Estudante surda de escola pública de Praia Grande, SP, conquista medalha de prata na Olimpíada Brasileira de Matemática em Libras, destacando-se em meio a participantes de instituições especializadas e inspirando inclusão e superação.
A estudante Ingrid Tayná Jardim de Brito Orbelli, de 19 anos, conquistou a medalha de prata na Olimpíada Brasileira de Matemática em Libras (OBM Libras), na categoria Ensino Médio. Aluna da Escola Estadual Jardim Bopeva, em Praia Grande, no litoral de São Paulo, ela se destacou como a única medalhista vinda de uma escola regular, entre participantes majoritariamente de instituições especializadas para surdos.
Receba as principais notícias direto no WhatsApp! Inscreva-se no canal do Terra
"É muito importante. Ficamos muito felizes da escola pública ter essa visibilidade. Porque ainda existe muito preconceito em relação à escola pública. A conquista da Ingrid mostra que o aluno não deve nunca deixar de acreditar, que não desista de tentar, porque esta foi a terceira tentativa dela na prova", destacou a professora de matemática Ana Claudia Pereira Salomão.
"Para nós, foi como ganhar ouro"
Em contato com a reportagem, a professora não escondeu o orgulho ao explicar que a escola que levou o ouro na mesma categoria é uma instituição bilíngue, com professores e alunos surdos. "A Ingrid estuda numa escola com mais de 40 alunos que são ouvintes, em sala de aula juntamente com ela. Então, é um esforço de todos", destaca a educadora. "Ela ganhou essa medalha de prata, mas para gente foi como uma medalha de ouro."
O caminho até a conquista foi um processo de longo prazo, como define a professora. A escola conheceu a OBM Libras em 2022 e, desde 2023, no mesmo ano da chegada de Ingrid à escola, engajou-se na preparação. O suporte veio de um trabalho de equipe que incluiu o professor regente de matemática, João, a professora Ana Claudia, que está à frente da preparação da competição, e, crucialmente, as intérpretes de Libras.
A estratégia de preparação se deu em um momento específico do currículo chamado de "tutoria", onde os alunos recebem aulas direcionadas para olimpíadas do conhecimento ou de suporte socioemocional.
"Como que eu conduzia isso? Eu conversava com as intérpretes, elas iam para a sala onde eu ministrava essas aulas com os nossos alunos surdos e aí a gente estudava matemática", relata Ana Claudia. "Resolvendo as questões do ano anterior da Olimpíada e tirando as dúvidas deles."
A educadora destaca a importância da parceria com as intérpretes, já que ainda não domina totalmente Libras. "Sem as minhas parceiras, as intérpretes, não seria possível. É muito específico para você explicar a matemática em Libras. Com o auxílio delas, a gente foi desenvolvendo esse projeto."
A prova inclusiva
Um fator essencial para a participação dos alunos é a adaptação da própria prova. "A Olimpíada é totalmente adaptada para alunos surdos", explica a professora. "A gente entra na plataforma e eles clicam na questão e aparece um vídeo com a intérprete de Libras fazendo a pergunta."
A edição deste ano contou com duas fases. Na primeira, os participantes responderam a 10 questões de múltipla escolha. Os melhores colocados seguiram para a segunda etapa, composta por duas questões dissertativas. Nessa fase, além de resolver os problemas, os alunos também precisaram enviar um vídeo explicando o método utilizado para chegar às respostas.
Foi por meio de uma inclusão efetiva que a matemática se tornou uma das matérias preferidas de Ingrid. Em entrevista ao Terra, utilizando Libras, a estudante destacou a importância desse processo. “O professor João me ensinou, e eu aprendi. Mas antes [em outra escola], eu não conseguia entender muita coisa. Depois veio a adaptação, e eu comecei a estudar do jeito certo, com a mesma disciplina dos alunos ouvintes e aí passei a entender. Hoje eu sou feliz, eu respondo tudo!”, contou.
Inspiração para outros alunos
A notícia da medalha foi dada em uma surpresa organizada pela escola. "Chamamos a Ingrid e ela desceu meio tensa porque não sabia se ia tomar bronca", lembra a professora, rindo. "E a gente fez uma festa para ela. A medalha ainda não chegou à escola, mas já teve a cerimônia de premiação, e foi muito legal. Nos reunimos com a família dela, colegas, para comemorar."
Para Ingrid, a conquista trouxe o reconhecimento de colegas e muita alegria. "Eu fiquei muito feliz quando eu soube da medalha. Minha família ficou feliz, eu fiquei famosa na TV", contou, rindo. "Nossa, é muito importante, os professores me ensinaram e eu me esforcei. Os alunos me deram parabéns, fizeram festa, foi muito bom". Sobre o futuro, a medalhista já tem um plano: "Eu quero ser veterinária. Eu vou estudar muito para conseguir."
A história de Ingrid já é exemplo pelos corredores da escola e serve de inspiração. "Ainda serve de incentivo para os outros alunos", diz Ana Claudia. "Serve também de motivação e de inspiração para os outros alunos que são ouvintes, para eles verem que não tem barreiras", destaca a professora.