Nas eleições alemãs, nem sempre o mais votado leva

Os resultados de domingo, por enquanto, só sinalizam que a escolha do novo chanceler pode se arrastar por meses

27 set 2021 - 17h35
(atualizado às 17h57)

Social-democrata Olaf Scholz recebeu mais votos que conservador Armin Laschet para ser o próximo chanceler federal. Mas história alemã coleciona episódios em que a chefia de governo acabou ficando com o segundo colocado.A eleição para decidir quem vai suceder a chanceler federal Angela Merkel terminou no domingo (26/09) com uma leve vantagem para o candidato social-democrata Olaf Sholz (SPD), cujo partido conquistou 25,7% dos votos, segundo resultados preliminares. Já a União Democrata Cristã (CDU) e seu braço bávaro, a CSU, receberam 24,1%. O candidato dos democrata-cristãos é Armin Laschet (CDU), que tem o apoio de Merkel.

Seria natural apontar que Scholz é o vencedor. Mas a vantagem sobre seu principal rival não significa necessariamente que o social-democrata será o sucessor de Merkel na Chancelaria Federal. Na história política alemã, nem sempre o partido com mais votos conseguiu garantir a chefia de governo.

Publicidade

Os resultados de domingo, por enquanto, só sinalizam que a escolha do novo chanceler pode se arrastar por meses.

Líder social-democrata alemão, Olaf Scholz, na sede do partido em Berlim após eleição geral na Alemanha
27/09/2021 REUTERS/Hannibal Hanschke
Líder social-democrata alemão, Olaf Scholz, na sede do partido em Berlim após eleição geral na Alemanha 27/09/2021 REUTERS/Hannibal Hanschke
Foto: Reuters

Na Alemanha, os eleitores não votam diretamente nos candidatos a chanceler federal, mas em seus partidos. Normalmente, cabe à legenda que conseguir garantir mais de 50% das cadeiras no Parlamento liderar o governo - e consequentemente indicar o chanceler federal, cujo nome já é conhecido durante a campanha para atrair eleitores.

No entanto, no pós-guerra alemão, nenhum partido conseguiu garantir sozinho esse percentual de assentos. É aí que entra a costura de alianças com outras legendas para garantir a maioria dos deputados. Todos os chanceleres alemães desde a Segunda Guerra Mundial tiveram que dividir o governo com parceiros de outro partido.

É nessa fase de costura de alianças que a Alemanha se encontra após o pleito de domingo.

Publicidade

A vantagem de possuir mais votos

Nas últimas quatro décadas, os partidos mais votados se viram em melhor posição para fechar coalizões e encabeçar o governo com seu candidato a chanceler.

A CDU de Merkel, por exemplo, foi o partido mais votado nas últimas quatro eleições e liderou sucessivos governos que tiveram parcerias com social-democratas e membros do Partido Liberal Democrático (FDP) para garantir maioria no Parlamento.

Por isso, o social-democrata Olaf Scholz vem declarando que ele é a escolha natural para liderar um novo governo de coalizão após seu partido terminar levemente na frente.

No pleito de 2005, a CDU, que competia pela primeira vez com Merkel, conquistou no Parlamento apenas quatro cadeiras a mais que seu rivais social-democratas. A diferença no voto popular entre os dois partidos foi de apenas um ponto percentual. Isso foi usado pelos democrata-cristãos para arrancar a chefia do governo em uma coalizão com o próprio SPD quando combinações com outros partidos falharam para ambas as legendas.

Publicidade

"É certo que muitos marcaram o SPD nas cédulas porque querem que o próximo chanceler da Alemanha seja Olaf Scholz", afirmou o candidato social-democrata no domingo, após o anúncio das primeiras parciais.

Reviravoltas

No entanto, em pelo menos três eleições da história alemã do pós-guerra, o segundo partido mais votado acabou sendo mais bem-sucedido em formar e liderar um novo governo na longa fase de costura de alianças.

O primeiro episódio ocorreu em 1969 na Alemanha Ocidental. No pleito daquele ano, o partido mais votado foi a CDU, que recebeu 46,1% dos votos totais. Mas foi o SPD, que conquistou 42,7%, que acabou levando a chefia do governo, ao conseguir formar uma aliança com o FDP, que terminou em terceiro lugar.

A manobra garantiu que o social-democrata Willy Brandt liderasse o próximo governo, e não o então chanceler democrata-cristão Kurt Georg Kiesinger, que buscava a reeleição.

Publicidade

O cenário se repetiu em 1976, quando a CDU fez uma campanha agressiva para conquistar sozinha a maioria absoluta no Parlamento, sem depender de algum parceiro para governar. Os democrata-cristãos, à época liderados por Helmut Kohl, conquistaram 48,6% dos votos. Mas o percentual impressionante não foi suficiente para garantir a chefia do governo.

Mais uma vez, o SPD, que recebeu 42,6% dos votos, foi mais bem-sucedido na formação de alianças, garantindo novamente o apoio do FDP, que contava com os votos de 7,9% dos eleitores. O novo governo acabou sendo liderado pelo social-democrata Helmut Schmidt.

A eleição seguinte, em 1980, foi marcada novamente por essa reviravolta. Schmidt e seu partido mais uma vez ficaram atrás da CDU, com 42,9% dos votos, contra 44,5% dos democrata-cristãos, que à época tentavam emplacar o político bávaro Franz-Josef Strauss como chanceler. E mais uma vez a costura de uma aliança com o FDP, que havia recebido 10,6% dos votos, foi fundamental para o SPD e Schmidt continuarem a liderar o governo.

No entanto, a coalizão era frágil. E os liberais abandonaram os social-democratas em 1982, no meio do governo, fechando uma aliança com a CDU, então o maior partido no Parlamento, numa manobra que permitiu que o democrata-cristão Helmut Kohl passasse a ocupar a Chancelaria sem a necessidade de uma eleição popular.

Publicidade

Posteriormente Kohl, que em 1976 ganhou o voto popular mas sem levar a Chancelaria, procurou legitimar seu governo forçando uma eleição em 1983, que terminou com a CDU na frente. Dessa vez, os liberais fecharam uma aliança imediatamente com os democrata-cristãos. Kohl acabaria ocupando a Chancelaria por 16 anos, sempre com o apoio dos liberais.

Esses casos ilustram que a capacidade de costura de alianças pode ser mais importante do que terminar à frente na contagem de votos.

É com isso que o democrata-cristão Armin Laschet espera contar para conquistar a Chancelaria após terminar o pleito de domingo levemente atrás dos social-democratas.

No domingo, ele se recusou a admitir a derrota e disse que vai procurar tentar formar um novo governo. "A Alemanha precisa de uma coalizão voltada para o futuro que modernize nosso país", disse Laschet.

Essas negociações podem se arrastar por meses, adiando a aposentadoria de Angela Merkel, que pretende deixar o poder após 16 anos de governo.

As coalizões

Publicidade

Por enquanto, tanto Laschet quanto Scholz se veem obrigados a negociar com o Partido Verde e o FDP, que terminaram em terceira e quarta posições na eleição, com 14,8% e 11,5% dos votos, respectivamente, e assim conseguir garantir mais de 50% dos mais de 700 assentos no Parlamento.

Com a pulverização dos votos neste pleito, há grande chance de a Alemanha ser governada pelos próximos quatro anos por uma coalizão tripartite, algo que não ocorre desde o final dos anos 1950. Nas últimas décadas, todas as coalizões só contaram com duplas de partidos.

Pelo cenário atual, quem conseguir atrair verdes e liberais ao mesmo tempo será o próximo chanceler.

Na montagem de coalizões, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD), que terminou em quarto, com pouco mais de 10%, é irrelevante. Todos os partidos já afirmaram que se recusam a formar qualquer tipo de aliança com a legenda de ultradireita. O partido Die Linke (A Esquerda), que escapou por pouco de ser barrado no Parlamento pela cláusula de barreira de 5%, também não deve ser cortejado por não possuir peso relevante para compor uma coalizão.

A tarefa de atrair verdes e liberais ao mesmo tempo será difícil tanto para Scholz quanto para Laschet.

Publicidade

O líder dos liberais, Christian Lindner, já manifestou que favorece uma aliança com os democrata-cristãos, com quem tem mais pontos em comum na agenda econômica. O FDP defende um programa agressivo de corte de impostos e limites em gastos sociais.

Por outro lado, para os verdes, uma aliança conjunta com CDU e FDP é menos interessante, já que eles acabariam sendo minoritários num grupo dominado por legendas com ideias econômicas e ambientais muitas vezes opostas às suas. Uma coalizão entre CDU, FPD e Partido Verde vem governado o estado alemão de Schleswig-Holstein, mostrando que tal arranjo é possível, ainda que no plano estadual.

Para os verdes, uma aliança com o SPD parece mais natural, considerando que os dois partidos têm agendas sociais similares, embora nem sempre concordem no meio ambiente. Só que neste caso os liberais tendem a ser mais resistentes em se juntar a um grupo que será dominado por membros que não compartilham da sua agenda econômica ou que será mais resistente a concessões nessa área. Uma coalizão entre esses três partidos liderada pelo SPD governa o estado da Renânia Palatinado desde 2016.

Nessa intrincada fase de negociações, ainda é difícil prever qual dos dois pretendentes a chanceler será mais bem-sucedido.

Tanto verdes quanto liberais estão com as cartas. Para o FDP, essa é uma oportunidade de retornar ao seu outrora papel de influente "coroador de chanceler" que foi tão prevalente na política alemã até os anos 2000. Para os verdes, integrar um governo pode ser a chance de usar uma posição de força para implementar metas climáticas mais ambiciosas para a Alemanha.

Publicidade

Cenário remoto

Há um terceiro cenário, ainda remoto, considerando que Laschet e a CDU não deram sinais de que pretendem renunciar à liderança de um governo: uma nova coalizão entre democrata-cristãos e social-democratas, que facilmente agruparia mais de 50% das cadeiras no Parlamento sem a necessidade de um terceiro parceiro.

A CDU e SPD vêm governando a Alemanha em conjunto desde 2013, com a democrata-cristã Merkel na chefia do governo. Uma nova "grande coalizão" entre os dois partidos pode vir apenas a ver uma troca partidária na Chancelaria, com o SPD usando como argumento sua leve vantagem nas urnas para ocupar a chefia de governo e dividindo outros cargos com a CDU.

No entanto, os social-democratas estão fartos de se associarem à CDU, ainda mais agora que têm a chance de liderarem um governo sem eles. Já para os democrata-cristãos esse seria um terreno novo: o partido nunca foi parceiro minoritário numa coalizão nacional e dificilmente vai considerar tal possibilidade enquanto tiver alguma chance de se manter no topo do poder.

Tudo indica que a formação de um novo governo alemão vai se arrastar. E a história eleitoral do país ilustra que os eleitores e partidos devem estar preparados para reviravoltas.

Publicidade
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
Fique por dentro das principais notícias
Ativar notificações