Crise no Equador está longe do fim, advertem analistas

3 out 2010 - 11h31
(atualizado às 11h59)

Apesar da aparente tranquilidade no Equador depois da rebelião policial frustrada contra o presidente Rafael Correa na última semana, classificada como tentativa de golpe pelo governo, a crise política no país está longe de ser solucionada, na opinião de analistas ouvidos pela BBC Brasil.

Presidente do Equador desafia manifestantes, veja
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"A crise está apenas começando", afirmou o analista político Milton Benitez, da Universidade Central do Equador.

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Para Benitez, Correa saiu inicialmente fortalecido da crise, porém "a aparente unanimidade do presidente ficou questionada com a tentativa de golpe".

A rebelião policial acabou trazendo à tona alguns problemas sociais do Equador e uma série de fissuras no interior do governo, em especial a relação entre o Executivo e as Forças Armadas.

"Se manifestou uma debilidade orgânica em relação à liderança do presidente", afirmou Benitez. "Não se viu um apoio sólido das Forças Armadas. Eles titubearam em apoiar ou não a rebelião dos policiais."

Forças Armadas

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O papel das Forças Armadas na suposta tentativa de golpe de Estado gera dúvidas sobre o grau de vulnerabilidade do governo Correa.

O ministro de Segurança e Interior, Miguel Carvajal, afirmou à BBC Brasil não saber com precisão se houve uma divisão importante nas Forças Armadas capaz de promover a derrubada do presidente equatoriano, mas questionou a participação da Força Aérea durante os violentos protestos, depois que o aeroporto de Mariscal Sucre foi fechado.

"Não sei qual foi o grau de participação , mas houve circunstâncias que permitiram que técnicos da Força Aérea impedissem juntamente com a polícia antinarcóticos o funcionamento do aeroporto", disse.

Até mesmo o chefe do Comando Conjunto das Forças Armadas equatorianas, Ernesto González, admitiu que havia uma divisão dentro da estrutura militar, em uma mensagem em cadeia nacional na quinta-feira.

Além disso, o general orientou o governo a "retificar" a lei aprovada no Congresso que trata do abono salarial dos policiais - o ponto que deu início à rebelião na semana passada.

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De acordo com fontes próximas ao governo, representantes do Executivo teriam negociado um acordo de incremento dos salários dos militares - que também são afetados pela polêmica Lei de Serviço Público - para neutralizar a participação dos militares no processo de desestabilização do governo.

Publicamente, durante o enfrentamento com os policiais, Correa disse que eles poderiam "matá-lo", mas que não revogaria a lei.

Mas na prática, o governo tende a ceder. A ministra de Política Doris Soliz deverá elaborar uma reforma na lei relacionada ao incentivo salarial que beneficiaria apenas policiais e militares, excluindo os demais servidores públicos.

Crise social

Rafael Correa foi alvo da manifestação dos policiais equatorianos

Outro problema que o líder equatoriano terá de enfrentar é o descontentamento de alguns setores da sociedade em relação à chamada "revolução cidadã".

"Correa terá que mudar o rumo, rever sua agenda e se aproximar dos setores em que há descontentamento popular", afirmou o analista político Marco Villaruel, da Faculdade Latinoamericana de Ciencias Sociais (Flacso).

Para especialistas, um dos caminhos é resolver a "frustração" de organizações que deixaram de ser da base de apoio de Correa, devido ao sistema econômico equatoriano que impõe limites ao gasto público e à expansão de programas sociais.

"Temos um país com uma trajetória de luta social, que já derrubou vários presidentes e isso pode estourar em qualquer momento", afirmou Villaruel.

Para evitar novas rebeliões, Villaruel diz que Correa deve mudar o estilo "e abrir espaço para o diálogo".

Golpe

Três dias após a crise que sacudiu o governo Correa, analistas também divergem sobre o que de fato aconteceu na quinta-feira passada: se houve ou não uma tentativa de golpe de Estado.

Para o analista político Marco Villaruel, a rebelião policial não tinha como objetivo derrubar Rafael Correa.

"Não é a primeira vez que há protestos de operários, de mineiros, de professores. Esse descontentamento com o governo se acumulou e derivou em uma manifestação muito agressiva e violenta da polícia", afirmou.

"Nunca houve uma expressão política clara durante as manifestações propondo um novo governo", acrescentou.

Milton Benitez discorda. A seu ver, por trás da reivindicação, estariam setores vinculados ao ex-presidente Lúcio Gutierrez e ao partido Sociedade Patriótica. "Os indícios levam a acreditar que estavam preparando um golpe de Estado", disse.

Os responsáveis pela rebelião policial que derivou na morte de pelo menos oito pessoas e deixou mais de 200 feridos estão sendo investigados.

O ministro de Segurança e Interior disse à BBC Brasil que os autores intelectuais da crise terão de responder "pela tentativa de assassinato do presidente, de ministros e da população".

"Os policiais que se rebelaram agora estão em suas respectivas unidades, trabalhando, ocultos em seu coletivo. Temos que encontrar os responsáveis", disse Carvajal.

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