Os gastos judiciais dos planos de saúde somaram R$ 3,9 bilhões no primeiro trimestre de 2025, o equivalente a 1,49% das despesas assistenciais totais do setor, segundo dados divulgados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
No mesmo período, as operadoras registraram lucro líquido de R$ 7,1 bilhões, resultado 114% superior ao de 2024. Embora os custos com ações judiciais tenham triplicado desde 2020, quando eram de R$ 1,2 bilhão (0,65%), o peso da judicialização permanece abaixo de 2% das despesas totais.
O advogado especialista em plano de saúde, Elton Fernandes, analisa que o alto volume de ações se explica por negativas de cobertura para procedimentos previstos em contrato. Ele aponta que 62% dos gastos judiciais se referem a demandas relacionadas a procedimentos incluídos nas obrigações das operadoras. "O dado revela que 62% das demandas tratam de procedimentos já obrigatórios, indicando que o foco do problema não está no sistema de Justiça ou na judicialização em si, mas na falta de mecanismos eficazes que evitem que o consumidor precise recorrer ao Judiciário", pondera o especialista em Direito da Saúde.
O que chega à Justiça contra os planos de saúde
O relatório "Diagnóstico da Judicialização da Saúde Pública e Suplementar", publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 2025, aponta que o aumento das ações relacionadas à saúde suplementar acompanha a tendência iniciada em 2010.
Em 2023, cerca de 570 mil novos processos de saúde foram registrados no Judiciário, dos quais 41% envolviam planos de saúde. Entre agosto de 2024 e julho de 2025, entraram 231 mil novas ações contra planos de saúde em primeira e segunda instâncias.
Na análise mais detalhada dos 1.992 processos avaliados pelo CNJ no relatório, 69% das demandas tratam de acesso a medicamentos ou tratamentos (1.382 processos). Desse total, 50,2% dizem respeito a itens fora do Rol de Procedimentos e Eventos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), enquanto 21% envolvem procedimentos incluídos na lista de cobertura obrigatória.
Pedidos de indenização por danos morais aparecem em 18,7% dos casos, tratamentos médicos em 12% e reembolsos em 7,2%. Oncologia representa 16,5% das ações, e demandas relacionadas ao Transtorno do Espectro Autista (TEA), 10%. De acordo com o CNJ, as decisões judiciais tendem a favorecer os beneficiários: 82% são procedentes na Justiça estadual, e liminares são concedidas em 69% das ações.
Porém, a Ordem dos Advogados do Brasil - Seção São Paulo (OAB-SP), em nota, manifestou preocupação com o "descumprimento sistemático de decisões judiciais por operadoras de planos de saúde". Além do crescimento da judicialização, relatório da ANS registrou também aumento nas Notificações de Intermediação Preliminar (NIPs), reclamações abertas por consumidores junto à agência reguladora: de 91.875 em 2019 para 301.893 em 2024.
O conjunto desses dados revela um cenário que ainda não foi estabilizado. "Apesar do volume expressivo de ações, o lucro das empresas tem crescido e não há qualquer sinal de que o setor esteja à beira do colapso. No mais, é preciso reconhecer que o Judiciário atua como instância final de proteção da cidadania e, embora o ideal seja reduzir a necessidade de litígios, é próprio de um Estado democrático que divergências relevantes sejam submetidas ao crivo do juiz", explica Elton Fernandes, advogado especialista em Direito da Saúde em São Paulo.
Resultados financeiros das operadoras em 2025
Apesar da alta nas despesas judiciais, o desempenho econômico das operadoras reforça o baixo impacto relativo da judicialização. Dados da ANS mostram que o lucro obtido pelos planos no primeiro trimestre de 2025 foi o maior desde 2018. O segmento médico-hospitalar registrou saldo operacional positivo de R$ 4,4 bilhões.
O resultado financeiro, influenciado pelas taxas de juros, atingiu R$ 3,6 bilhões no primeiro trimestre, crescimento de 58,6% em relação ao ano anterior. O setor atende atualmente 53,3 milhões de beneficiários em planos médico-hospitalares e 35,1 milhões em odontológicos. A sinistralidade média permaneceu em 81,1% no primeiro semestre de 2025.
Para o advogado especialista em planos de saúde, Elton Fernandes, o desempenho financeiro contradiz a tese de que a judicialização compromete a sustentabilidade. Ele argumenta que um gasto equivalente a 1,49% das despesas assistenciais não afeta de maneira estrutural o setor. O problema, segundo o advogado, é o aumento de litígios decorrentes de negativas de cobertura que poderiam ser evitadas.
Impacto da decisão do STF na cobertura dos planos
Em setembro de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.º 7.265 e definiu que o rol de procedimentos da ANS é referência para os contratos firmados após 1999.
Para consumidores e operadoras, a decisão passou a orientar a interpretação das autorizações a partir de critérios técnicos definidos pelo tribunal, como prescrição médica qualificada, inexistência de negativa expressa da ANS, ausência de alternativa disponível na lista, comprovação de eficácia por evidências científicas e registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O STF reforçou que o objetivo é padronizar parâmetros técnicos e reduzir a variabilidade entre decisões, sem extinguir a possibilidade de acesso a tratamentos não listados. Para Elton Fernandes, a decisão reorganiza o debate, mas não elimina a judicialização. "A decisão do STF fixa parâmetros técnicos relevantes, mas não é suficiente, por si só, para reduzir a judicialização, porque o núcleo do conflito permanece: a tensão entre a necessidade clínica indicada na prescrição médica para tratamentos fora do rol e a interpretação das operadoras de que sua obrigação se limita ao conteúdo expresso na lista da ANS", completa o advogado.
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