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Professor premiado criou feira de ciências em presídio no ES: 'A gente faz educação em todos os espaços'

Rodrigo dá aulas de Química e, com os alunos detentos, desenvolve projetos que são aplicáveis ao cotidiano da unidade prisional

24 out 2025 - 04h59
Resumo
O professor Rodrigo da Vitória Gomes foi premiado como Professor do Ano 2025 por transformar a educação em uma escola prisional no Espírito Santo, promovendo ciência, cidadania e sustentabilidade por meio de uma Feira de Ciências com projetos aplicáveis ao cotidiano carcerário.
Rodrigo da Vitória Gomes transforma as salas de aula de uma escola prisional do Espírito Santo em um espaço de ciência
Rodrigo da Vitória Gomes transforma as salas de aula de uma escola prisional do Espírito Santo em um espaço de ciência
Foto: Divulgação

Há quatro anos, o professor de Química e pedagogo Rodrigo da Vitória Gomes, de 32 anos, transforma as salas de aula de uma escola prisional do Espírito Santo em um espaço de ciência, cidadania e sustentabilidade. Junto com os alunos detentos, o educador realiza uma Feira de Ciências na qual são apresentados projetos elaborados ao longo do ano letivo e que são aplicáveis ao dia a dia do cárcere.

Vencedor do Prêmio Toda Matéria Professor do Ano 2025, Rodrigo enfatiza a importância do reconhecimento e valorização dos profissionais que trabalham com educação em prisões.

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"Quando a gente fala de educação, acho que o último lugar que as pessoas pensam é em presídio. Vencer o prêmio foi muito importante, justamente pelo fato de mostrar que a gente realiza educação em todos os espaços. A gente não precisa de uma sala de aula 100% equipada com tecnologia de ponta para fazer algo acontecer", afirma o professor em entrevista ao Terra.

Rodrigo trabalha há oito anos na Escola Estadual Prof. Manoel Abreu, que é vinculada ao Centro de Detenção e Ressocialização de Linhares (CDRL), no Espírito Santo. O professor dá aulas de Química para maiores de 18 anos na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA), que permite que as pessoas concluam o ensino fundamental e o ensino médio se não tiveram a oportunidade de estudar na idade regular. 

Como funciona a feira

O educador conta que a proposta de montar uma Feira surgiu em 2021 como uma forma de motivar os estudantes em sala de aula.

"Como eles estão em processo de ressocialização e estão privados de liberdade, não têm contato com o mundo externo. Só que as disciplinas de Ciências da Natureza, que são Química, Física e Biologia, a gente precisa atrelar a contextualização para tornar aquela aprendizagem significativa. Surgiu a ideia de pensar soluções para o próprio ambiente prisional, como a ciência que eles estavam aprendendo poderia contribuir onde eles estão vivendo", explica.

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Segundo o professor, eles desenvolveram no começo um desinfetante para limpar a galeria da cela, um sabão usando o óleo de fritura da cozinha da unidade e um tipo de mecanismo que melhora a ventilação da cela, por exemplo.

No início, o evento era algo menor e, com os anos, foi se consolidando. Hoje, a iniciativa mobiliza em torno de 300 estudantes privados de liberdade por edição e impacta cerca de 1,9 mil pessoas por ano, envolvendo familiares, servidores e a comunidade local.

A Feira de Ciências do CDRL acontece em consonância com a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, organizada anualmente pelo Ministério da Educação (MEC). A partir do tema nacional, os professores de todas as disciplinas e os alunos da unidade prisional começam a desenvolver os produtos que são trabalhados ao longo de todo o ano letivo. O projeto ainda conta com apoio da Secretaria de Justiça, da Secretaria de Educação e parcerias com universidades federais da região. 

"Começa em fevereiro e finaliza em dezembro. Temos todo uma fase de prototipação, experimentação, aplicação, pesquisa. As famílias trazem ideias também durante as visitas. Muitas vezes, a família guarda o óleo que usa em casa e traz para eles fazerem o sabão ou guarda uma garrafa pet, por exemplo. Isso movimenta também a comunidade de forma a contribuir com esse projeto", conta Rodrigo.

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Rodrigo foi eleito neste mês o vencedor do Prêmio Toda Matéria Professor do Ano 2025
Foto: Arquivo pessoal

Apresentação dos projetos

Atualmente, essa escola prisional tem 12 turmas e cada uma precisa apresentar ao menos cinco ideias. Em cada edição, portanto, são apresentados pelo menos 60 projetos diferentes e cinco são selecionados para serem aplicados efetivamente no cotidiano da prisão.

"A gente realiza uma feira externa e abre isso para a comunidade, para as autoridades, para as famílias virem conhecer. Uma coisa interessante é que essa escola é dentro do regime fechado, tem privados de liberdade com 10, 15 anos sem ter contato externo. A gente realiza essa feira no pátio da unidade. Os alunos que desenvolveram têm a oportunidade de sair de dentro do presídio, vir para a parte externa e apresentar o que eles desenvolveram", ressalta o professor. 

Algumas ações mais recentes incluem reaproveitamento do isopor da marmita deles para fazer artesanato, hortas agroecológicas, projetos de energia sustentável e estratégias para reduzir o consumo de água.

Mudanças no ambiente

Para Rodrigo, a feira trouxe muitos resultados positivos para o ambiente prisional e, inclusive, mudou o olhar tanto da segurança quanto dos próprios internos sobre os presos. "Isso reduz o índice de violência dentro do presídio, aumenta a motivação dos estudantes quanto o reconhecimento deles no mundo externo, melhora a convivência deles. E o mais importante de tudo é a segurança", diz o educador.

"Muitas vezes a segurança tem uma visão de que privados de liberdade entram em um presídio para serem vigiados e punidos. E, na verdade, o processo de ressocialização não deve vir dessa forma. Deve ser para reconstruir a identidade do aluno para que ele possa sair uma pessoa melhor. Antes do projeto, a escola não era muito bem vista pela comunidade da segurança. Isso contribuiu muito. O policial penal viu a importância da educação ali dentro", acrescenta.

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O professor também destaca que se sente muito realizado com o trabalho que vem sendo desenvolvido: "Sempre quis ser professor e isso é muito gratificante justamente pelo fato de mostrar o reconhecimento do trabalho do professor, como ele é importante, não somente ali na base na escola regular, mas nós precisamos mostrar que a educação tem esse conceito fácil. E aqui, o trabalho do professor se torna importante para dar uma luz a esses privados de liberdade que, no futuro próximo, estarão na rua e poderão se ressignificar e traçar um futuro melhor."

Fonte: Portal Terra
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