Minoria, muçulmanos radicais distorcem imagem do Islã nos EUA

8 ago 2011 - 08h55
(atualizado às 10h41)
Carla Ruas
Direto de Washington

Apenas 10% dos muçulmanos do mundo são radicais. O número surpreende aqueles que estão acostumados a ouvir que Islã é sinônimo de terrorismo. A ideia da Guerra Santa contra o Ocidente se popularizou após os ataques de 11 de setembro. Mas, na verdade, a maioria islâmica moderada não quer lutar - e mesmo assim paga o preço ao sofrer com preconceito.

Schwartz e a defesa dos Islã moderado: "Se a maioria fosse radical, nós não estaríamos tendo esta conversa"
Schwartz e a defesa dos Islã moderado: "Se a maioria fosse radical, nós não estaríamos tendo esta conversa"
Foto: Carla Ruas / Especial para Terra

O escritor americano e líder político muçulmano Stephen Suleyman Schwartz trabalha para reverter esta realidade nos Estados Unidos. Ele é autor, entre outros títulos, do livro O outro Islã - o Sufismo e o caminho para a Harmonia Global (2008) e desde 2005 dirige o Centro para Pluralismo Islâmico de Washington. Seu objetivo é dar voz aos muçulmanos moderados e reeducar o público americano sobre a religião.

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Terra - Você é americano e, ao mesmo tempo, muçulmano. Como se sentiu ao assistir os ataques de 11 de setembro em 2001?

Schwartz - No 11 de setembro, eu estava trabalhando para o jornal The Voice of America, em Washington, e tinha voltado havia apenas um mês de uma viagem à Bósnia. Ao ver o ataque na televisão minha primeira reação foi, como a de todo mundo, de não acreditar que aquilo estava acontecendo. Parecia um filme de ficção científica. Depois imediatamente me perguntei: Como isso vai me afetar? Eu tenho um nome judeu e muitos pensam que sou judeu, mas na verdade sou muçulmano. Eu fiquei com medo do que iria acontecer. Nos dias que seguiram o ataque fui à Nova York para acompanhar as consequências do ataque. Logo depois escrevi o livro As Duas Faces do Islã - A Família Al-Saud, da Tradição ao Terror (2002), sobre a influência da ramificação islâmica Wahhabi nos ataques do 11 de setembro. O livro se tornou um best-seller.

Terra - Por que resolveu criar o Centro para Pluralismo Islâmico?

Schwartz - Eu resolvi fundar o Centro para o Pluralismo Islâmico em 2005 para dar voz aos muçulmanos moderados. O problema é que nos Estados Unidos a imagem do Islã é dominada pelos radicais. As organizações radicais são as que tem a voz. Quando o Islã começou na América nas décadas de 80 e 90, não havia uma organização estruturada, que foi posteriormente criada pelos radicais sauditas e paquistaneses. Então eles são os responsáveis por expressar as opiniões dos muçulmanos aqui. Muitas pessoas começaram a me dizer "nós precisamos de uma organização que fale pelos moderados, que pensam justamente o oposto dos radicais".

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Terra - E o que é Islã moderado?

Schwartz - Nós tentamos seguir o que o profeta Maomé disse para os muçulmanos quando foram repreendidos na Etiópia quando havia um rei Cristão: aceitem as leis dos países onde vivem. Isso não quer dizer que os muçulmanos que moram num país cristão tenham que comer porco e beber álcool, mas não devem tenta radicalizar as pessoas, nem mudar as estruturas legais ou converter pessoas ao Islã. Nós acreditamos que a existência de todas as religiões - cristianismo, judaísmo, etc - faz parte de um plano maior. Por isso, quando uma pessoa vem para mim e diz "quero me tornar muçulmano", eu pergunto qual o passado religioso daquela pessoa, porque, seja qual for, vou orientar primeiro a tentar encontrar o que se está buscando na sua própria religião. Se a pessoa voltar, eu repito a mesma coisa. Se depois de várias tentativas me procurar novamente, daí eu me disponibilizo a ajudar.

Terra - Qual a opinião dos muçulmanos moderados sobre a jihad, a Guerra Sagrada?

Schwartz - A primeira coisa que as pessoas têm que entender é que há muitas formas de interpretar jihad. Na essência, jihad significa esforço. Mas nós acreditamos que existem dois tipos de Jihad: o maior e o menor. O maior é o de autocontrole. O menor é a guerra. O jihad da guerra só pode ser legítimo se for chamado pelo líder supremo dos muçulmanos, conhecido como califa - e nós não temos esse líder desde 1925. Um cara morando numa vila no paquistão ou numa caverna no Afeganistão não tem direito de dizer "estou começando jihad". Além disso, há muitos lugares onde os muçulmanos foram reprimidos e nem por isso invocaram o jihad. O oeste da China ou a Bósnia são bons exemplos. Na Bósnia, mais de 600 mil pessoas foram mortas, 60 mil mulheres estupradas e muitas mesquitas destruídas, mas eles nunca usaram a palavra jihad. Porque sabem que não tem este direito. Os muçulmanos moderados defendem a ideia das pessoas resistirem caso alguém esteja explodindo sua casa para te matar e estuprar sua filha, mas não em nome de jihad. Nós só usamos este termo no sentido espiritual e individual.

Terra - Osama Bin Laden é responsável pela imagem que as pessoas têm de um Islã violento?

Schwartz - Eu odeio Osama Bin Laden e estou feliz que esteja morto, mas eu não culpo ele por essa imagem. Culpo as pessoas que apoiaram ele na Arábia Saudita. A mensagem do 11 de setembro foi: "Se você tentar mudar a Arabia Saudita ou tirar alguma coisa do nosso poder, você vai sofrer. Nós somos poderosos, violentos e ricos". Eu culpo as instituições religiosas extremistas no Paquistão e os sauditas que realmente estavam por trás dos ataques. Terrorismo não existe sem dinheiro. No máximo haveriam homens bomba explodindo uma coisa de casa vez. Nunca teríamos terrorismo se não fosse pelo dinheiro saudita e assistência paquistanesa.

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Terra - Qual a porcentagem das populações islâmicas radical e moderada?

Schwartz - Mundialmente, somente 10% dos muçulmanos são radicais e 90% são moderados. Você tem que entender que, se a maioria fosse radical, nós não estaríamos tendo esta conversa. Eu estaria morto e qualquer discussão sobre o assunto só poderia ocorrer escondida numa caverna. As pessoas têm que entender que a maioria dos muçulmanos são moderados. Existe um bilhão e meio de muçulmanos, e se a maioria fosse radical nós estaríamos numa situação pior que a do Irã. Nos Estados Unidos, a proporção de radicais é maior: 40% são radicais e 60% moderados. Mas mesmo assim não é como se depois do 11 de setembro milhões de muçulmanos tivessem corrido para se juntar à Al-Qaeda. Na verdade, grande parte dos muçulmanos disse: ninguém me perguntou sobre isso. Ninguém me perguntou se eu queria isso.

Terra - Há um grande número de muçulmanos radicais nos Estados Unidos. É por isso que os muçulmanos moderados sofrem com preconceito no país?

Schwartz - Eu acho que a ignorância é a culpada pela islamofobia. Os Estados Unidos não é mais o país bem instruído que foi um dia. Então as pessoas acreditam no que ouvem e pensam. Logo após o 11 de setembro, uma mulher muito bem colocada politicamente em Washington me perguntou: "Qual a diferença entre 'Islã' e 'muçulmano'?" Eu não acreditei que alguém estava me fazendo aquela pergunta. Há muito pouco conhecimento sobre o Islã e sobre as semelhanças que tem com outras religiões, como o Cristianismo e o Judaísmo.

Terra - E o que o Centro para Pluralismo Islâmico de Washington está fazendo para mudar esta realidade?

Schwartz - Nossa missão é educar o público e mobilizar os muçulmanos moderados para que fiquem mais ativos na defesa das suas opiniões moderadas. Queremos que eles instiguem os radicais, escrevendo e falando. Nós trabalhamos muito com acadêmicos, apoiando pesquisas universitárias e contatando mesquitas e comunidades. Nós queremos eventualmente neutralizar a influência dos paquistaneses radicais nos Estados Unidos. Eles possuem uma organização chamada Circulo Islâmico da América do Norte, que tem muitas mesquitas e ganha muita atenção da mídia. Nós também queremos encontrar uma forma de mobilizar os muçulmanos de grupos étnicos moderados presentes nos Estados Unidos, como os imigrantes da costa oeste da África, como os senegaleses.

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Terra - No futuro, o Islã será visto como uma religião moderada?

Schwartz - A imagem já está mudando. Nas revoltas na Tunísia, Egito, Síria, Líbia, ninguém estava gritando jihad. Ninguém. Nós os vimos marchando pelas ruas dizendo: "Nós não somos radicais. Nós não somos terroristas. Nó somos a revolução". Eles só queriam democracia e liberdade. É uma nova geração que está se perguntando porque não podem viver numa sociedade normal. Uma sociedade que não é liderada por ditadores e clérigos loucos. Esta geração está provando que nem todos no mundo islãmico são radicais. E que todo muçulmano, que não é louco, odeia os radicais. Eles se perguntam: "O que os radicais fizeram com a gente? Com a nossa religião?" Chegou num ponto que muitos pensam em deixar o islã ou lutar por uma mudança. E nós nao queremos que eles deixem o Islã.

Fonte: Especial para Terra
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