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Sobreviventes relatam horror do holocausto para estudantes brasileiros

27 ago 2013 - 11h01
(atualizado às 11h14)
No Colégio Marista Rosário, em Porto Alegre, as turmas de oitava série ouviram os sobreviventes do horror nazista
No Colégio Marista Rosário, em Porto Alegre, as turmas de oitava série ouviram os sobreviventes do horror nazista
Foto: Eduarda Alcaraz / Colégio Rosário

O que tem a ver a alegria de estudantes do ensino fundamental com a dor de quem foi perseguido por nazistas na Segunda Guerra Mundial? Para três sobreviventes da última geração que viveu o holocausto, um encontro contrastante como esse pode ser a esperança de um mundo mais tolerante, onde o horror que viveram não se repita. Bernard Kats, 76 anos, Johannes Melis, 75, e Curtis Stanton, 84, enfrentam a dor que por anos tentaram esquecer, para compartilhar as histórias com estudantes de escolas públicas e privadas do Rio Grande do Sul. 

Desenvolvido pela entidade judaica B'nai B'rith, dedicada à luta pelos direitos humanos, e pelo Instituto Cultural Judaico Marc Chagall, o projeto Compromisso Moral e Lições de Solidariedade já passou por 35 escolas desde 2008. A condição para o encontro acontecer é os alunos estarem estudando ou já terem estudado a Segunda Guerra Mundial. Uma das coordenadoras do projeto, a professora Liana Yara Richter conta que, no início, não havia tal pré-requisitos, mas a atenção dos alunos não era a mesma. "É muito doloroso para os sobreviventes falar sobre o assunto. Precisamos da atenção e do respeito dos alunos", diz Liana. A professora também ressalta que o trabalho dos professores anterior à palestra é essencial para a compreensão do tema. 

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No Colégio Marista Rosário, em Porto Alegre (RS), os alunos das cinco turmas da oitava série leram o livro A Estrela Amarela - A Perseguição aos Judeus antes de assistir à palestra. Mesmo assim, a aluna Laura Canani, de 14 anos, conta que o encontro foi diferente. "Quando a gente lê, parece que estão inventando. A gente não consegue acreditar que aquilo fez mesmo parte da história", diz Laura. A menina foi uma das que, ao final dos relatos, foi até o palco abraçar Kats, Melis e Stanton. Aléxia Engel, de 13 anos, diz que sentir o sofrimento de perto mudou seu ponto de vista sobre a história. "Senti esperança", conta a menina. 

Bernard Kats, Johannes Melis e Curtis Stanton contam a estudantes o que viveram durante o holocausto
Foto: Eduarda Alcaraz / Colégio Rosário

A professora de história do Colégio Rosário Marta Bitencourt ressalta que a diferença entre o professor contar e o aluno ouvir está na aproximação com o fato e com o sentimento que ele proporciona. "Este projeto é uma oportunidade de experienciar a história. Mesmo com livros, filmes e todos os instrumentos pedagógicos de que dispomos, é um acréscimo sem igual", diz a professora. 

Judeu conta que foi excluído na escola

O alemão Curtis Stanton conta que foi na escola que ele percebeu que algo estava errado em sua vida e no país. "Eu tinha que usar uma estrela de seis pontas na roupa, e de repente senti que meus amigos não eram mais meus companheiros. Todos eram doutrinados a evitar o contato com os judeus", conta. Como bons alemães que eram, ele e a família obedeceram às ordens do Estado, e se apresentaram na plataforma de trem no horário marcado, sem saber ao certo aonde iriam. Depois de dois dias em um vagão apertado, sem se alimentar e fazer necessidades, Stanton viu sua mãe pela última vez na entrada do campo de concentração de Auschwitz. Depois de passar quatro anos indo de um campo para o outro, em uma das viagens de caminhão, conseguiu ajuda de escoteiros franceses. Terminada a guerra, o desafio era outro: como sobreviver em um mundo civilizado novamente? 

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Europa, Camboja ou Ruanda

O judeu holandês Bernard Kats, que perdeu o pai convocado para um campo de concentração e passou por sete endereços se escondendo dos nazistas, diz que, apesar de muito já ter se falado sobre o holocausto, nas palestras de que participa, ainda sente adolescentes distantes da real dimensão do que aconteceu. "Já me perguntaram se conheci Hitler. Em geral, as novas gerações pouco sabem sobre os genocídios que aconteceram recentemente em Camboja ou Ruanda, por que saberiam sobre a Segunda Guerra?", questiona Kats. Ele ainda lembra do "tac tac tac" das botas dos soldados alemães, dos chutes na porta quando as casas eram revistadas, e tem até hoje amigos que o acolheram. "Colocaram a sua própria vida em risco para proteger pessoas que até então não conheciam", conta. 

Johannes Melis, católico holandês cujo pai escondeu duas famílias de judeus atrás de prateleiras giratórias e em escavações embaixo da pia da cozinha, diz que, mesmo engasgando durante os relatos, sente a gratidão dos alunos e professores nos encontros. "Faço a diferença na vida dessas pessoas", acredita. Ele lembra exatamente do plano quando os soldados vinham revistar a casa em busca do pai foragido: a mãe deitava na cama e se fazia de doente, enquanto ele e o irmão acendiam a lâmpada vermelha como sinal de silêncio aos refugiados e atendiam a porta. 

Kats, Melis e Stanton reconstruíram sua vida com base no amor de quem sobreviveu ao horror, e hoje contribuem para manter a história viva. Por boa parte das suas vidas, guardaram o que viveram para si, mas o medo de que tudo se repita os motiva a abrir aos alunos suas doloridas histórias - e a revivê-las todas as vezes que as contam. "Daqui a pouco não haverá mais quem possa contar", diz o septuagenário Kats. 

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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