Israel e Gaza que ocorreu nos meses de julho e agosto de 2014, criou um novo tipo de medo: o da invasão subterrânea. “As centenas de túneis que foram escavados por terroristas do Hamas entre Gaza e o sul de Israel provocaram uma sensação de insegurança que nunca sentimos antes”, conta a brasileira, que sempre viveu no Bror Chail, simpático kibbutz conhecido pela concentração de moradores brasileiros e localizado a apenas sete quilômetros da Faixa de Gaza. Alguns mísseis caíram em suas plantações, mas nenhum dentro da área habitada do kibbutz. Ao longo de 50 dias, o bombardeio foi tão intenso que muitos moradores não aguentaram permanecer em suas casas. “Vivemos praticamente dentro de um campo de guerra, pois ouvíamos tiros e bombas o tempo inteiro. Chega um momento em que, mesmo sem sentir medo, se torna impossível aguentar a pressão”.

Ogenia relata o medo de uma invasão subterrânea
Foto: Arquivo pessoal
Davi Windholz e a família com camisetas do Brasil
Foto: Arquivo pessoal
Há um ano, Monik mudou-se com o marido e as quatro filhas para o Kibbutz Misgav Am, a dois quilômetros da fronteira com o Líbano
Foto: Arquivo pessoal
Monik Treiger Sando vive em Israel desde 1998
Foto: Arquivo pessoal
Fonte: Terra
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